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O caminho para o Futuro Esquecido, parte 1: os X-Men chegam ao cinema!

Roberto Sadovski

21/05/2014 01h23

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Com a chegada de X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido nos cinemas, os mutantes da Marvel chegam a sete filmes. É uma longa estrada que teve altos, baixos e recomeços. Nada mais adequado, então, que puxar pela memória cada etapa dessa estrada, que tive a sorte de acompanhar bem de perto. Nessa primeira parte, os dois filmes que deram o pontapé inicial no "universo cinematográfico mutante". Que, pelo andar da carruagem, está bem longe de terminar.

X-MEN

(2000, Bryan Singer)

Wolverine mostra as garras pela primeira vez!

Wolverine mostra as garras pela primeira vez!

Na virada do século, "filmes de super-heróis" era veneno para os grandes estúdios. Apesar de um ou outro respiro, levar um personagem dos gibis para o cinema era arriscado e nem sempre um negócio rentável. Batman & Robin, de 1997, praticamente afundou a boa vontade com os heróis dos gibis, e parecia que o cinema ia ganhar, vez por outra, a versão de algo obscuro como Blade – O Caçador de Vampiros (de 1998). A Marvel, por sinal, saia de uma falência violenta e se reestruturava, lentamente encarando seus heróis como "produtos" que podiam ter vida fora dos gibis. Os X-Men eram candidatos até óbvios: protagonistas de uma série animada de sucesso nos anos 90, e sem os nós legais que amarravam a producão de um Homem-Aranha da vida, os mutantes surgiam como alternativa viável para ganhar um filme. Mas não sem ressalvas.

A TV já havia tentado aproveitar os heróis mutantes no telefilme Generation X, e reproduzir os poderes de qualquer personagem fora do papel era tarefa que exigia a) grana e b) talento. O buraco, porém, era ainda mais embaixo. Como animação, as roupas coloridas faziam sentido. Com as aventuras diluidas para a criançada sentada à frente da TV no sábado pela manhã, o subtexto dos X-Men, o que os fazia únicos, ficava em segundo plano. Acertar a fórmula não era fácil, e James Cameron já estava de olho nos mutantes quando, em 1994, a Fox comprou os direitos para tocar a série no cinema. Andrew Kevin Walker, John Logan, Joss Whedon e Michael Chabon criaram versões do roteiro antes de Cameron cansar de esperar. Em 1996, o estúdio colocou os X-Men nas mãos de Bryan Singer, que havia surpreendido o mundo com seu filme de estreia no ano anterior, Os Suspeitos. Mas não seria uma relação fácil.

Wolverine (Hugh Jackman), Ciclope (James Marsden), Tempestade (Halle Berry e Jean Grey (Famke Janssen), com o professor Xavier (Patrick Stewart) à frente

Wolverine (Hugh Jackman), Ciclope (James Marsden), Tempestade (Halle Berry e Jean Grey (Famke Janssen), com o professor Xavier (Patrick Stewart) à frente

Singer não tinha o menor interesse em fazer um filme de super-heróis tradicional, e essa era a pegada dos roteiros desenvolvidos para X-Men. Um deles trazia Magnero e a Irmandade de Mutantes (Dentes de Sabre, Groxo, Fanático e Blob) tentando transformar Nova York em uma "nação mutante"; outro se concentrava na rivalidade de Wolverine e Ciclope; um terceiro mostrava a equipe sendo reunida pelo professor Xavier, mas com os vilões aparecendo apenas num segundo filme. Singer queria fazer uma ficção científica e, apesar da base, não encontrou solidez nos X-Men. Foi seu parceiro, o produtor Tom DeSanto, quem lhe mostrou os paralelos entre a luta pelos direitos mutantes e as desavenças entre Xavier e Magneto com o embate de ideias entre Martin Luther King e Malcolm X sobre os direitos civis nos Estados Unidos. A linha do novo roteiro, iniciado por Christopher McQuarrie e, depois, David Hayter, com base na ideia de Singer e DeSanto, fez de X-Men uma ficção científica com tons políticos e sociais. Para chegar ao orçamento que a Fox estava disposta a investir, o Fera, Noturno, Pyro e a Sala de Perigo foram limados do roteiro.

As filmagens começaram sem Wolverine. Dougray Scott, ator escolhido por Singer depois da recusa de Russell Crowe, machucou o ombro ao fim das filmagens de Missão Impossível II e saiu fora. Hugh Jackman, que havia testado diversas vezes por nove meses, ficou com o papel com a produção caminhando há três semanas. E foi o maior achado de Singer: Jackman devorou o personagem e se tornou um grande astro. Eu cheguei ao set de X-Men, no inverno absurdo de Toronto, quando a produção já estava no fim, em fevereiro de 2000. A cena sendo gravada era Logan (Jackman) sendo atacado por dois valentões depois de vencer uma luta no ringue. Ele revela suas garras e Vampira (Anna Paquin) se torna sua parceira. Quando o ator entrou no set, meu queixo foi ao chão: era o Wolverine ali, em carne, osso e garras. Passei o dia inteiro acompanhando o trabalho de Singer com os atores, um dia inteiro para filmar um pequeno recorte no filme. Mas, para um fã de quadrinhos, e depois de visitar todos os outros cenários com o produtor Tom DeSanto, eu estava empolgado em finalmente ver um gibi da Marvel ganhar tratamento de primeira.

Xavier e Magneto decidem o futuro no xadrez...

Xavier e Magneto decidem o futuro no xadrez…

o resultado só fui ver mesmo meses depois, em julho, quando o filme foi exibido pela primeira vez em Nova York. O elenco inteiro estava reunido com Bryan Singer em um hotel bacanão no Central Park, e antes de assistir ao filme fui à famosa loja de brinquedos FAO Schwartz me abastecer com todas as tralhas lançadas por causa do filme (uma moto do Wolverine e outros bonecos ainda estão comigo, nunca sairam da caixa). A sessão estava lotada de fãs, jornalistas e do elenco (eu sentei ao lado da Hale Berry). Pouco menos de duas horas depois, os X-Men haviam criado vida em um filme sério, que sofreu com a pressão imposta pelo estúdio para alcançar a data de lançamento com o orçamento enxuto, mas que trazia o espírito com que Stan Lee e Jack Kyrby criaram os heróis mutantes, aperfeiçoados depois por Chris Claremont e John Byrne. A última cena, épica, trazia Xavier (Patrick Stewart) e Magneto (Ian McKellen) – este atrás das grades de plástico de uma prisão especial – jogando xadrez  falando sobre o futuro da humanidade. O deles, dos X-Men, estava garantido.

No dia seguinte, ao terminar a maratina de entrevistas, Hugh Jackman me chama e, empolgado, pergunta se eu recebi o presente que ele me enviou: um boneco do Wolverine que ele comprou em Toronto, autografou e enviou ao Brasil. Recebi, e ele ainda está aqui, assinado e nunca tocado por mãos humanas…

X2

(Bryan Singer, 2003)

O elenco, todo pimpão!

O elenco, todo pimpão!

Depois que X-Men faturou quase 300 milhões de dólares nas bilheterias mundiais (com um orçamento de 75 milhões), a continuação era não só inevitável: era necessária. Afinal, o filme de Bryan Singer viabilizou os super-heróis dos quadrinhos como um gênero viável, abrindo espaço para, por exemplo, Homem-Aranha finalmente sair da gaveta, tornando-se um fenômeno em 2002. No ano seguinte, X2 dividiu as atenções com Demolidor (que saiu antes, em fevereiro) e Hulk (esse estreou depois, e ainda é o grande ponto de interrogacão entre os fãs de HQs). Mas nada chegou perto da perfeição obtida pela segunda aventura dos mutantes. X2 é um filme mais completo, mais sexy, mais acelerado, mais satisfatório. E com Singer em total controle da cria.

O roteiro ficou a cargo de Michael Dougherty e Dan Harris, que usaram a graphic novel God Loves, Man Kills (que no Brasil foi publicada nos anos 80 como O Conflito de Uma Raça) como base para uma trama que mergulha mais fundo na questão dos mutantes como minoria perseguida pela humanidade. Mas agora a guerra vai em sua porta, quando o major William Stryker (Brian Cox) convence o presidente americano a autorizar uma incursão à Escola para Jovens Superdotados depois de um ataque mutante à Casa Branca. Tudo, claro, arquitetado pelo próprio Stryker, que quer acesso ao equipamento localizador de mutantes e ao próprio Xavier, capturado e transformado em arma contra os mutantes. O filme ainda vai mais fundo nas origens de Wolverine, sua relação com Stryker e uma aliança dos X-Men com a Irmandade comandada por Magneto.

Magneto (Ian McKellen) e Mística (Rebecca Romjin) unidos a Wolverine (Hugh Jackman) e Tempestade (Halle Berry). Que fofo...

Magneto (Ian McKellen) e Mística (Rebecca Romjin) unidos a Wolverine (Hugh Jackman) e Tempestade (Halle Berry). Que fofo…

As filmagens desta vez aconteceram em Vancouver, e lá fui eu enfrentar o frio canadense para acompanhar a aventura de perto. Hugh Jackman, como sempre, abraçava seu novo papel como astro de Hollywood sem perder um milímetro da camaradagem e do bom humor. Dessa vez, porém, eu não era um entre três jornalistas estrangeiros no set: uma excursão de colegas de trabalho agora queriam ver de perto o que era esse fenômeno que se avizinhava, o que era o "novo filme de super-herói". Para os neófitos, uma visita a filmagens de algo como X2 não é nem de longe tão empolgante quanto para um fã de quadrinhos. Tom DeSanto mostrou as centenas de storyboards das cenas principais do filme e todos os cenários. Depois fomos acompanhar Singer em ação: a ação se daria com todos os X-Men, já uniformizados, aliados a Magneto e Mística (Rebecca Romijn), infiltrados na base de Stryker, que também é o lugar de nascimento do Wolverine. Ainda assim, vários elementos ficaram, mais uma vez, de fora: o Fera, o Anjo, a volta do Dentes de Sabre, a Sala de Perigo e os Sentinelas não deram as caras.

Não foi problema. X2 estreou com força e bateu em 400 milhões de dólares nas bilheterias, deixando Bryan Singer com a liberdade de escolher o projeto que quisesse (o que seria seu calcanhar de Aquiles), Hugh Jackman consolidado como um dos grandes astros de Hollywood e os X-Men como a maior força da Marvel nos cinemas. Isso, claro, antes de a própria Marvel tomar posse de seu próprio universo. Ainda assim, a aventura é, ao lado de Homem-Aranha 2, Homem de FerroOs Vingadores e Capitão América: O Soldado Invernal, o melhor que o cinema apresentou com os super-heróis da editora. Claro que, logo em seguida, um passo em falso quase colocou tudo a perder…

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.