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Guillermo Del Toro adiciona humanidade ao cinema-espetáculo com o eletrizante Círculo de Fogo

Roberto Sadovski

08/08/2013 04h02

Chega a ser irônico que a emocionante cena de luta do cinema em 2013 seja travada por dois efeitos especiais gigantes. Explico. A certa altura da "batalha de Hong Kong" que explode no meio de Círculo de Fogo, um jaeger (robôs gigantes pilotados por duas pessoas) arrebenta um kaiju (monstro gigante que emerge de uma fenda dimensional no Pacífico) e metade da cidade chinesa no processo. A briga começa no mar, estende-se em meio à selva de concreto e cores e termina no espaço. A ação é estonteante, a coreografia, um balé de destruição em alta escala. No centro de tudo, pessoas de verdade tentando, na raça, garantir o futuro da humanidade. É uma arquitetura de tirar o fôlego, com emoção genuina entranhada empixels e terabytes de criações digitais.

Poucos diretores conseguem este equilíbrio. Mas o mexicano Guillermo Del Toro parece ter nascido para isso.

Círculo de Fogo (Pacific Rim no original, que se refere ao pacific ring of fire, uma área no fundo do Oceano Pacífico assolada por terremotos e atividade vulcânica) é engenharia de criação de um novo universo. Na realidade tecida por Del Toro e pelo roteirista Travis Beacham, a Terra passa a ser atacada sistematicamente por criaturas gigantescas que surgem do mar. Para combatê-las, os governos se unem na criação do Programa Jaeger, que basicamente consiste na construção de robôs gigantes, pilotados por duas pessoas que compartilham uma conexão mental necessária para guiar, juntos, o colosso de metal. Quando Círculo de Fogo começa, os jaegers estão prestes a ser aposentados por políticos acovardados e um grupo privado coloca as últimas dessas máquinas em ação no que pode ser a batalha derradeira da humanidade.

O kaijun acha que é um bom dia para ir à ópera…

Mas engana-se quem acha que Círculo de Fogo é filhote de Transformers, com a pirotecnia fazendo mais barulho que as pessoas de verdade. O cinema de Guillermo Del Toro, apesar de coalhado de monstros exóticos e outras criaturas fantásticas, é delicadamente humanista: o coração de seus filmes, seja A Espinha do Diabo, seja O Labirinto do Fauno, seja os dois Hellboy, é o modo como as pessoas comuns interagem com um universo extremo. Neste caso específico, como o piloto Raleigh Becket (Charlie Hunnam) lida com o mundo depois de ver os kaijuns bem de perto – tão perto quanto o piloto de um jaeger pode chegar sem perder a vida. Raleigh teve sorte, mas é acompanhado por uma tragédia pessoal que coloca em xeque sua capacidade de retomar o comando de um robô de combate depois de anos afastado.

É quando Del Toro insere o conflito de Círculo de Fogo. Para um jaeger funcionar, os dois pilotos precisam compartilhar memórias, precisam entrar um na mente do outro. E Raleigh se vê como parceiro de Mako Mori (Rinko Kikushi, de Babel), ela mesma sobrevivente de um ataque de kaijus em Tóquio quando criança. Para comandar a máquina, prender-se a memórias pode ser perigoso. Mas com o futuro da humanidade em jogo este equilíbrio precisa ser encontrado, mesmo que seja em pleno combate. Del Toro é engenhoso ao desenvolver Raleigh e Mako como herói falhos, que precisam superar suas tragédias pessoais em prol do bem maior. O diretor é ainda mais esperto ao salpicar Círculo de Fogo com coadjuvantes brilhantemente desenvolvidos (como Ron Perlman e Charlie Day), que fazem com que a trama absurda do filme (e quando menos falar dela, maior a surpresa) se torne fácil de ser assimilada.

Raleigh (Charlie Hunnam) e Mako (Rinko Kikushi) prontos para salvar o dia

Este equilíbrio entre tecnologia – em cena e do lado de cá das câmeras – e cuidado com os personagens é o que eleva Círculo de Fogo além do simples espetáculo visual. Sim, os efeitos especiais são de tirar o fôlego, são ferramentas para criar um mundo que merece ser estendido. O design de jaegers e kaijuns, por sinal, merece atenção redobrada. Os primeiros surgem como gigantes de metal com personalidade distinta, batizados com nomes de brinquedos de criança como Gipsy Danger e Crimson Typhoon (um dos baratos do filme é mostrar que, em certo momento, a humanidade encarou o conflito de máquinas e monstros como um telecatch anabolizado). Os segundos, criações de uma tenebrosa elegância, não só rendem homenagem aos grandes flagelos colossais do cinema nipônico como trazem o dedo de seu criador, já que Del Toro os incute com anatomia tão funcional quanto alienígena.

Mas as batalhas que reduzem cidades a pó são apenas parte do recado dado por Círculo de Fogo: venha para o circo pelos bichos exóticos, fique para saber se o treinador sairá da jaula dos leões em um único pedaço. Guillermo Del Toro quer que você entenda tanto o instinto mais primitivo dos leões quanto o que se passa na cabeça do domador. Colocando o elemento humano em um espetáculo de som, cores e fúria, ele consegue exatamente isso.

O Chico Fireman tem uma outra visão de Círculo de Fogo. Confira.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.