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“É um filme sobre desigualdade social”, diz Wagner Moura sobre a ficção científica Elysium

Roberto Sadovski

09/04/2013 02h59

"Você está trabalhando com um amigo meu." Matt Damon arregalou os olhos e passou a mão pela careca. Era o lançamento de Contágio e ele conversava comigo em Los Angeles – durante um intervalo das filmagens de Elysium. "Ah, você é brasileiro, o Wagner é seu amigo?" Daí a conversa sobre o drama de Steven Soderberg migrou para os bastidores da ficção científica de Neill Blomkamp, longa que segue o incrível Distrito 9. "Wagner é um sujeito incrível e um ator sensacional", bradou Damon. "Conheci sua família, é um sujeito com os pés no chão. Foi ótimo trabalhar com ele."

wagner e matt em elysium

Wagner Moura dá uma coçadinha na cabeça careca de Matt Damon em Elysium

Corta para a noite de segunda, 8 de abril, em um cinema de São Paulo. Elysium está pronto para ser lançado (o que acontece em 20 de setembro) e um grupo de blogueiros e fãs lotou a sala para ver dez minutos do filme, seguidos por um bate papo com Wagner Moura e também com Alice Braga, também no elenco do filme. Nos bastidores, eu batia um papo com a dupla antes do evento. "O Matt falou tudo isso de mim?", exclamou Wagner, com um sorriso largo. "Cara, foi uma experiência incrível, única." Wagner e Alice, que trabalharam juntos em Cidade Baixa, de 2005, também desfilam elogios um ao outro – a sinceridade e a camaradagem estampada no rosto de cada um. "Não teria conseguido se não fosse a Alice estar comigo nas filmagens", dispara o ator, que fez de Elysium sua estréia no circuitão das produções hollywoodianas. "Ele que sugeriu meu nome!", devolve Alice, que conta com uma carreira sólida fora do Brasil, em produções de grande escala como Eu Sou a Lenda e Predadores.

Conhecendo Wagner Moura, a idéia de trabalhar em um filme hollywoodiano não seria suficiente para colocá-lo longe da família – e do Brasil – num esquema de filmagem internacional: se um filme no Brasil é rodado em média em seis semanas, uma produção do porte de Elysium, entre a fotografia principal e a bateria de reshoots, consome cinco meses. "Foi o tema, o modo como Neill usa ese aparato todo para contar uma história muito humana, sobre desigualdade social, luta de classes", explica. "Tudo com um pano de fundo fantástico, com uma história de ação, de efeitos especiais. É algo muito, muito difícil de equilibrar." A julgar pelos dez minutos exibidos em São Paulo (e, simultaneamente, em Berlim e em Los Angeles), os fãs de ficção científica, o gênero perfeito para explorar metáforas e a condição humana, e do bom cinema, vão concordar que Neill Blomkamp atingiu esse equilíbrio que Wagner viu no roteiro.

alice elysium

Alice Braga como Fray, enfermeira e moça boazinha em Elysium… será mesmo?

As cenas exibidas mostram Mall Damon como Max da Costa, que vive na Terra de um futuro não tão distante. O planeta está um lixo: em favelas intermináveis, a humanidade sobrevive à brutalidade policial, falta de assistência social, saúde precária e zero condições de trabalho humanas. Mas quem está na Terra é a sobra: a "elite" da humanidade vive numa estação espacial utópica chamada Elysium – qualquer tentativa de imigração ilegal é rechaçada com violência e morte. Quando Max é contaminado por radiação, sua única chance de não morrer é dar um jeito de entrar ilegalmente em Elysium e curar o câncer que corrói suas células. Lá, a tecnologia é corriqueira. Na Terra, sua única esperança é recorrer a Spider, um sujeito mezzo revolucionário, mezzo coiote, que pode lhe colocar no paraíso… por um preço.

É aí que Wagner Moura entra em cena. No papel de Spider, o ator em nada lembra seus papéis mais notórios, como o Capitão Nascimento dos dois Tropa de Elite. Spider pode "contrabandear" Max para Elysium – em troca, pede que ele roube informações do cérebro de um ricaço que faz negócios escusos na Terra devastada. Spider também é o responsável por equipar Max com um exoesqueleto que o deixa mais forte para cumprir a missão – "equipar" no sentido de fundir seu corpo com uma carapaça metálica em um processo doloroso e, pelo estado das coisas, irreversível "Eu descobri qual era a do personagem quando comecei a atuar em inglês", conta. "Foi aí que eu encontrei a voz, e em seguida veio toda a expressão corporal, o modo de se mover." Era como Neill queria Spider? "De forma alguma, ele queria tudo diferente! Mas deixou eu fazer do meu jeito…" Coberto de tatuagens, mancando em uma perna, Spider é a antítese do que Elysium representa, da segregação imposta por sua administradora (interpretada por Jodie Foster). Alice completa: "Foi incrível ver a transformação do Wagner e esse jeito doido que ele tem em criar um personagem. Foi lindo! E eu ouvia todos os dias elogios sobre o quanto sua performance estava incrível!".

damon em elysium

Matt Damon, armado e com um exoesqueleto desconfortável, luta por sua vida

Mas os detalhes param por aí. Nem Wagner e nem Alice puderam entrar mais fundo em seus personagens – não sem entregar pontos fundamentais do roteiro. "É raro hoje em dia a gente trabalhar com um personagem tão complexo", diz Wagner. "Não posso dizer que Spider é bom ou ruim ou nada assim maniqueísta. Ele é um sujeito em uma situação extraordinária, e reage ao mundo da única maneira que acha certa." Alice Braga também falou pouco sobre Fray, uma enfermeira que tenta viver na Terra devastada, bem longe do paraíso que é Elysium. "Ela conhece bem o personagem de Matt Damon, e ela é a mocinha da história… Bom, mais ou menos isso, melhor manter a surpresa", esquiva-se.

Ao fim do evento, Wagner e Alice estavas extasiados. Não esperavam uma plateia tão grande, não esperavam a saraivada de perguntas tão específicas,  não esperavam a resposta positiva aos dez minutos exibidos. Ou melhor, esperavam sim. Os dois assistiram ao filme completo na tarde do dia 8, antes de seguir para o cinema. Difícil segurar a ansiedade até setembro, mais difícil ainda bater um papinho rápido com uma legião de fãs do gênero. "Cara, ainda tem tanto chão, e a gente filmou há tanto tempo, essa espera toda é complicada", desabafa Wagner, faminto depois de "jantar" meio saquinho de pipocas. "Mas a experiência foi massa. É um espetáculo, faz a gente pensar. Neill é um gênio! O primeiro diretor mais jovem do que eu com quem já trabalhei." E completa, com um sorriso: "E a comida no set de um filme de Hollywood é boa demais! Por isso que eles são uma nação obesa".

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.