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O caminho para o Futuro Esquecido, parte 2: a queda dos mutantes

Roberto Sadovski

22/05/2014 17h41

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Bryan Singer deu início ao filme de super-herói moderno com X-Men, e aperfeiçoou a fórmula em X2. Mas as estruturas dos mutantes no cinema estavam prestes a ser chacoalhadas – e quase cederam ao peso das exigências dos homens do dinheiro. A estrada para X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido continua…

 

X-MEN: O CONFRONTO FINAL

(Brett Ratner, 2006)

Os X-Men: Tempestade (Halle Berry), Colossus (Daniel Cudmore), Vampira (Anna Paquin), Wolverine (Hugh Jackman), Homem de Gelo (Shawn Ashmore) e Kitty Pryde (Ellen Page)

Os X-Men: Tempestade (Halle Berry), Colossus (Daniel Cudmore), Vampira (Anna Paquin), Wolverine (Hugh Jackman), Homem de Gelo (Shawn Ashmore) e Kitty Pryde (Ellen Page)

"Não tenho nadinha sobre o novo X-Men!" O ano era 2006 e meu desespero era ao telefone com David Gorder, um dos produtores da série. "É a próxima capa e eu não sei nem por onde começar." Eu era diretor de redação da finada revista SET, não cheguei perto do set do terceiro filme dos mutantes, tinha um punhado de entrevistas… mas queria mais. "Vem pra Los Angeles, a gente dá um jeito", foi a resposta de Gorder. E eu fui.

Mas essa história precisa de um rewind. Bryan Singer estava pronto para dirigir o terceiro X-Men, e tinha ideias ainda vagas envolvendo o grupo de mutantes malignos conhecido por Clube do Inferno, Sentinelas e a saga da Fênix Negra, já que ele havia soltado uma pista ao fim de X2. Mas surgiu a oportunidade de Singer dirigir Superman – O Retorno para outro estúdio, e o diretor nem precisou pensar muito: Superman, o filme que Richard Donner fez em 1979, foi o modelo para Singer desenhar a primeira aventura dos mutantes e, ao lado de Tubarão, é seu filme favorito. Sem seu capitão, o estúdio decidiu não esperar por Singer e começou uma busca para ver quem comandaria o terceiro X-Men. Hugh Jackman, que por contrato podia aprovar o novo diretor, apontou Darren Aronofsky, com quem havia rodado Fonte da Vida. Joss Whedon estava trabalhando num roteiro de Mulher-Maravilha e disse não. Rob Bowman (Reino de Fogo) e Alex Proyas (Eu, Robô) também declinaram. Em 2005, a Fox anunciou que o filme chegaria aos cinemas abrindo a temporada do verão americano do ano seguinte – com certeza para bater de frente com o Superman de Bryan Singer. Finalmente, Matthew Vaughn aceitou o trabalho.

Magneto (Ian McKellen) à frente de sua Irmandade, com a Fênix (Famke Janssen) do lado do mal.

Magneto (Ian McKellen) à frente de sua Irmandade, com a Fênix (Famke Janssen) do lado do mal.

E logo depois saiu fora. Com o tempo reduzidíssimo de produção, e um roteiro que ainda não estava completo, Vaughn achou que seria impossível criar um filme que equilibrasse ação e emoção de maneira satisfatória e passou a batata quente para frente. A verdade é que os roteiristas Simon Kinberg e Zak Penn, equilibrando elementos da saga da Fênix Negra e também de "Gifted", arco escrito nos quadrinhos dos X-Men por Joss Whedon, que tratava de uma cura mutante, travavam uma batalha com os executivos do estúdio. O que os engravatados queriam era um produto menos ousado, politicamente relevante na superfície, nada sombrio e com ênfase em seus astros: Hugh Jackman e Halle Berry. A decisão de matar Ciclope foi feita em reuniões executivas, já que o ator James Marsden seguira Bryan Singer em Superman – O Retorno. Com tanta pressão, interferência e pouco tempo, o estúdio precisava de alguém capaz de entregar um produto redondo e que não batesse de frente com os planos da Fox.

"Fechamos com um diretor que acabou de adiar as filmagens de sua própria franquia", entregou Avi Arad, antes de revelar que o novo comandante dos X-Men seria Brett Ratner, que acabara de dar um pause no terceiro A Hora do Rush. Ratner é um sujeito que joga em equipe. Ele atendeu aos pedidos do estúdio, alterou o mínimo possível do tom e do visual do filme, para manter a coerência com as duas primeiras aventuras, tocou a produção dentro do orçamento e à tempo de alcançar a data de estreia, e reposicionou elementos do roteiro para que o clímax fosse na prisão de Alcatraz, em São Francisco, que ele acreditava ter mais impacto visual. Verdade seja dita, X-Men: O Confronto Final é uma aventura de ficção científica digna, com bom equilíbrio em ação e drama – mas que virou alvo de ódio dos fãs de gibis. Em sua mente, a rapaziada queria a "Saga da Fênix Negra" exatamente como nos quadrinhos, com ação cósmica, seres extraterrestres e uma batalha final na Lua. Fã é uma turma esquisita…

Wolverine e Jean Grey vão direto ao assunto...

Wolverine e Jean Grey vão direto ao assunto…

Antes de o filme ser lançado, porém, eu me vi em Los Angeles, mais especificamente na Fox, batendo papo com Hugh Jackman e Brett Ratner durante as sessões de dublagem do filme. Explico: muitas vezes o som captado no set não fica 100 por cento claro, e os atores regravam a voz em estúdio. É também o momento em que certas linhas de diálogo são alteradas para exibição em TV aberta ou em avião. Nesse processo, eu assisti ao filme completo meia dúzia de vezes, antes de qualquer executivo da Fox ver uma cópia final. Foi um trabalho de espionagem, já que, quando o então presidente do estúdio, Tom Rothman, foi almoçar conosco, eu fui apresentado como "amigo de Brett visitando Los Angeles" – provavelmente seria enxotado do estúdio se me revelasse jornalista…

O mundo é estranho. X-Men: O Confronto Final terminou sendo a maior bilheteria da série (com 460 milhões de dólares em caixa, ainda não foi superada), mas também surgiu como um beco sem saída criativo. A vontade de jogar tudo e mais a pia da cozinha no roteiro mostrou que, com interferência pesada de executivos, nenhum filme consegue respirar. Em retrospecto, O Confronto Final acertou mais do que errou, mas colocou uma pedra na série, deixando a Fox com a missão de repensar os caminhos dos mutantes no cinema e manter a franquia sob suas asas. A solução foi bolar uma série de filmes-solo com os personagens mais populares dos filmes – leia-se, com aqueles de maior potencial de astros e bilheteria. X-Men Origens surgiu aí, com planos para Tempestade e Magneto ganhar uma aventura. Mas o candidato mais óbvio para começar a empreitada foi, claro, Wolverine.

X-MEN ORIGENS: WOLVERINE

(Gavin Hood, 2009)

 

Eu sou Wolverine... rrrooar.... arrrgghhh, wriiiaauurrrrr.... é meu filme... rroooaaarr!!!!

Eu sou Wolverine… rrrooar…. arrrgghhh… wriiiaauurrrrr…. é meu filme… rroooaaarr!!!!

Uma bagunça. Não há outra forma de descrever o que é o primeiro filme solo do mutante mais famoso dos X-Men. E os fãs puderam ver o resultado muito antes de o filme chegar aos cinemas. Uma cópia de trabalho vazou na internet um mês antes do lançamento, deixando o estúdio em pânico e os fãs, decepcionados. O roteirista David Benioff, que é fã de quadrinhos, buscou inspiração na série Arma X, de Barry Windsor Smith, que mostra como Logan ganhou seu esqueleto de adamantium, e no tom impresso por Chris Claremont e Frank Miller na primeira minissérie do herói, publicada em 1982. Outra HQ, Origem, inspirou a cena de abertura. Benioff viu Wolverine como um filme diferente dos outros X-Men – um estudo de personagem, um filme de ação sem amarras, em que o mutante com garras de metal pudesse dar vazão à sua fúria animal. Não era exatamente o que o estúdio tinha em mente…

Bryan Singer e Brett Ratner flertaram com a ideia de assumir as rédeas da produção, assim como Len Wiseman e Alexandre Aja. Mas o estúdio bateu o martelo com o sul africano Gavin Hood, que havia feito o premiado Tsotsi, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2006. Em 2008, as filmagens começaram na Nova Zelândia e na Austrália – e foram o caos. O roteiro não ainda estava sendo trabalhado enquanto as câmeras já estavam rodando. Hood e a Fox queriam obviamente filmes diferente, e nenhuma visão chegava perto do que é o personagem Wolverine. O tempo curtíssimo para finalizar a produção teve um custo, e os efeitos especiais em cena parecem incompletos e mal desenhados. Sem falar que, apesar de ser um filme do Wolverine, o desfile de mutantes faz parecer mais um capítulo dos X-Men, com o total desperdício de personagens que os fãs idolatram, como Gambit (Taylor Kitsch) e, principalmente, Deadpool (Ryan Reynolds), que surge completamente descaracterizado.

Eu sou Wolverine... rrroaarrrr... é meu filme, sai daqui!!! Aaaaarrgghh, rrrooarrr!!!!!

Eu sou Wolverine… rrroaarrrr… é meu filme, sai daqui!!! Aaaaarrgghh, rrrooarrr!!!!!

Com uma trama mal amarrada e a direção atirando em todas as direções, cabe a Hugh Jackman manter a coisa toda firme. A verdade é que seu contrato para interpretar Wolverine terminou em O Confronto Final. Mas o ator é genuinamente fascinado pelo mutante canadense, e queria um filme que lhe fizesse justiça, colocando-o no centro da trama e dando espaço para desenvolver sua personalidade. Infelizmente, X-Men Origens: Wolverine não foi este filme. Nas bilheterias a aventura estacionou em 373 milhões de dólares, abaixo dos dois filmes anteriores e longe do "ponto de corte" imaginado pelo estúdio. Foi o fim da série X-Men Origens e o momento para repensar a franquia de ponta a ponta. O que, anos depois, mostrou ser o melhor caminho.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.