Sórdido e amoral, O Abutre é o melhor trabalho de Jake Gyllenhaal
Aos 34 anos, Jake Gyllenhaal tem uma das carreiras mais interessantes entre os astros do cinema contemporâneo. Claro, ele abraça um candidato a blockbuster aqui e ali (O Dia Depois de Amanhã, Príncipe da Pérsia), mas sua verdadeira paixão parece ser um cinema menos imobilizado pelas amarras de um grande estúdio (e de grana, e de expectativa). Filmes que não tem pudor em mergulhar no lado sombrio de seus personagens, revelando camadas sórdidas que causam desconforto porque, nós sabemos, muitas vezes eles não passam de espelho. Esse traço já existia, lá atrás, em Donnie Darko. E em O Segredo de Brokeback Mountain, Zodíaco, Contra o Tempo… A dobradinha com o diretor Denis Villeneuve – o ótimo Os Suspeitos e o esquisito O Homem Duplicado – parece ter consolidado a guinada do ator para seu lado sombrio. O que encontra em O Abutre sua melhor tradução.
Vou além: O Abutre, filme de estreia do roteirista Dan Gilroy – aqui mostrando domínio de narrativa, tom e elenco impecável – é o melhor trabalho de Gyllenhaal. O que é um espanto, levando-se em conta o quão pouco é revelado sobre seu personagem, Lou Bloom. Tudo que precisamos saber sobre ele surge logo na primeira cena, quando Bloom corta uma cerca de metal (para vender como sucata) e ataca um guarda de segurança. Não existe um grande esquema, e sim um modo de fazer dinheiro rápido com pequenos golpes, invariavelmente acompanhados por uma lábia impecável – engolida pelos incautos. Um acidente noturno em uma rodovia de Los Angeles (a cidade é praticamente um personagem) faz Lou acompanhar o trabalho de cinegrafistas que varam a madrugada registrando o pior da miséria humana (acidentes, assassinatos, tiroteios, incêndios, sangue e morte) para vender aos noticiários sensacionalistas. Seu olhar extasiado deixa claro que ele encontrou sua vocação.
O Abutre se torna, então, um mondo cane televisivo, com Bloom trafegando entre os "profissionais" e mostrando seu olhar agudo para retratar a raspa do tacho da decência. Ele não se furta em alterar uma cena de crime para obter maior impacto emocional. Entra sem cerimônia – e antes da polícia – em uma mansão que fora palco de uma chacina, registrando tudo sem a menor preocupação com as pessoas que agonizam a seus pés. Quando a chance de se consolidar nessa carreira se aproxima, armar um delito com um grande número de vítimas em potencial não está fora de seu alcance. Bill Paxton surge como um cinegrafista veterano que logo enxerga potencial no novato, que pode em breve se tornar concorrente. Rene Russo está perfeita na pele da produtora de um canal de quinta, disposta a pagar o que for possível para ter Lou a seu lado – mesmo que chantagem e sexo entrem na mistura. Mas você precisa prestar atenção em Riz Ahmed, magistral ao misturar ingenuidade, desespero e medo como um "funcionário" de Bloom, Rick.
O que Dan Gilroy faz em O Abutre pode até parecer um comentário sobre nosso fascínio pelo lado imundo do ser humano, nossa sede em ver mais sangue e mais brutalidade na telinha da TV – como se isso fosse nos absolver de nossos próprios pecados. Mas não é só isso. Em sua estreia, o roteirista de O Legado Bourne (!!!) mostra que a busca desenfreada pelo sucesso é um denominador comum que não enxerga nível de instrução ou classe social. Na hora de "chegar lá", as regras da civilidade parecem voar pela janela, e por fazer isso com uma naturalidade perturbadora, não conseguimos tirar os olhos de Lou Bloom. O show aqui é de Gyllenhaal, que lhe imprime uma amoralidade irresistível, conferindo-lhe, a certa altura, tintas que lembram o Travis Bickle de Robert De Niro em Taxi Driver. Mas Travis queria salvar o mundo da sordidez, resgatando sua própria alma do abismo no processo. Bloom não quer salvar ninguém: ele só quer… mais. Talvez seja por isso que não conseguimos desviar os olhos.
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