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Vencedores, perdedores e o novo Globo de Ouro, festeiro como sempre

Roberto Sadovski

13/01/2014 03h21

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O Globo de Ouro está tentando se modernizar. Não, espera, deixa eu reescrever: o Globo de Ouro está tentando dar um upgrade em sua reputação. Por anos, a festa promovida pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, a HFPA, foi alvo de críticas severas quanto a sua idoneidade. Quando O Turista, uma das produções mais apedrejadas pela crítica, terminou como candidato a melhor filme em 2011, o sinal vermelho acendeu: afinal, o que quer o Globo de Ouro? Para quem ele serve? Qual sua relevância? Talvez essa sombra de negatividade tenha finalmente sido percebida pela organização. Coisas começaram a mudar.

Recentemente, muitos novos membros – todos jornalistas de cinema em Los Angeles, muitos amigos meus – passaram a integrar as fileiras da HFPA. As indicações para a premiação deste ano também entregaram uma vontade sincera de abraçar os filmes, sua qualidade e relevância, e não apenas o glamour de reunir a nata de Hollywood sob o mesmo teto com um jantar bacana, muita bebida, tapinhas nas gostas, piadas sem graça, discursos intermináveis e por aí vai. De 12 Anos de Escravidão a O Lobo de Wall Street, passando por Gravidade, Trapaça e Capitão Phillips, a seleção escolhida pela HFPA tinha peso, tinha qualidade, tinha talento de verdade. Isso fez com que a festa dessa noite de domingo surgisse com outro bom fator: o elemento surpresa!

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12 Anos de Escravidão, melhor filme na categoria drama

Fato. O Globo de Ouro 2014 foi uma premiação sem favoritos. Claro que alguns candidatos tinham tanto charme e talento para queimar que não era difícil enxergá-los sem um troféu. Como Jennifer Lawrence, melhor atriz coadjuvante por Trapaça. Ou Alfonso Cuarón, melhor diretor por Gravidade. Mas a pulverização foi geral – e apontar os vencedores não foi tarefa simples. A ficção científica romântica (!) Ela laureou o roteiro de seu diretor, Spike Jonze. Cate Blanchett ganhou como atriz por Blue Jasmine, um Woody Allen (homenageado ausente da festa) menor. O grande O Lobo de Wall Street ficou com o troféu de melhor ator para Leonardo DiCaprio (em uma "comédia", mas a gente chega lá). Clube de Compras de Dallas viu seus dois atores, Matthew McConaughey e Jared Leto, voltando para casa com um Globo de Ouro para colocar em cima da lareira. Trapaça ainda mordiscou os prêmios de atriz (Amy Adams) e melhor filme na categoria comédia (sim, a gente chega já lá). E 12 Anos de Escravidão, grande favorito e vencedor em dezenas de "listas de melhores" ano passado, faturou um único prêmio, de melhor filme, que pareceu até apagado no fim de três horas de uma festa em que, honestamente, os convidados não economizaram no fluxo etílico.

Mas vamos falar sobre a tal categoria comédia/musical. A modernização do Globo de Ouro poderia se beneficiar absurdamente se os critérios da premiação fossem revistos. Afinal, nenhum dos cinco filmes indicados à categoria (O Lobo de Wall Street, Nebraska, Inside Llewyn Davis, Trapaça e Ela) pode, neste planeta, ser considerado uma comédia. É um reducionismo que, apesar de garantir mais troféus – consequentemente, mais gente bonita na festa –, diminui a importância dos filmes ante a categoria drama, a mais "nobre", que tinha, ao lado do vencedor 12 Anos de Escravidão, Gravidade, Philomena, Capitão Phillips e Rush. Quem decide onde cada filme vai depositar suas chances é a HFPA, não importa que o distribuidor de O Lobo de Wall Street tenha apontado o filme como drama. Um filme de terror jamais seria indicado? E uma ficção científica, onde cairia? Caçadores da Arca Perdida (que não foi indicado à época) seria hoje uma comédia? O lado bom: os dez filmes apontados pela HFPA são excepcionais, e os dez poderiam ter levado o prêmio máximo para casa sem pestanejar.

Christian Bale;Amy Adams;Bradley Cooper

Trapaça, melhor filme na categoria comédia/musical

No fim, o Globo de Ouro não tem o peso de um Oscar, e também não serve como termômetro – apesar de evidenciar vários filmes ante os votantes da Academia, como as dezenas de premiações que antecedem a festa da estatueta. Mas a cerimônia de 2014 mostra que, ao menos artisticamente, a HFPA está mirando no lugar certo. Como festa (e como programa de TV, o que o Globo de Ouro, no fim das contas, é), aposto que os figurões do cinema ianque reunidos no Beverly Hilton em Los Angeles se divertem muito mais do que os mortais do lado de cá. O Oscar é uma premiação da indústria; o Globo de Ouro é uma reunião entre amigos bem cara, na qual eles convidam milhões de pessoas de todo o mundo a participar. Divertida, cansativa e, após algumas horas, impossível não conferir o relógio. Eu ainda sonho com o dia em que Amy Poehler e Tina Fey, por melhores que sejam como apresentadoras, sejam trocadas por Jim Carrey: aí sim seria uma festa imperdível.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.