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QUAD é quadrinho nacional de ficção científica com ar nostálgico

Roberto Sadovski

02/12/2013 00h41

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Vamos a um fato importante: as bancas e livrarias no Brasil nunca estiveram tão abarrotadas de histórias em quadrinhos. De lançamentos mega mainstream a apostas independentes. E não só mídia física. HQs digitais, gente nova experimentando novas mídias. Editoras tradicionais publicando gibis, criadores apostando na guerrilha, em crowd funding, em projetos coletivos. É uma época bacana. Ainda assim, eu sentia falta de gêneros. Boa parte dos gibis "de autor" nacionais querem ser um filme do Wes Anderson, usar camisa xadrez de flanela e deixar a barba por fazer. Não há nada de errado com isso, a não ser que "isso" seja a única oferta. Ainda bem que não é.

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QUAD é ficção científica. Ao passar os olhos pela antologia feita pelo quarteto Schaal, Sanches, Aluísio e Ferigato, a mente foi ao passado, numa época em que tramas fantásticas como Paralelas, de Watson Portela, encontravam espaço nas bancas do Brasil. Os artistas fizeram o caminho mais esperto e mais urgente: em vez de esperar pela boa vontade de editoras brasileiras a investir em material 100 por cento original, colocaram o bloco na rua, fizeram um crowd funding (quem colaborou ficou com um sketchbook lindão), criaram personagens bacanas e o resultado é um álbum belíssimo, que traz o ponto de partida de quatro tramas que podem, ou não, compartilhar um mesmo universo. E a idéia da ficção científica é bem essa. Criar um universo.

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"Terah & Elvis", de Eduard Schaal, já abre QUAD com uma paulada. Estabelece este mundo futuro (uma terra aparentemente pós-apocalíptica, com tecnologia suja, mutantes, bots e aliens) em uma ambientação simples. A heroína, Terah, precisa se reconciliar cmo o passado e encara uma ameaça inusitada ao topar um trabalho simples. Bem delineada, a história já conta pontos por deixar a protagonista nas mãos de uma mulher sem nunca apelar para sexismo ou outras bobagens. "Esp-Trent", de Aluísio Cervelle Santos, dá uma guinada cyberpunk com a aventura de um robô que tem como emprego caçar outras inteligências artificiais que violam as leis da robótica. "Muros", de Diego Sanches, mira no quintal deste mundo, mostrando os "lixeiros" que preservam parte da cultura antiga da civilização, deixada à parte da classe trabalhadora – uma variação esperta de conceitos vistos em trabalhos como Metrópolis e o recente Elysium. QUAD fecha com "Sally", de Eduardo Ferigato, que mais se aproxima de uma ficção científica clássica, com um astronauta explorando mundos desconhecidos para atender um pedido de socorro, com um desfecho que mergulha no pessimismo de tramas clássicas como Planeta dos Macacos ou Druuna.

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Ou seja, a atmosfera é old school. Os conceitos, familiares, ajudam a mergulhar nas tramas com mais facilidade. Ninguém quer reinventar a roda, e sim usá-la com eficiência. É bem evidente que o quarteto de criadores absorveu o filé da ficção científica na cultura pop do século 20, e toda essa bagagem está refletida em cada uma das histórias. Estando as estrelas alinhadas, elas renderão mais e mais episódios. Isso, por sinal, é o aspecto mais legal de QUAD: não se trata de uma obra hermética, e a possibilidade de expansão é evidente. Principalmente se a idéia for usar os quadrinhos como ponto de partida para explorar outras mídias, como animação, web e até experiências live action. O Brasil anda carente de trabalhos de gênero, e uma iniciativa como essa merece atenção para que a cultura seja algo cada vez mais universal, sem a obrigação de "brasilizar" tudo que é produzido por aqui. O mundo de QUAD é aberto (e você pode conhecê-lo melhor aqui), assim como o mundo que hoje nos cerca. As fronteiras, como dizem, só existe em nossa imaginação.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.