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Mudanças em personagens clássicos da Marvel sugerem... mais do mesmo

Roberto Sadovski

17/07/2014 13h10

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Thor agora é uma mulher. O Capitão América é negro. O Homem de Ferro se tornará, nas palavras do editor-chefe da Marvel, Axel Alonso, "um personagem para quem será difícil torcer". A mídia pegou fogo, os fãs tomaram a internet com declarações inflamadas (contra e a favor) e as histórias em quadrinhos ganharam, mais uma vez, uma pá de publicidade grátis. O que sempre é bom. Mas também não é nenhuma novidade e faz parte do jogo. Muda o tabuleiro, as peças ganham verniz, mas a chacoalhada no status quo, apesar de impulsionada por decisões criativas, é uma tremenda jogada de marketing.

Mudanças bombásticas, afinal, não são nenhuma novidade. Superman morreu (e voltou), Batman teve a espinha quebrada (e ficou bom), o Homem-Aranha descobriu que era um clone (na verdade, nem era). No mundo dos quadrinhos, com personagens circulando entre altos e baixos de vendas há décadas, promover mudanças radicais é uma ótima maneira de chamar a atenção para a mídia, que de tempos em tempos precisa provar que "não é só coisa de criança". Como narrativa, os quadrinhos de super-heróis em particular não vivem em ciclos fechados, não surgem como uma trama com começo, meio e fim: eles são perenes, adaptando-se ao espírito de cada época. Tentando manter sua relevância.

Robert Downey Jr. e Chris Evans no segundo Vingadores, capa da EW pré-Comic-Con

Robert Downey Jr. e Chris Evans no segundo Vingadores, capa da EW pré-Comic-Con

Os programas que a Marvel escolheu para anunciar suas mudanças deixa a estratégia de aumentar o leque midiático bem clara. Não foi em blogs de fãs ou sites que cobrem cultura pop que as mudanças chegaram ao público. O novo Thor foi relevado ser uma mulher no The View, programa de variedades ao estilão Mais Você da Ana Maria Braga. O novo Capitão América teve espaço no Colbert Report, do canal Comedy Central, programa de sátira política, que inclusive teve seu apresentador, Stephen Colbert, apresentado como candidato à presidência dos Estados Unidos nos gibis… da Marvel! A capa da nova edição da Entertainment Weekly (essa que você vê um recorte aí em cima), na semana antecedendo a Comic-Con de San Diego, traz os Vingadores.

Quando personagens de segunda linha como o trio lá em cima se tornam protagonistas de um dos maiores sucessos da história do cinema, o escopo da coisa é o que realmente importa. Com a compra da Marvel pela Disney, mas algumas peças da artilharia da editora nas mãos de outros estúdios (Homem-Aranha na Sony; X-Men e Quarteto Fantástico na Fox), é natural que exista um esforço para popularizar ainda mais não só o Homem de Ferro, Thor e Capitão América, mas também trabalhar com outros personagens do gigantesco catálogo da Marvel nos quadrinhos, deixando-os prontos para ter sua chance na telona. Afinal, quando Guardiões da Galáxia se torna um dos filmes mais aguardados do ano  – principalmente entre não-fãs! -, uma linha antes intrasponível é cruzada em definitivo.

Os novíssimos Vingadores, misturando veteranos e carne fresca

Os novíssimos Vingadores, misturando veteranos e carne fresca

Uma olhada no line up dos Vingadores (essa imagem aí em cima) nos gibis de um novo ciclo de histórias dá a letra. O Homem de Ferro Superior surge ao alto – a mudança de Tony Stark é para São Francisco, mas o que vai ser alterado drasticamente no personagem ainda é mistério. Thor é uma mulher, a nova detentora do martelo Mjolnir e dos poderes do Deus do Trovão. o Capitão América é Sam Wilson, parceiro de Steve Rogers como o Falcão. E nem é o primeiro negro a usar o traje de listras e estrelas: na minissérie Truth, de 2003, foi estabelecido que Isaiah Bradley foi o primeiro Capitão América, ainda antes de Rogers. Além deles, aparece (na fileira à frente) o Soldado Invernal, a entidade cósmica Ângela (que antes pertencia ao universo Imagem do herói Spawn), Thor, Capitão, Inferno (dos Inumanos) e Deathlok. Atrás, Medusa (também dos Inumanos), Feiticeira Escarlate, o Homem de Ferro Superior, Dr. Estranho e Homem-Formiga.

"Cada um terá um papel maior no universo Marvel a partir de 2015", entrega Alonso. Não diga! Os Inumanos são supostamente a resposta cinematográfica da Marvel aos mutantes – no cinema, o termo pertence à Fox, já que vem do universo dos X-Men. O Soldado Invernal já foi apresentado ao público fora dos gibis no segundo Capitão América – assim como Sam Wilson, o Falcão. Deathlok ganhou versão em carne e osso na série de TV Agentes da SHIELD, que é totalmente integrada aos filmes. Dr. Estranho e Homem-Formiga são astros de seus próprios longas na terceira fase da Marvel no cinema, seguindo Vingadores: A Era de Ultron, a ser lançado ano que vem. Na prática, isso significa que a Marvel sinaliza uma relação mais estreita entre seus diferentes braços corporativos, facilitando o trabalho do pessoal de marketing e garantindo uma liberdade criativa maior nos gibis, menos avesso à mudanças do que o cinema.

Thor, uma dama

Thor, uma dama

Ainda assim, é improvável que Chris Evans ou Chris Hemsworth deixem de ser Capitão América e Thor no cinema a médio prazo. Quando isso acontecer, uma mudança de ares nos gibis pode facilitar a transição de identidade no cinema. É curioso também observar que não existe muito movimento por parte da editora em relação aos X-Men ou ao Quarteto Fantástico – este último tem um reboot cinematográfico agendado para o ano que vem. Não acredite na boataria tonta que diz que a Marvel deixaria de publicar as séries para "não ajudar filmes de concorrentes". Mas não é de se estranhar que os esforços da editora são para promover personagens que eles tem controle total em todas as mídias.

No fim das contas, há tempos que super-heróis de gibis não eram dominava as notícias fora do nicho. Quando Thor voltar a ser o personagem de sempre, Steve Rogers recuperar o escudo do Capitão América e Tony Stark experimentar mais uma mudança radical, a editora ganhará as manchetes mais uma vez. Tudo muda, as coisas permanecem as mesmas. Segue o jogo.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.