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Homem-Aranha, uma vida que não está (só) no gibi, parte 2: em carne e osso!

Roberto Sadovski

23/04/2014 07h02

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E lá se vão quase 52 anos da criação do Homem-Aranha. Depois de seu start nos quadrinhos, e de sua evolução para as séries animadas, o passo seguinte seria adaptar o Cabeça de Teia para um mundo tridimensional, com gente de carne e osso dando vida ao herói e seus vilões fantásticos. Do começo na TV, passando por versões bizarras fora dos Estados Unidos, até o triunfo no cinema do novo século, o Homem-Aranha enfrentou tantas agruras quanto Peter Parker encara em sua vida de ficção. Mas se alguém começa a carreira como parceiro de Morgan Freeman, difícil dar errado no resto do caminho…

Homem-Aranha Volta a Atacar!

Ok, tente rir, mas pouco: era para as criancinhas...

Ok, tente rir, mas pouco: era para as criancinhas…

A primeira vez que o Homem-Aranha apareceu na TV em uma série live action, ele sequer era o protagonista. Sua estreia foi em The Electric Company, um programa infantil educativo exibido na PBS, a rede de TV pública dos Estados Unidos. No elenco, entre atores de teatro e comediantes, que traziam textos didáticos e muitas vezes improvisados, estavam Bill Cosby e Rita Moreno – ambos já estabelecidos no showbiz – e um novato de trinta-e-poucos anos chamado Morgan Freeman. Foi na quarta temporada do programa, em 1974, que Danny Seagren, dançarino profissional e titireiro do Vila Sésamo, passou a integrar o elenco como o Homem-Aranha. Claro, a semelhança com o herói dos gibis terminava na roupa: ele nunca surgiu como Peter Parker, enfrentava vilões que não fariam feio no Chaves e "falava" com balões com diálogos que surgiam no cenário. Tosco e divertido.

A coisa ficou séria, no entanto, em 1977, quando a CBS encomendou o piloto de The Amazing Spider-Man, primeira série de verdade com o herói, que ganhou vida com o ator Nicholas Hammond. Antes do Aranha, ele foi um dos irmãos Von Trapp de A Noviça Rebelde, mas representou com talento tanto Peter Parker, fotógrafo do Clarim Diário, quanto seu alter-ego. O piloto, um filme para a TV exibido em setembro de 1977, contava a origem do herói, acompanhando o mais perto possível a trama dos gibis. A CBS então decidiu tocar uma série de cinco episódios em 1978, seguidos de mais oito exibidos até o ano seguinte. Nesse ponto, The Amazing Spider-Man na TV já era: apesar da boa audiência, a rede, que já exibia O Incrível Hulk, Mulher-Maravilha, os telefilmes do Capitão América e o piloto falido do Dr. Estranho, não queria ser "a TV dos super-heróis". Apesar dos recursos escassos, e da tecnologia nula para reproduzir os poderes do herói na telinha, a série tinha seu charme – e foi um sucesso ainda maior fora dos Estados Unidos.

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Dois episódios do início da primeira temporada foram editados juntos e lançados como um longa em alguns países, inclusive no Brasil: O Homem-Aranha Volta a Atacar chegou aos cinemas tupiniquins em dezembro de 1979 – e deu origem a um álbum de figurinhas que eu não completei por meia dúzia de cromos! O final da série também foi fundido em um filme, Homem-Aranha e o Desafio do Dragão. A grande frustração com o Homem-Aranha na TV foi a total ausência de vilões tradicionais do herói nos quadrinhos – o que não impediu que um episódio, "A Noite dos Clones", mantivesse a tradicão de colocar o Aranha contra réplicas genéticas. No final dos anos 80, o Homem-Aranha com Nicholas Hammond quase teve uma segunda chance. Quando O Incrível Hulk voltou em forma de telefilmes, dividindo espaço com outros heróis Marvel (como Thor e o Demolidor), os produtores colocaram o Aracnídeo na fila. Mas Bill Bixby, que fazia David Banner, alter-ego do Hulk, morreu de câncer, e a série terminou aí.

Terminou nos Estados Unidos, claro. Do outro lado do mundo, entre 1978 e 1979, o Homem-Aranha foi protagonista de uma série de 41 episódios, parte de um acordo de três anos da Marvel com a gigante Toei para, digamos, intercâmbio de personagens. Além do traje tradicional, o Aranha nipônico não tinha absolutamente nada a ver com o herói dos quadrinhos. Seguindo a tradição das séries japonesas de super-heróis, Takuya Yamashiro é injetado com o sangue de um guerreiro alienígena do planeta Aranha (!) e herda não só seus poderes, mas também uma nave em forma de aranha (claro) que se transforma em um robô gigante (claro!!) batizado Leopardon. É… Leopardon. Apesar da bizarrice geral, o próprio Stan Lee aplaudiu as cenas de ação da série, que colocava o Homem-Aranha lutando com as forças do megavilão, Professor Monstro (claro!!!). O próxima da linha a ganhar tratamento super-nipônico era o Capitão América, mas o acordo não saiu do Aranha.

O cinema, entretanto, continuava inatingível. Em 1985 um acordo da Marvel com o produtor de filmes B Roger Corman chegou ao fim, e a editora transferiu os direitos para a Cannon Films. Cannon, claro, foi o berço de pérolas como Cyborg, Superman IV, Mestres do Universo e incontáveis filmes de ação e artes marciais com Chuck Norris e Michael Dudikoff. Os produtores Menahem Golan e Yoran Globus agarraram a chance de fazer Homem-Aranha, o filme, com as duas mãos… mas eles não faziam ideia do que seria o Homem-Aranha, achavam que era material para um filme de terror com artrópodes gigantes. E foi justamente esse o roteiro que eles encomendaram a Leslie Stevens, mostrando um cientista malvado que bombardeia o fotógrafo Peter Parker com radiação, transformando-o numa aranha gigante. Eventualmente, o Monstrão-Aranha combate o cientista e seu exército de feras mutantes e… Bom, e a essa altura o diretor Tobe Hooper (Poltergeist) já havia se mandado, deixando a bucha com Joseph Zito, que fez para a Cannon Invasão dos Estados Unidos, com Chuck Norris. Zito pediu que o roteiro fosse reescrito do zero, e assim Homem-Aranha começou a ganhar uma cara menos estranha.

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No novo roteiro, Otto Octavius seria o mentor do jovem Peter Parker. Um acidente no laboratório não só confere a Peter os poderes que o transformam no Homem-Aranha, mas também enlouquece Otto, que se transforma no Dr. Octopus e fica obcecado em terminar sua pesquisa com campos eletromagnéticos, o que pode destruir Nova York no processo. Zito estava contente com a nova direção, assim como Golan e Globus, que começaram a vender o filme pelo mundo, com anúncios no Festival de Cannes e a expectativa de fãs do mundo todo. A data estava marcada: em dezembro de 1986, Homem-Aranha ganharia seu primeiro grande filme. Bob Hoskins estava na mira do diretor para interpretar o Dr. Octopus, com um elenco de coadjuvantes que incluia Katharine Hepburn, Peter Cushing e o próprio Stan Lee, no papel de J. Jonah Jameson. Para o Homem-Aranha, Zito queria o dublê Scott Leva, que já havia posado como o Aranha para todo o material promocional do filme, além de aparecer na capa de alguns gibis da Marvel. Mas Mestres do Universo e Superman IV quebraram as pernas da Cannon, o orçamento de Homem-Aranha escorregou para menos de 5 milhões de dólares (!) e o projeto, mesmo passeando pelas mãos do faz-tudo Albert Pyum (que dirigiu um Capitão América horroroso posteriormente), morreu.

Aí os problemas do Aranha no cinema engataram uma segunda. No começo dos anos 90, a Cannon foi comprada pela francesa Pathé, Golan e Globus encerraram a parceria, e o primeiro criou a produtora 21st Century, levando com ele os direitos do herói, que tinham validade até 1992. Na esperança de tirar o filme do chão, Menahem Golan vendeu os direitos do filme para a televisão (que ficou com a Viacom) e para o mercado de home video (naco mordido pela Columbia). Nessa etapa do desenvolvimento, com o diretor Stephen Herek (que tinha na bagagem o bacana Bill & Ted – Uma Aventura Fantástica) apontado para comandar o filme, o roteiro de 1985 vinha sendo reescrito, mas nenhuma das partes que pagaria a conta, em especial a Columbia, parecia satisfeita. Os anos 90 avançavam, e Homem-Aranha terminou na Carolco – mais especificamente com James Cameron, já o Rei do Mundo depois de O Exterminador do Futuro 2. Cameron reescreveu o material, colocando Electro e o Homem de Areia como vilões (embora com personalidades diferentes dos quadrinhos) em uma trama que recontava a origem do Aranha – seu pré-roteiro, com um clímax espetacular no topo do World Trade Center, pode ser lido aqui. Entre as inovações do diretor, os lançadores de teias mecânicos foram substituidos por disparadores orgânicos. A Carolco abraçou os direitos do herói, ampliando a opção de rodar o filme até 1996. Mas nem deu tempo: quatro anos antes, o estúdio quebrou depois de gastar um orçamento faraônico do mega fracasso A Ilha da Garganta Cortada. Mais uma vez, o Aranha foi para o estaleiro.

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E ali ficaria pela década seguinte. Em uma briga legal feia, James Cameron tinha o direito de manter o crédito pelo filme, um contrato que sequer mencionava Menahem Golan. A Carolco, falida, processou a Viacom e a Columbia para recuperar os direitos de televisão e home video – e os dois estúdios processaram de volta. A Fox, que tinha direitos sobre o próximo filme de Cameron, entrou na briga, contestando o quinhão do diretor. Para azedar o caldo, em 1996 a Carolco, a 21st Century e a Marvel entraram em falência. No ano anterior, a MGM comprou o catálogo da 21st Century e ampliou a ação legal contra a Viacom e a Marvel, alegando fraude no contrato inicial da editora com a Cannon. Como a Marvel, sob a supervisão de Avi Arad e da empresa de brinquedos ToyBiz, já saia do atoleiro, a justiça americana determinou que o contrato antigo com a Cannon não tinha mais validade, e o Homem-Aranha voltou para casa. Nesse meio tempo, a própria Marvel havia atropelado todo o processo e licenciou o personagem para a Columbia, então parte da Sony. A MGM, por outro lado, alegou que tinha o direito para o cinema do herói pelo lado da 21st Century, Carolco e Cannon. Ah, advogados…

Todo o processo terminou em 1999, quando John Calley, executivo da MGM, foi para a Columbia. Esperto, Calley anunciou que a Columbia produziria uma nova série de aventuras do espião James Bond, baseado no trabalho do produtor Kevin McClory, um dos criadores de 007 Contra a Chantagem Atômica. Foi um verdadeiro ardil 22: a Columbia/Sony não tinha nenhuma franquia a longo prazo e queria o Aranha; a MGM caminhava há anos nos louros de James Bond, e não podia arriscar que um rival colocasse outro 007 no mundo. Um aperto de mãos depois, a Columbia abriu mão de Bond, a MGM abriu mão do Aranha, e uma década depois o Cabeça de Teia viu sua primeira chance de ganhar um filme de verdade. Todos os roteiros anteriores foram descartados, à exceção de elementos do tratamento de James Cameron, e o estúdio saiu em busca de diretores. Roland Emmerich, Tim Burton, Chris Columbus e David Fincher entraram em cena, com Fincher se mostrando o mais apaixonado, mas também o mais radical. O diretor de Seven e Clube da Luta não queria contar a origem do herói, e sim uma outra saga. "A única história que me interessava era a morte de Gwen Stacy", contou-me Fincher à época de Zodíaco. "Eu ia tirar a origem da frente nos créditos e seguir com a trama. Mas não era o que os produtores queriam, então eu agradeci e me retirei."

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Foi quando Sam Raimi entrou em cena. O Homem-Aranha sempre foi o herói favorito do diretor de Evil Dead, que cresceu em uma dieta de filmes de terror e gibis. E ele abraçou o projeto disposto a jogar no time ds produtores. O roteiro linear de David Koepp trazia a origem do herói, sua paixão por Mary Jane e a ameaça do Duende Verde. Tobey Maguire, Kirsten Dunst e Willem Dafoe logo tomaram os papéis principais, e Homem-Aranha finalmente começou a ser produzido em janeiro de 2001. Dias antes de as câmeras começarem a rodar, eu participei do lançamento oficial do projeto em Los Angeles: o elenco recebeu a imprensa internacional no set em que Peter Parker, com um traje tosco, enfrenta e vence um gigante da luta livre, antes de ser enganado pelo promotor da luta, deixar um ladrão escapar e aprender, a duras penas, que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Estava, claro, tudo nas costas de Raimi, que garantiu que o herói que chegaria aos cinemas pouco mais de um ano depois seria exatamente o mesmo pelo qual fãs do mundo todo se apaixonaram nas páginas dos quadrinhos. Quando Homem-Aranha estreou, em 3 de maio de 2002, foi um fenômeno: arrecadou inéditos 100 milhões de dólares em sua estreia, deixou o outro grande filme do ano, Star Wars: Ataque dos Clones, em segundo plano, e começou a supremacia dos super-heróis nos cinemas mundiais. Dois anos depois Raimi dirigiu a segunda aventura do Aranha, agora com liberdade total para tocar o projeto como queria, e criou um dos melhores filmes do gênero de todos os tempos – a luta do herói com o Dr. Octopus no topo de um trem em movimento em Nova York é de encher os olhos e empolgar os sentidos. Em 2007, porém, Homem-Aranha 3 sofreu de fadiga de franquia, pecou pelo excesso de personagens e de concessões e, mesmo sendo a maior renda da trilogia, mostrou que era hora de reinventar a roda.

A produção de Homem-Aranha 4, com Raimi, Maguire e Dunst, caminhava devagar. Os vilões seriam o Abutre e o Lagarto… Mas Sam não tinha mais o mesmo entusiasmo. O roteiro era um beco sem saído criativo, transformando o filme em um episódio de "o vilão da vez". Envolvido com a série há quase uma década, Raimi parecia disposto a perseguir outras rotas artísticas, e acordou com os produtores que ele não seria o homem certo para o trabalho. Quando eu encontrei Tobey Maguire numa manhã chuvosa em Nova York, no lobby de um hotel, conversamos sobre um quarto Aranha, e ele pareceu interessado em encarar o trabalho por lealdade a Raimi. Mas o barco havia zarpado. Sam Raimi saiu da vida do herói de sua infância, deixando o produtor Avi Arad com o trampo de dar nova direção à série – a mais lucrativa da Sony. O diretor independente Marc Webb foi escalado para o reboot do personagem no cinema, e em 2012 O Espetacular Homem-Aranha, agora com Andrew Garfield como Peter Parker, recomeçou sua história no cinema do zero. Algumas decisões, como deixar o clima mais "realista", não foram bem recebidas pelo público, que ainda assim depositou quase 800 milhões de dólares na caixinha do estúdio. O novo filme, que está para chegar aos cinemas, abraça um Homem-Aranha mais fantástico, colorido e menos preocupado por realismo. É um filme melhor, um gibi de centenas de milhões de dólares. Que, mais uma vez, vai mostrar que não há herói melhor que o amigão da vizinhança.

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Leia a primeira parte da trajetória do Homem-Aranha fora dos gibis aqui, quando ele virou desenho animado. E ainda esta semana tem mais Aranha por aqui!

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.