Quem é Deadpool e por que ele deve mudar os super-heróis no cinema?
A Comic-Con 2016 foi encerrada em San Diego com uma metralhadora de palavras que a censura não permite repetir aqui. Ryan Reynolds conduziu o painel de Deadpool com uma plateia ensandecida, que exigiu que o primeiro teaser do filme fosse repetido – e foram atendidos. Foi o bastante para Deadpool se tornar o centro das atenções, mesmo num evento que revelou o trailer novinho de Batman Vs. Superman. Mas, afinal, como um personagem de terceira linha da Marvel, que já fora levado ao cinema de maneira completamente tosca (já já a gente volta a isso….), de repente se tornou o filme-evento que promete mudar o cinema de super-heróis em fevereiro do ano que vem?
Primeiro, é bom entender a gênese de Deadpool nos quadrinhos. Foi o desenhista (e olhe lá…) Rob Liefeld, um sujeito que desafia qualquer convenção sobre anatomia humana, e que ainda assim mantém uma legião de fãs, que o criou na edição 98 da série Os Novos Mutantes ao lado do roteirista Fabian Nicieza – isso em fevereiro de 1991. Até ali, Wade Wilson – real identidade do personagem – surgia como um assassino profissional implacável, com um traje carregado de armas, espadas e mais bolsos que seria logicamente viável. Mas eram os anos 90, a época dos excessos nos quadrinhos, e muitos que torceram o nariz também se resignaram porque, afinal, não ia demorar muito para tudo aquilo ficar para trás.
Só que Deadpool não arredou o pé. Pelo contrário: a Marvel retrabalhou sua fórmula e o mercenário ganhou tintas surreais. Ele é um assassino mutante que sofre de câncer, tem o rosto completamente desfigurado, é basicamente imortal devido a um fator de cura talvez mais poderoso que o de Wolverine, e constantemente conversa com o leitor, quebrando a quarta parede. Para surpresa dos outros personagens que povoam suas histórias, Deadpool aceita o fato de que não passa de um ser de ficção dentro de uma história em quadrinhos – como um Ferris Bueller com muita acne mal resolvida e um instinto assassino feroz. Ah, e ele é completamente pinel….
Os fãs, vai saber como, abraçaram a coisa, e Deadpool, de coadjuvante classe Z, passou ao primeiro time, dividindo a ação com os X-Men, Wolverine, Vingadores e Homem-Aranha. É como se os roteiristas sentissem liberdade extra ao colocar os dedos nos textos do (anti) herói, o que já foi confirmado pelo roteirista Joe Kelly: "A gente esperava que o gibi fosse cancelado a cada cinco segundos, então dava pra fazer basicamente tudo que a gente queria". Essa subversão às "regras" dos gibis de super-heróis pode explicar o fascínio dos fãs pelo personagem – mais ou menos como o assassino espacial Lobo, da concorrente DC Comics, também faz sucesso, principalmente entre leitores mais jovens. A zoeira, dizem por aí, não tem mesmo limites.
Claro que Hollywood estava de olho. E, claro, a coisa saiu torta. Quando Hugh Jackman ganhou seu primeiro filme fora da série dos X-Men, um dos integrantes de sua "equipe" em X-Men Origens: Wolverine era justamente Deadpool – ou Wade Wilson, interpretado de cara limpa por Ryan Reynolds. Estava tudo errado – tão errado que, para o clímax do filme, Deadpool foi apresentado completamente descaracterizado e, heresia supresa, com os lábios costurados. Um personagem apelidado merc with a mouth, ou seja, o mercenário que não cala a boca. É parte do seu charme, parte do seu humor, o que o filme com Jackman basicamente castrou.
Podia ser o fim de Deadpool no cinema, até porque Ryan Reynolds pulou a cerca e foi fazer Lanterna Verde para a Warner/DC – por sinal, um fracasso artístico e comercial gigante. Mas o astro nunca abandonou a ideia de retomar Deadpool, até por ele a) ser fã de quadrinhos e b) ter total consciência que ajudou a melar a coisa em X-Men Origens. Reynolds, porém, não tem a estatura para bancar um projeto assim – mesmo porque o mundo mutante da Marvel, de propriedade da Fox no cinema, talvez não tivesse espaço para projetos de vaidade. O jogo virou, entretanto, quando um teste de efeitos especiais com o personagem, ainda interpretado por Reynolds e , desta vez, fiel aos quadrinhos, vazou online em julho de 2014. Os fãs piraram. Reynolds alimentou o fogo online. Em setembro o estúdio decidiu pagar para ver, fechando a estreia de Deadpool para 12 de fevereiro de 2016, com Ryan Reynolds no papel principal. Às vezes, ser um pouco louco vale a pena.
O que nos traz de volta ao painel da Comic-Con. Muitas vezes, o cinema de super-heróis repete fórmulas consagradas e de resultados – por mais que o novo trailer de Batman Vs. Superman revelado também em San Diego seja incrível, ainda é um projeto que nem se atreve a ousar. Reylnolds e seu diretor, o especialista em efeitos especiais Tim Miller, aqui fazendo sua estreia atrás das câmeras, convenceram os homens do dinheiro que a única maneira de fazer o filme seria não desviar de sua fórmula de sucesso nos gibis – e como Joe Kelly disse, se a coisa toda parece que vai desmoronar a qualquer instante, por que não cair com estilo e tirando todos os gatos do saco? Durante o painel, Reynolds foi enfático que o espírito dos quadrinhos é o que guia o filme: "É tudo que amamos no gibis, temos esse sujeito que obviamente vai quebrar a quarta parede, obviamente vai dizer o que bem entender". Como resultado, Deadpool chega recheado de palavrões, diálogos vulgares, escatologia e violência extrema – o que fez o teto do Hall H no evento de San Diego vir abaixo com os urros entusiasmados dos fãs.
Momento de confissão: eu nunca dei a mínima para Deadpool, já que ele representa uma fase dos quadrinhos de super-heróis que era só estilo, zero substância. Assim como Blade, porém, é um personagem com grandes chances de encontrar sua versão definitiva no cinema, deixando de lado todo o começo equivocado e a cronologia confusa dos gibis mutantes dos anos 90 para se concentrar no filé. E, assim como Blade, traz censura R, que em teoria deixa a molecada fora do cinema e aponta para um filme mais intenso e sem medo de abraçar a bizarrice, violência e humor negro e auto-referente dos gibis (no material apresentado em San Diego, Reynolds diz que, se for transformado num super-herói, que ao menos seu traje nõ seja nem verde e nem animado). Se for um sucesso, e a reacão na Comic-Con indica que os passos estão certos, a aventura pode mostrar que um filme baseado em quadrinhos não precisa necessariamente ser uma aventura para toda a família. E, quem sabe, finalmente fazer de Ryan Reynolds um astro do primeiro time.
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