Wagner Moura busca seu lugar no mundo no belo e melancólico Praia do Futuro
Wagner Moura parece cansado. Chegando ao fim da maratona de divulgação de Praia do Futuro, ele solta um longo suspiro. Fato: é sempre bom falar sobre cinema com Wagner, já que é sempre bom falar com quem não esconde sua paixão. Não só pela mídia em si, mas o entusiasmo por uma boa historia. Uma historia que por um breve período o fez sair do pais, substituido pela Alemanha. "Estamos num lugar muito desconfortável hoje no Brasil", diz o ator, que não escancara suas convicções e sua moral, mas também não as esconde. Mas a gente volta já a isso.
Praia do Futuro é uma colaboração com o diretor Karim Aïnouz, a quem Wagner "perseguia" há tempos. É um filme de personagens complexos, demasiadamente humanos, que lutam para encontrar seu lugar no mundo. Nem sempre é onde achamos que seja. "É meu filme de super-heróis", diz Karim, 48 anos, nascido em Fortaleza, diretor de Madame Satã e O Céu de Sueli. "Não da maneira tradicional, mas um herói falho, sua busca por redenção é pessoal." Uma co-produção do Brasil com a Alemanha, Praia do Futuro passeia pelo calor de Fortaleza e abraça a aridez gelada de Berlim, um reflexo do estado de espírito de personagens enlaçados ante uma tragédia, que tentam achar alguma solidez e sentido em suas vidas. É um filme belíssimo, uma história de amor e descoberta, de ruptura e busca pela identidade. Não dá soluções fáceis, não teme a melancolia e abraça o desconforto.
Desconforto define Donato (Moura), salva-vidas na praia do futuro, popular ponto da capital cearense, que esconde em suas aguas límpidas, emolduradas por areia dourada, uma geografia que agita o mar e faz de afogamentos algo corriqueiro. "É um pouco como a vida de Donato", aponta o diretor. "Uma paz superficial que esconde uma natureza turbulenta." Logo na primeira cena, Donato mergulha para salvar dois turistas alemães. Um morre no mar. O outro, Konrad (Clemens Schick, de presença intensa), fica para seguir com a vida sem o amigo – e para desestruturar o mundo de Donato. Os dois tem uma relação – sexual e sentimental – breve e intensa, mas capaz de apontar um novo rumo para o bombeiro.
"Fico triste quando reduzem Praia a um filme gay", lamenta, com razão, Wagner. "Tem tanta coisa acontecendo, é uma construção de personagens linda. É um filme masculino que não se furta em mostrar uma certa doçura." Donato pode ser homossexual, mas deve ser o personagem mais casca-grossa que o ator já fez desde o Capitão Nascimento. Tentar esse reducionismo é desonesto, já que Praia do Futuro não pretende levantar bandeiras, mas sim fazer o básico: contar uma boa história. E isso Karim faz com esmero. "A gente tem no Brasil, ou eu ao menos tinha, uma coisa em querer ser diferente do cinema mais comercial", explica. "O que era visto como americano a gente fugia. Mas isso ficou para trás." Uma evidência é a clara divisão do filme em tres atos bem pontuados – ou, como Karim coloca, capítulos de uma vida. O primeiro, "o Abraço do Afogado", traz a tragédia que marca Donato e sua mudanca de rumo, influenciada por Konrad. É uma mudança violenta, já que vai de encontro com a vida que esperam dele: arrimo de familia, cabra macho, apaixonado pelo mar e por seu trabalho – "Como vou viver num lugar que não tem praia?", levanta a certo momento. Seu irmão mais novo, Ayrton, o idolatra: quando Donato diz a Ayrton que o mar é incontrolável e um dia pode tomá-lo, a resposta do pequeno é imediata: "Você é o Aquaman, como é que Aquaman, que é do mar, vai se perder no mar?"
O segundo capítulo, "Um Herói Partido ao Meio", é o que arma o conflito. De férias na Alemanha, Donato toma a decisão de abandonar sua vida antiga e abraçar o desconhecido, um lugar onde ele finalmente pode ser quem ele de fato é. "Me mudei para Berlim e foi fantástico", conta Wagner, que passou meses filmando na cidade alemã. "O Clemens ajudou bastante a mim e a minha familia." E a língua, Wagner? "Ah, bicho, eu só sei as frases que eu aprendi pro filme e olhe lá!" Schick, talhado no teatro e que trabalhou em 007 Cassino Royale, experimentou o mesmo baque ao filmar no Brasil. "Eu aprendi as palavras, o que elas significavam, mas português não é meu forte", conta, em inglês. Sobre a direção de Aïnouz, ele é categórico: "Karim é intenso, exigente… alguns atores podem não se sentir confortáveis, mas eu achei perfeito".
O terceiro vértice de Praia do Futuro surge em seu clímax, o capítulo mais impactante: "Um Fantasma Que Fala Alemão". É Ayrton, agora adulto (interpretado pelo excepcional Jesuíta Barbosa), que vai para a Alemanha uma década depois em busca do irmão ausente. O primeiro encontro dos dois, em que diálogos são trocados pelos punhos, é brutal e antológico. Karim, por sinal, trabalha com o silencio de uma forma pouco comum a filmes brasileiros, geralmente verborrágicos. "Muitos diálogos eu fui cortando, deixando as ações falar com o publico", aponta. Quando eu menciono as críticas recebidas por Gravidade, vencedor do Oscar deste ano e que traz um mínimo de texto, ele se empolga: "É um filme excepcional, forte, impactante. A história é simples, mas o roteiro, a execução, é linda. É o silêncio falando".
A maturidade do diretor em Praia do Futuro é um salto quântico. Em uma cena, Karim deixa que a câmera mostre o desconforto de Donato com sua vida em Fortaleza. É uma tomada que começa em closes dos bombeiros treinando na praia, e começa a se afastar, por trás, quando a turma mergulha à exceção de Donato, perdido na praia, mirando o mar infinito, procurando um lugar que não é aquele: uma composição de cena brilhante que encapsula o isolamento do personagem mais do que páginas de texto. O trabalho de fotografia, à cargo de Ali Olay Gözkaya, também é integrado à narrativa, já que o calor no Brasil e o frio na Alemanha, sensação ampliada pela escolha de cores e colocação da câmera, colocam a plateia na mesma sintonia dos personagens. Praia do Futuro não se comporta como um "filme brasileiro" típico da nova geração: aproxima-se da sensibilidade europeia, mas não foge dos arquétipos do cinemão ianque. "Eu adoro o Batman, aquele com o Coringa, o Heath Ledger", enfatiza Karim. "É um filme super comercial, é de super-heróis, mas transmite tanta beleza, tanta solidão, tanta loucura… É feito com a sensibilidade de um artista, mesmo dentro do esquema de mercado do cinema americano." Ele gostaria de fazer um filme assim? "Se me deixarem, eu faço!"
Quem volta a experimentar os prós e os contras de uma produção ianque é o próprio Wagner Moura. Depois de Elysium, que ele filmou no Canadá com Matt Damon e Alice Braga, ele agora vai rodar Narcos para a Netflix, uma extensa biografia do traficante Pablo Escobar, sob o comando de José Padilha. "Eu e o Zé temos uma relação profissional e pessoal incrível, até por conta dos dois Tropa de Elite", diz, empolgado. "E isso vai me dar a oportunidade de ficar fora do brasil por uns dois anos. É triste, mas o país está em um lugar muito estranho, conservador, cheio de preconceito. Sem um plano. Muitos amigos que tem a chance estão indo embora do país." Ainda assim, Wagner é um idealista e vai levar a história de outro idealista para o cinema: ele mesmo vai dirigir, em 2016, a biografia do político, guerrilheiro e poeta baiano Carlos Marighella. "Ele entendeu o Brasil, sacrificou-se por ele, é um filme que eu quero fazer para a minha geração", decreta. Dois anos, Wagner, pra gente tentar virar o jogo e devolver a esperança a nós mesmos. Mesmo que o caminho, como aponta Praia do Futuro, possa estar bem longe de casa.
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