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Luc Besson faz seu filme de super-heróis (e volta ao cinemão) com Lucy

Roberto Sadovski

29/08/2014 03h32

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Já se foi o tempo em que um novo filme de Luc Besson era recebido com fanfarra. E não sem motivo: por uma década ele mudou a cara do sisudo cinema francês e fez uma revolução de estilo e substância. Subway (1985), Imensidão Azul (1988) e Nikita (1990) eram filmes sem passaporte, de apelo global. O Profissional (1994) foi um salto quântico, uma pequena obra-prima policial que, entre seus muitos acertos, revelou Natalie Portman, então com 12 anos. O Quinto Elemento, de 1997, foi o auge da "experiência Besson", uma fantasia de ficção científica de sensibilidade decididamente europeia com um protagonista decididamente hollywoodiano: Bruce Willis. Absurdo, exuberante, tecnicamente perfeito e com um senso de humor estranho e envolvente, O Quinto Elemento foi o começo de uma nova jornada para Besson. Para o bem e para o mal.

Seu filme seguinte, Joana D'Arc (1999), feito sob encomenda para sua então musa, Milla Jovovich, revelou um cineasta prisioneiro de seu estilo. Foi um fracasso. Pouco importou. Naquele momento, Luc Besson dava início à sua vida como chefe de estúdio, e sob a bandeira da EuropaCorp passou a produzir e distribuir seus filmes usando Paris como quartel-general. Uma inusitada especializacão em filmes de ação – invariavelmente escritos por Besson – revelou uma nova geração de diretores franceses (Louis Leterrier, Alexandre Aja, Pierre Morel, Olivier Megaton) e deu origem a franquias extremamente bem sucedidas, como Taxi, Carga Explosiva (com Jason Statham) e Busca Implacável (com Liam Neeson).

Aluno e professor... Só resta saber quem é quem

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Lucy marca seu retorno ao cinemão. Não que ele tenha parado de fazer filmes – dirigiu a série animada Arthur e os Minimoys, recentemente comandou Roberto De Niro e Michelle Pfeiffer em A Família –, só não estava fazendo nada relevante. Até agora. Com os filmes de super-heróis dominando o planeta, Besson decidiu entrar no barco… à sua maneira. Lucy é, afinal, um legítimo representante do gênero. Repete alguns beats típicos de filmes de origem mas, a certa altura, troca a tal "jornada do herói" por algo estranho, inesperado e original. Ao fim das contas, quem espera uma aventura genérica, algum supervilão dominador e um herói dedicado a proteger fracos e oprimidos, melhor entrar na sala ao lado e ver quatro tartarugas antropomorfizadas.

Na pele de Scarlett Johansson, Lucy pode ser qualquer coisa, menos previsível. Mesmo que o filme comece em caminhos familiares. Em uma Taipei que faz dela uma forasteira, Lucy discute com um ficante eventual: o sujeito quer que ela entregue uma maleta a um figurão num hotel, ela quer ir embora. O pedido se torna um negócio, quando ele lhe oferece parte da grana que receberia, e escala para ameaça quando ela tem a tal valise algemada em seu pulso. Uma seqüência sangrenta logo torna a cena banal e um exercício de tensão, que escala quando a moça conhece o tal figurão (Choi Min-Sik, de Oldboy), descobre o conteúdo da valise – uma droga experimental poderosa e azulada – e se vê com pacotes do entorpecente costurados em seu estômago: ela é agora uma mula involuntária. Ao chegar em seu destino e ser agredida por um traficante, um dos pacotes se rompe em seu corpo, a droga reage com seu DNA e…. algo, acontece.

Scarlett oferece suquinho... Quem pode recusar?

Scarlett oferece suquinho… Quem pode recusar?

A teoria defendida por Luc Besson é a de que o ser humano usa somente 10 por cento de sua capacidade cerebral. Ao ter sua genética alterada pela droga, Lucy passa a processar o mundo com um HD mais poderoso, lentamente aumentando o uso de seu cérebro, à medida em que vai deixando sua humanidade para trás. O que começa como um jogo de vingança logo se torna uma jornada para entender quem somos e o que podemos atingir. Para guiar a heroína, Morgan Freeman surge como um cientista especializado em (claro) evolução neurológica, e é com ele que ela vai buscar, não respostas, mas uma visão mais clara de quais seriam as perguntas. No meio do caminho, Besson brinca com telepatia, telecinese, com o controle absoluto de mente sobre matéria, destrói as leis da física e mergulha numa viagem metafísica no tempo e no espaço que mistura transfiguração e evolução. Pode soar muito pretensioso, mas o resultado é divertido e, também, perturbador.

E não funcionaria tão bem se Besson tivesse escolhido uma atriz que não fosse Scarlett Johansson. De estrela adolescente a símbolo sexual, ela mesma se posicionou no meio da revolução dos super-heróis no cinema, defendendo a Viúva Negra em três filmes da Marvel – o sucesso de Lucy nas bilheterias deixa uma aventura-solo da espiã mais próxima da realidade. Scarlett salta de inocência e vulnerabilidade a predadora sobre humana sem esforço, preservando um semblante exótico que nos faz acreditar completamente até nas sequências mais absurdas – em uma delas, a droga começa a destruir sua forma física, e ela devora pacotes de pó azul para recompor sua matéria não só pela boca, mas por todos os poros. É o tipo de visual lúdico que Luc Besson imprimiu em seus melhores filmes. E que agora, dirigindo com olhar de produtor, antenado com as (r)evoluções do DNA de um blockbuster e com a melhor estrela hollywoodiana que um roteiro esperto pode angariar, ele volta a exercitar em escala global.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.