Documentário Cidade Cinza joga novas cores na arte de rua de São Paulo
Em minha cabeça, grafite era uma coisa; pichação, outra. Pouco antes do começo da sessão de Cidade Cinza, o diretor Marcelo Mesquita (que trabalhou ao lado de Guilherme Valiengo) me puxou de lado e explicou que, no fim, tudo é igual e tudo é válido. "Mas como a arte e a sujeira podem ser a mesma coisa?", cocei a cabeça. "A discussão não é sobre o que é arte", ele disse. "Mas sobre como a voz de quem não tem voz, mesmo necessária, é apagada." Pouco menos de duas horas depois, com Cidade Cinza flutuando nas ideias, eu voltei a pensar nas palavras de Mesquita. E, ao sair do cinema, enxerguei os muros grafitados (pichados?) ao redor e pensei em vozes, em cores. E no cinza que os cobre.
Cidade Cinza é um trabalho de sete anos. O que começou como o registro do trabalho de artistas de rua como Nunca e Osgemeos, que viram seus grafites por muros, paredes e pontes de São Paulo ganhar o mundo como arte legítima, evoluiu para o universo paralelo em que a prefeitura da cidade se esforça para cobrir de cinza os muros "sujos". Não só mostra uma cidade que perde sua cor, mas também ampliando o debate sobre a quem pertence o espaço público e até que ponto o poder vigente – independente de partidarismo, já que, a cada troca de administração, a "operação limpeza" se mantém firme – vai de encontro com a voz das ruas.
O que fica claro com as palavras dos protagonistas de Cidade Cinza é que, acima de tudo, o grafite (pichação?) é a expressão de quem não encontra espaço "formal" para dizer o que pensa sobre a própria cidade na qual habita. Com habilidade, o filme estabelece uma cronologia dos artistas, mostrando de forma clara seu desenvolvimento e suas influências, o reconhecimento de institutos de arte fora do Brasil, até chegar à encruzilhada atual. Sua defesa apaixonada de seu trabalho é esperada, porém justa: existe estilo, existe evolução e, principalmente, existe uma visão muito clara do que a turma reunida no documentário quer mostrar. Mas a contrapartida é ainda mais sensacional: ao acompanhar os representantes do poder público que fiscalizam São Paulo em busca de grafites (pichações?) para cobrir de cinza, chegamos a um mundo bizarro em que o funcionário da prefeitura assume papel de censor, "crítico de arte" e até curador, determinando com o polegar para cima ou para baixo, arvorado em seu pequeno poder, quais obras "merecem" ser mantidas e quais, determinadas "feias e sujas", são levadas ao caminho do esquecimento. Triste e impressionante.
O ponto central de Cidade Cinza é um mural de 700 metros quadrados, na alça de acesso da avenida 23 de maio, que foi apagado pela administração pública em 2008. Com a atenção da mídia e o protesto da elite cultural paulistana, o prefeito de então, Gilberto Kassab, admitiu o "equívoco" ("Um equívoco de 700 metros quadrados?", pergunta a certa altura o artista Nunca), e um novo mural foi pintado em conjunto. A "reinauguração", com direito a muita demagogia e palavras vazias por parte dos donos do poder, que praticamente ignoram as palavras dos artistas ao posar para as câmeras da imprensa, é um dos momentos brilhantes captados pelas lentes de Cidade Cinza.
Afinal, é grafite ou pichação? Afinal, é sujeira ou arte? Afinal São Paulo é uma cidade que não compreende artistas desse porte ou é uma cidade cuja vocação é para a frieza do concreto? Não há respostas. Mas Cidade Cinza consegue levantar a discussão. Particularmente, de cinza basta a chuva.
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