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O caminho para o Futuro Esquecido, parte 3: os heróis se reinventam

Roberto Sadovski

23/05/2014 08h39

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Os dois últimos filmes que a Fox lançou no mundo dos X-Men, embora bem sucedidos financeiramente, entraram no mesmo abismo de Homem-Aranha 3 e Transformers: O Lado Oculto da Lua – o da fadiga criativa. Como no mundo dos mutantes, os quatro filmes lançados até então estavam nos ombros do Wolverine, o caso ficava pior. Como sair da armadilha e manter a série não só viva, como também relevante, acelerada e surpreendente? Com os dois filmes que antecedem imediatamente X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido, os produtores reencontraram o fator X.

X-MEN: PRIMEIRA CLASSE

(Matthew Vaughn, 2011)

Aquela moça loira lá atrás, sabe, vai colocar o resto no bolso...

Aquela moça loira lá atrás, sabe, vai colocar o resto no bolso…

X-Men: Primeira Classe, o gibi, recontava com um ar modernoso as aventuras da equipe original dos X-Men – Ciclope, Garota Marvel, Homem de Gelo, o Fera e Anjo. "Só pegamos o nome por ser bacana", disparou, de cara, a produtora Lauren Shuller-Donner. A trama da nova aventura dos X-Men era, para dizer o mínimo, arriscada. Mostrar os primórdios da amizade de Erik Lensherr e Charles Xavier, ambos com feridas recentes, cada um com uma visão de mundo totalmente oposta, antes de eles se tornarem Magneto e Professor X. Antes da Escola Para Jovens Superdotados, antes de mansão, jato, cérebro… Antes de tudo dar errado em seu mundo.

E antes também de o mundo descobrir que existem mutantes entre nós. Primeira Classe também foi um filme de retornos. Primeiro Bryan Singer, longe do universo dos mutantes desde que trocou o trabalho em X-Men: O Confronto Final por Superman – O Retorno. Mas outros compromissos o impediram de dirigir o filme, tarefa que, ironicamente, repousou nas mãos de Matthew Vaughn. O mesmo Vaughn que começara a trabalhar em O Confronto Final e saltou do barco, alegando pouco tempo para completar o filme (que terminou dirigido por Brett Ratner). E pensar que tudo começou com a tentativa fracassada de criar um X-Men Origens: Magneto.

Xavier (James McAvoy), Magneto (Michael Fassbender) e um showzinho bem família...

Xavier (James McAvoy), Magneto (Michael Fassbender) e um showzinho bem família…

Sabendo que o estúdio procurava ideias para criar spin offs do mundo mutante, o roteirista Sheldon Turner resumiu sua proposta em uma frase: "O Pianista misturado com X-Men". Os engravatados toparam, e ele teceu um épico que se estendia de 1939 a 1955, com o jovem Erik Lensherr conhecendo um soldado chamado Charles Xavier ao ser libertado de Auschwitz e passa os anos seguintes caçando seus algozes nazistas – uma busca por vingança que causa a rachadura na amizade com Xavier. Mas a greve de roteiristas que engasgou Hollywood entre 2007 e 2008 e o projeto caiu entre as rachaduras no pavimento.

O produtor Simon Kinberg insistiu, então, no conceito de Primeira Classe, mas era consenso que o filme não traria versões mais jovens dos heróis dos filmes anteriores, e sim mutantes que ainda não haviam aparecido no cinema – à exceção de Magneto e Xavier. Bryan Singer, envolvido no processo de criação desde o começo, imaginou os amigos-depois-inimigos com 20-e-poucos anos de idade, o que posicionaria a trama durante a Crise dos Mísseis de Cuba. Meia dúzia de roteiristas trabalharam na ideia de Singer, com Sheldon Turner ganhando crédito de história no final ("Não usei uma palavra dele", reclama Singer). A parceira de Vaughn em Kick Ass, Jane Goldman, deu o polimento final nos diálogos e na narrativa. O diretor resumiu o trabalho no filme: "Eu pude realizar todos os meus sonhos em um filme de fantasia, já que estou fazendo um X-Men, um filme de James Bond e um thriller ao estilo John Frankenheimer ao mesmo tempo".

Agora só falta a coreografia para os X-Men montarem uma boy band...

Agora só falta a coreografia para os X-Men montarem uma boy band…

E Matthew Vaughn não estava exagerando. X-Men: Primeira Classe foi um sucesso e uma surpresa. A interação de Xavier (James McAvoy) e Magneto (Michael Fassbender) acertou em cheio no tom, e a queda de Erik Lensherr para o "lado negro" teve ressonância emocional dobrada. O vilão escolhido para o filme – Sebastian Shaw, líder do famigerado Clube do Inferno, interpretado por Kevin Bacon – entregou o desafio necessário para unir e depois separar os protagonistas. Envolver Shaw na adolescência de Magneto no campo de concentração durante a Segunda Guerra foi jogada de gênio. No fim, cada mutante teve um bom espaço, em especial o Fera (Nicholas Hoult), e os poderes dos novatos deram um novo fôlego ao filme visualmente, como Banshee (Caleb Landry Jones) e Darvin (Edi Gathegi). Os fãs reclamaram de Emma Frost (January Jones, que depois encontrou sucesso na TV na série Mad Men), mas nem em 1 milhão de anos a Fox poderia prever o quanto eles ganhariam na loteria com a atriz escolhida para interpretar Raven, a transmorfa rebatizada Mística: depois de Primeira Classe, Jennifer Lawrence ganhou um Oscar (por O Lado Bom da Vida) e se tornou uma campeã de bilheteria com Jogos Vorazes.

Claro que não podia faltar um certo mutante canadense com poder de regeneração e garras em cada mão. "Bryan me ligou e era só uma tarde de trabalho", lembra Hugh Jackman, que surge em uma ponta como Wolverine. "Eu gostei de ser o primeiro a falar um palavrão em qualquer um dos X-Men. E meu cachê foi para uma instituição de caridade. Todos sairam ganhando."

WOLVERINE IMORTAL

(James Mangold, 2013)

 

Wolverine chuta 32 tipos diferentes de traseiros ninja

Wolverine chuta 32 tipos diferentes de traseiros ninja

Gavin Hood, diretor de X-Men Origens: Wolverine, chegou a dizer que o filme seguinte do mutante canadense seria no Japão. "Acho que podemos explorar um choque cultural enorme", disse-me Hood, ao telefone, pouco antes de soltar seu Origens no mundo em 2009. "A fúria de Wolverine com a atmosfera zen do país." É, o cineasta sul africano ficou só na vontade. Mas a ideia de levar Logan ao Japão ficou no ar. A verdade é que nem era algo novo. Na primeira minissérie do personagem nos quadrinhos, lá atrás, em 1982, Chris Claremont e Frank Miller fizeram exatamente isso: uma aventura nipônica em que Logan enfrenta sua própria natureza selvagem ao ser apresentado a um mundo de costumes e tradições. Em vez de se comportar como um peixe fora d'água, ele se sentiu em casa. Claro, isso antes do ataque de ninjas…

Nesse ponto, é preciso aplaudir a total dedicação de Hugh Jackman ao personagem, aqui o reprisando pela sexta vez. Com carreira consolidada em Hollywood, o ator certamente não precisa voltar ao mutante. Mas o fato de continuar encontrando novos aspectos a explorar em Wolverine é testamento de sua lealdade ao herói. E ele queria fazer que a coisa fosse certa dessa vez, não um filme desconjuntado. "Queria uma aventura digna do Wolverine", disse. Para isso ele convocou seu amigo, Darren Aronofsky, com quem havia trabalhado em Fonte da Vida. Fã de quadrinhos, Darren estava buscando a oportunidade de mergulhar neste universo fantástico (ele tentou fazer Batman: Ano Um antes de Christopher Nolan consertar o Homem-Morcego com Batman Begins). Mesmo com algumas idéias radicais, como cobrir Wolverine de cicatrizes, tudo caminhava para um filme único.

Logan e Mariko param na lan house pra postar selfies no face.

Logan e Mariko param na lan house pra postar selfies no face.

Mas a vida entrou no caminho, e Aronofsky se viu em meio a um divórcio pesado de sua mulher, a atriz Rachel Weisz – e decidiu não se comprometer com um filme que o manteria longe dos Estados Unidos por tanto tempo. Quando a poeira baixou e ele retomou o fôlego, seu projeto de rodar a história de Noé ganhou tração, e Wolverine ficou para trás. Christopher McQuarrie foi o primeiro a pincelar o roteiro, depois reescrito por Marl Bomback, que limou os outros mutantes da trama, deixando que Wolverine fosse, de fato, o ser extraordinário em cena – o que aumenta o peso quando ele perde sua capacidade de regeneração. Sem Aronofsky, a Fox puxou uma lista de prováveis diretores, que incluia José Padilha, Doug Liman, Mark Romanek, Gavin O'Connor e James Mangold. Eclético, eficiente em vários gêneros, e com bom relacionamento com Jackman (ele o dirigiu na comédia dramática Kate & Leopold), Mangold ficou com o trabalho.

Wolverine Imortal honrou o material original, preenchendo papéis vitais com um verdadeiro "quem é quem" da indústria cinematográfica japonesa – Hiroyuki Sanada e Will Yun Lee, astros no Japão, dividiram os créditos com as novatas Rila Fukushima e a belíssima Tao Okamoto, que faz o papel da mulher por quem Logan se apaixona, Mariko Yashida. O filme é uma surpresa. Embora não explore temas políticos e sociais como os outros X-Men, Wolverine Imortal é uma aventura sólida e empolgante, violenta e emocionante. A versão do diretor em blu ray traz uma experiência ainda mais completa, com lutas estendidas e Wolverine sendo o melhor no que faz. Tudo bem que o clímax troque a atmosfera pés no chão por efeitos digitais, devolvendo o mutante à vala comum. Mas nada que comprometa o conjunto – não só uma das melhores aventuras da Marvel, como um template para outros filmes do herói.

Wolverine esqueceu o bilhete único...

Wolverine esqueceu o bilhete único…

A cena pós-créditos, por sinal, sinalizou o que estava por vir, com Xavier e Magneto buscando a ajuda de Wolverine para reformar os X-Men em tempos de grave necessidade… Era o começo de Dias de Um Futuro Esquecido, o renascimento dos mutantes da Marvel no cinema em grande estilo. E a promessa de que, muito em breve, Wolverine vai voltar. Espera-se, melhor do que nunca.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.