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Há 20 anos, Se7en deixou o cinema mainstream mais perturbador

Roberto Sadovski

22/09/2015 06h13

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"O filme da cabeça na caixa." O roteiro escrito por Andrew Kevin Walker começou a circular por Hollywood no começo dos anos 90, depois do escritor, então um novato, ter passado dois anos trabalhando no texto e mais alguns meses ligando para cada agente de Los Angeles que trabalhasse com histórias de crime. Ainda assim, poucos executivos se referiam ao script como Seven (ou Se7en). Era mesmo "o filme da cabeça na caixa". Antes de aterrissar na New Line, e nas mãos de David Fincher, a história passou por alguns diretores (David Cronenberg, Guillermo Del Toro) e atores (Denzel Washington, Val Kilmer, Al Pacino, Sylvester Stallone) que disseram não por achar a trama sombria, violenta, amoral e pesada em excesso.

A verdade é que Se7en, lançado há exatos vinte anos, teria sido um filme bastante diferente se os executivos do estúdio fossem atendidos. O final desolador bolado por Walker (a gente chega já nele) foi amaciado em cinco diferentes conclusões alternativas, cada um com impacto reduzido e, bem ou mal, um final feliz. Mas quiseram os deuses do cinema que o texto que chegou às mãos de Fincher fosse uma versão com zero revisão, mantendo a cabeça na caixa em seu lugar de direito. E não adiantou a chiadeira dos homens do dinheiro, já que a condição do então neo astro Brad Pitt para permanecer no projeto fosse a manutenção do final original e da visão sem esperança de Fincher. Às vezes, os mocinhos (do lado de cá) vencem.

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Pitt foi reunido em cena com Morgan Freeman. Os dois são policiais em uma metrópole anônima, designados para investigar os crimes de um assassino em série, que logo percebe-se estar eliminando suas vítimas com encenações grotescas e extremamente violentas dos sete pecados capitais bíblicos – para quem não frequentou as aulas de catecismo, estes são gula, avareza, soberba, preguiça, luxúria, ira e inveja. Cada nova vítima, descoberta de maneira brutal, mostra que o tempo para a solução do caso está se esgotando. É quando o texto dá uma guinada espetacular e o assassino, batizado John Doe (ou João Ninguém), simplesmente se entrega na delegacia de polícia, impulsionando a trama para o clímax mais árido e impactante do cinema mainstream moderno.

Se7en é uma coleção de acidentes felizes. Pitt arrebentou a mão em uma cena e Fincher decidiu manter o curativo no roteiro e em cena até o fim. Kevin Spacey, no papel do assassino, teve seu nome e rosto retirado de todo o material promocional, fazendo com que sua presença causasse o máximo de impacto na plateia. Gwyneth Paltrow, convencida pelo então namorado, Pitt, a interpretar sua esposa em cena, representa a falta de esperança dos moradores da metrópole, mesmo sendo sua única fagulha de esperança. Se você leu até aqui e nunca viu Se7en, eu espero duas horinhas para que o erro seja consertado… Mas se você já teve o privilégio de assistir a essa obra prima moderna, sabe que a cabeça na caixa pertence à própria Gwyneth, catalisador do final tão perturbador e ainda sem paralelo.

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David Fincher, mais do que qualquer um, tinha algo a provar. Egresso da Propaganda Films, produtora que deixou sua marca na publicidade moderna e contava em suas fileiras outros futuros cineastas como Michael Bay, Zack Snyder e Gore Verbinsky, ele havia estreado como diretor em Alien³, e a experiência fora uma das piores de sua carreira. Quando assinou para dirigir Se7en, Fincher decidiu que não deixaria os engravatados dos estúdios decidirem o destino de seus filmes, o que lhe deu fama de "difícil" em Hollywood. Pouco importa. Com um orçamento de 33 milhões de dólares, Se7en faturou cerca de 330 milhões em todo o mundo, e a liberdade do diretor foi assegurada.

Seus filmes seguintes – entre eles Vidas em Jogo, Clube da LutaZodíaco e Os Homens que Não Amavam as Mulheres – são uma coleção de contos urbanos violentos, e nenhum deles escapa da sombra que o próprio diretor projetou com Se7en. é o que acontece quando um filme é tão meticulosamente executado, tão recheado de texto e subtexto, metáforas e referências, que a cada nova sessão um detalhe antes despercebido emerge. O clímax, quando os detetives Mills (Pitt) e Sumerset (Freeman) levam o assassino para fora da cidade chuvosa, em meio ao deserto, é uma verdadeira aula de tesão, narrativa, roteiro e edição, todos elementos combinados num crescendo tão inesperado quanto arrebatador. A cabeça na caixa.

O maior triunfo de Se7en ainda é ser um dos filmes sobre um assassino em série mais violentos da história, e ainda assim não testemunhamos nenhum dos crimes ser executado. É um filme de sugestão, de uma delicadeza macabra, em que uma caixa de papelão aberta no deserto sob uma brisa suave encerra o pior de nossos pesadelos. John Doe diz, a certa altura, que seus feitos serão estudados para sempre. Aqui estamos, duas décadas depois, ainda boquiabertos com o impacto de Se7en.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.