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Confuso demais e branco demais, Deuses do Egito é um desastre anunciado

Roberto Sadovski

26/02/2016 05h23

deuses do egito

Os "deuses do egito" devem estar furiosos com o cinema. Em especial neste 2016! Primeiro, foi o desastre ridículo chamado Os Dez Mandamentos, primeiro sucesso de bilheteria com público fantasma da história. Agora com o proverbial Deuses do Egito, uma maçaroca que coloca no mesmo balaio divindades que planam sobre o Nilo, uma pitada de fantasia, influência pesada de videogames como God of War (mas a ano-luz de sua qualidade) e filmes de super-heróis…. Sim, é ainda mais confuso do que parece. E, assim como o brasileiríssimo Os Dez Mandamentos, traz uma visão do Egito tão caucasiana quanto vergonhosa – no caso do filme de Alex Proyas, grave a ponto de os produtores pedirem desculpas pela falta de diversidade em seu elenco.

Ah, Alex Proyas. Houve um tempo, depois de O Corvo e Cidade das Sombras, que o diretor podia de fato ser chamado de visionário. Seu trabalho trazia uma aura sombria, uma vontade de descortinar o que faz o homem se despir da civilização para abraçar seus instintos mais bárbaros – seja motivado pela vingança, seja empurrado por uma experiência por criaturas de outro mundo. Em algum lugar, porém, essa visão rendeu-se ao cinemão. Tudo bem que Eu, Robô não é um desastre, e consegue preservar uma ou outra ideia inspirada nos livros de Isaac Asimov. Mas Presságio, com Nicolas Cage, consegue transformar uma boa premissa (o fim do mundo tem hora marcada) com um terceiro ato que deixa de lado qualquer preocupação com lógica. Deuses do Egito é a cereja no topo de um bolo indigesto.

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"Eu tenho a for….", não, pera!

Primeiro, é preciso engolir a premissa. Os deuses do egito (vou tentar não repetir o título, mas vem comigo) convivem com seus adoradores, mortais que habitam as margens do Nilo, numa boa. Veja bem, não é exatamente "nosso" mundo, mas um plano que comporta uma Terra achatada, observada do alto por Rá (Geoffrey Rush, nem de longe parece egípcio), Deus do Sol, que navega as águas da criação em seu barco celestial. No chão, Osíris (Bryan Brown, bem vindo de volta, mesmo não parecendo egípcio) reina benevolente, e está prestes a passar a coroa para seu filho, Hórus (Nikolaj Coster-Waldau, de Game of Thrones, nada egípcio). É quando o irmão do rei, o combativo e amargo Set (Gerard Butler, primeira divindade egípcia de origem escocesa da história), chega para tomar a coroa, cometer fratricídio, cegar o sobrinho, impôr um regime de escravidão e colocar em movimento um plano para dominar toda a criação.

A âncora humana, e nosso avatar na trama, é o ladrão Bek (Brenton Thwaites, que não parece egípcio). Quando sua amada Zaya (Courtney Eaton, que não parece egípcia) perde a vida, ele devolve um dos olhos de Hórus e promete ajudá-lo a derrubar a ditadura do tio, contanto que sua amada possa voltar da morte. Tudo isso é explicado com zero peso, nenhum senso de perigo e ausência absoluta de tensão. Coster-Waldau é um protagonista antipático, Thwaites não convence como o herói apaixonado e disposto a qualquer sacrifício para resgatar sua namorada, e o resto do elenco parece à deriva, inventando tiques e trejeitos para representar humanos e deuses em um cenário já suficientemente absurdo.

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"This is Spar…", não, pera!

A culpa do desastre recai inteiramente nas costas de Proyas (também assinando como produtor), que entrega uma visão carnavalesca de uma aventura que nunca encontra o tom certo – confesso que lembrei de Mestres do Universo, já que Nikolaj até lembra Dolph Lundgren como He-Man (visualmente e em habilidade dramática), mas Gerard Butler nunca devora o cenário gloriosamente como Frank Langella. Seria Deuses do Egito, então, um filme de super-heróis com os uniformizados substituídos por versões de deuses que mais parecem os Cavaleiros do Zodíaco? Uma fantasia que brinca com a mitologia egípcia, mas não faz a menor força para sequer esboçar uma lógica interna? Ou ainda uma aventura de efeitos especiais que pretende abraçar um fragmento que seja do sucesso de Fúria de Titãs, com suas criaturas colossais e deuses vingativos?

A resposta é simples: é tudo isso, mas sem o menor espaço para respirar. Deuses do Egito é o que acontece quando gente de (vá lá) talento se junta mas não dialoga. O design é péssimo – da direção de arte que transforma o Egito em uma alegoria de escola de samba em rebaixamento à decisão de fazer dos deuses… bom, nem sei como colocar, talvez "pequenos gigantes"? Ligeiramente maiores que os humanos, mas proporcionais a todo o resto, com resultados cômicos. As cenas de ação são escuras e confusas, criadas em efeitos digitais mal executados, deixando impossível discernir o que acontece. O pior pecado de Deuses do Egito, porém, é mesmo trazer deuses que não parecem nem um pouco egípcios, em um Egito que não lembra o Egito nem depois de muita tequila. É um desastre anunciado. E, desta vez, sem uma igreja comprando ingressos como se fosse pão para inflar os números.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.