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Sylvester Stallone vai te fazer chorar em Creed: Nascido Para Lutar. Sério.

Roberto Sadovski

12/01/2016 07h13

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Mais uma continuação de Rocky, Um Lutador, desta vez com o filho bastardo de seu maior rival e amigo, Apollo "Doutrinador" Creed, como protagonista, e o próprio Garanhão Italiano surgindo como seu treinador. A premissa não indica absolutamente nada além de uma picaretagem para tentar injetar sobrevida em uma "franquia" (já que o papo são produtos…) que deu seu último sopro já há uma década, com o surpreendente Rocky Balboa. Uma tremenda bobagem, certo? Então alguém explica como Creed: Nascido Para Lutar se tornou este pequeno milagre: não só uma continuação digna, mas também um recomeço emocionante para a série, surgindo não só como seu melhor filme desde o original, que ganhou o Oscar de melhor filme, direção e montagem em 1976, como também palco para dois excelentes atores darem seu melhor.

A resposta tem nome: Ryan Coogler. O diretor do modesto Fruitvale Station, que em 2013 expôs com coragem um episódio sórdido e trágico de violência policial nos Estados Unidos, fez em Creed uma homenagem, um reboot e uma verdadeira carta de amor ao longa que lançou a carreira de Sylvester Stallone, fruto de uma época em que autores mandavam no jogo do cinemão. Coogler se apressou em não reinventar a roda, mas em retomar o tema do sujeito de poucas oportunidades, mas com muita fibra e toda a raiva do mundo em seus punhos, que se depara com a chance de deixar sua marca. Creed é, em muitas maneiras, uma refilmagem do próprio Rocky. Mas é também elegante e esperto para se destacar como um animal de vida própria.

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Stallone mostra a Michael B. Jordan como é que se faz – careta e tudo

No foco de tudo está Adonis Johnson (Michael B. Jordan, melhor a cada novo filme), fruto de um caso extra-conjugal do campeão Apollo – este, morto no ringue em um combate com o boxeador russo Ivan Drago (o que vimos em Rocky IV, de 1985). Com a morte de sua mãe, Adonis, ou Donny, passa a infância e parte da adolescência em lares adotivos ou institutos para menores infratores. É onde ele é encontrado pela viúva de Apollo, Mary Anne, (interpretada aqui por Phylicia Rashad), que lhe oferece uma nova chance da vida. Corta para anos depois, Donny mora em Los Angeles, mora na mansão de Mary Anne e trabalha em uma empresa no mercado financeiro. Mas treina e luta, sozinho, em combates do outro lado da fronteira com o México. O peso do nome Creed é arrebatador, e ele não é levado a sério a) por ser filho de quem é e b) ao ser tomado por alguém que não leva a sério a vida de lutador; só quer, de alguma forma, conhecer o pai morto antes de ele nascer. É o gatilho que o faz deixar L.A. em direção à Filadélfia, em busca de talvez a única pessoa que entenda a tempestade em sua cabeça – e com quem ele quer treinar.

É quando entra em cena o MVP de Coogler na partida. A essa altura, é difícil dizer onde começa Rocky Balboa e onde termina Sylvester Stallone. Há tanto do ator no personagem, e as relações não raro também se confundem no "mundo real", que não é fácil apontar onde está a performance, e não a persona. Mas ela está lá, e aos poucos Sly mostra que, embaixo do herói de ação, do sujeito musculoso, do astro, ainda existe um artista comprometido, sim, com a história e com o personagem, e não com a máquina que gira em torno dele. E o personagem está exatamente onde o deixamos em Rocky Balboa: tocando uma vida modesta, contente com as glórias do passado, honrando seus mortos (ele ainda é dono do restaurante que leva o nome de sua ex-mulher, Adrian), vivendo seus dias. Quando Donny o conhece e se apresenta, a surpresa aos poucos dá espaço ao incômodo (a princípio ele não quer saber de treinar o jovem Creed), e depois a uma fagulha que há muito ele não sentia. Stallone surge fragilizado, carregando o peso de décadas em seu corpo, e cada passo seu como Rocky não surge como um ator em busca de repetir uma cartilha, e sim em aceitar os anos e encontrar novas formas de apresentar um velho conhecido. O fato de ele conseguir, e com louvor, é o bastante para perdoar todos os pecados pregressos de Sly (talvez não Pare! Senão Mamãe Atira….).

Sim, vai ter corrida pelas ruas da Filadélfia, sim…

Se Michael B. Jordan é o centro pulsante de Creed, a jovem guarda ansiosa para explodir, Sylvester Stallone é seu coração, uma lembrança constante e confortável de que o filme faz parte de um legado. Ele vai além: seu Rocky traz à mente em pouco mais de duas horas de filme que a série pode ter se desviado de sua concepção original e, como o ator, tornou-se um produto gigante, embalado em filmes-evento cada vez com menos sentimento. Se Rocky Balboa corrigiu o curso, Creed é um recomeço honrado e orgulhoso, que não tem a menor vergonha em seguir os beats de Rocky, Um Lutador (existe a namorada relutante, agora uma cantora que aos poucos perde a audição, defendida por Tessa Thompson; um dos protagonistas precisa combater, fora dos ringues, um inimigo que não pode ser visto; a trama gira em torno da luta de um amador contra o campeão do mundo que precisa de boa publicidade), ao mesmo que cria identidade própria.

E Creed é, de ponta a ponta, um espetáculo. Um dos grandes dons de Ryan Coogler como contador de histórias é justamente não esquecer que está no comando de um filme feito para emocionar, para proporcionar a dose certa de drama humano com entretenimento de primeira – bom para a Marvel, que o deve colocar na direção de Pantera Negra. Quando Creed engata uma segunda e coloca seu protagonista no ringue, é quase impossível ficar impassível, na poltrona, e não acompanhar os combates como se fossem lutas de verdade. O primeiro é um primor de narrativa e adrenalina, conduzido em um plano sequência que se desenrola em alguns minutos de respiração suspensa. Já o clímax do longa é êxtase puro, uma sensação que o cinema recente só proporcionou mesmo com o novo Star Wars. Creed tinha tudo para dar errado, mas termina transformando tragédia em triunfo. Dos dois lados da tela.

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Passar a tocha nem sempre é tarefa fácil

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.