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Filme da Semana do Sadovski: O Ano Mais Violento

Roberto Sadovski

04/04/2015 05h51

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Nova York já foi uma cidade perigosa. Antes da "limpeza" promovida pela Tolerância Zero do prefeito Rudolph Giuliani, a Grande Maçã não era o paraíso dos turistas da Times Square. Os trens do metrô traziam uma parede de pixação que desenhava território de gangues. Algumas partes da cidade pareciam uma zona de guerra. Assaltos, estupros, assassinatos eram rotina – que chegou a seu ápice em 1981. É este O Ano Mais Violento, que o diretor e roteirista J.C. Chandor escolheu para ambientar a história de um empresário tentando conquistar o "sonho americano" – e tentando não perder seu fiapo de dignidade no processo.

Oscar Isaac é Abel Morales, imigrante que compra a distribuidora de combustível do pai de sua mulher, Anna (Jessica Chastain, implacável). Em uma cidade em que empresários e gângsters caminham a mesma linha tênue, Abel vê seus motoristas sendo roubados e agredidos sem poder reagir. O presidente do sindicato quer colocar uma arma na mão de cada um e os orientar a reagir – o que seu advogado, Andrew (Albert Brooks), acha correto. Como Abel encontra-se no centro de uma investigação federal, ele não pode arriscar um tiroteio ou assassinato atrelado ao nome da empresa. Para agravar a tensão, ele acabou de investir uma soma considerável para comprar um terreno vizinho ao de sua empresa para expandir seu negócio, e tem um prazo para fechar o negócio antes de perder tudo. O relógio está batendo…

JC Chandor: 'People generally like superheroes or super-villains – I try to ground characters in the

O diretor J.C. Chandor

Chandor constrói uma trama razoavelmente intrincada para provar uma teoria: o sonho é falho. Cada passo dado por seu protagonista termina aumentando o buraco sob seus pés, e embora ele não queira desviar de um caminho de retidão, é fato que ele precisa sujar as mãos para conseguir o que quer. No caso de Abel, Chandor deixa a situação mais urgente não apenas por ele ser um imigrante – com muito a provar para si e para o resto do mundo –, mas para mostrar que a "terra das oportunidades" representada pelos Estados Unidos só é concreta se você respeitar as regras que você vê, mas também as que você não percebe. Ambientar O Ano Mais Perigoso em 1981 é crucial. O país ainda se recuperava da Guerra do Vietnã, a sociedade estava moralmente quebrada e o novo presidente, Ronald Reagan, preparava um pacote econômico que beneficiaria quem tivesse as melhores cartas em mãos. Nova York, por sua vez, era o principal reflexo da época, a maior cidade como um micro universo de um país.

Abel Morales, portanto, é o protagonista perfeito. Ele condensa todas as oportunidades, para o bem e para o mal, colocadas à disposição de quem está disposto a "conquistar a América". Oscar Isaac nunca surge menos que brilhante defendendo o personagem. Ele mantém o rosto impávido de quem tenta assimilar a cultura que o recebeu como se fosse sua, mesmo ao tentar estender as oportunidades ao amigo de longa data que ele emprega como motorista (Elyes Gabel, perdido, assustador, desesperado), mesmo ao bater de frente com um promotor público (David Oyelowo) tão implacável quanto ambicioso, mesmo ao confrontar as decisões de sua mulher, que aos poucos prova mesmo ser a filha de um gângster.

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Oscar Isaac, Jessica Chastain e Albert Brooks observam a neve em Nova York

Com uma belíssima e acurada reconstituição de época, O Ano Mais Violento ecoa trabalhos de grandes diretores, como William Friedkin e Sidney Lumet, que também fizeram de Nova York um personagem. A fotografia de Bradford Young (Selma: Uma Luta Pela Igualdade) dá ao filme uma qualidade nostálgica, em que o sépia equilibra-se entre o branco da neve e o negro do óleo comercializado por Abel. O roteiro de Chandor é um crescendo de tensão, que raramente explode em confronto físico, mas em embates psicológicos. Diretor de atores habilidoso – como visto em seu trabalho anterior, Até o Fim, que traz um Robert Redford solitário contra a vastidão do oceano –, Candor coloca cada peça em seu tabuleiro no agora. Não há espaço para flashbacks, não há necessidade de revelar a trajetória de seus personagens até o momento em que somos apresentados a eles. É uma narrativa que acompanhamos de perto, sem nenhuma pista do passado ou vislumbre do futuro. E não é sem tristeza que descobrimos, ao lado de Abel Morales, os limites que alguém está disposto a alcançar para abraçar um sonho torto.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.