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Pede pra sair: fãs querem Zack Snyder fora de Liga da Justiça; BvS despenca

Roberto Sadovski

04/04/2016 03h12

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Os últimos dias foram agridoces para o diretor Zack Snyder e os realizadores de Batman vs Superman. Em cartaz há uma semana, a aventura que une os dois maiores heróis da DC já arrecadou vistosos 680 milhões de dólares – mais que a bilheteria total de sucessos como O Homem de Aço, Thor: O Mundo Sombrio e os dois primeiros Homem de Ferro. Embora os números impressionem, o clima é de decepção, já que a queda na receita da estreia até agora foi de aproximados 68,4% – o quinto maior declive entre filmes que estrearam com mais de 100 milhões de dólares, seguindo o último Harry Potter e três Crepúsculo. Não é um bom sinal.

Basicamente, os números mostram que o público, embora tenha abraçado o filme pelo mundo – é inegável que BvS é um fenômeno midiático –, não lhe conferiu o fôlego esperado por um crossover tão hypado quando o encontro do Homem de Aço com o Cavaleiro das Trevas. A essa altura, alcançar a marca do bilhão de dólares nas bilheterias mundiais parece improvável. Para comparar, a queda foi tão expressiva quanto a de Quarteto Fantástico, a hecatombe que danificou seriamente a série dos heróis da Marvel na Fox. Isso significa que BvS é uma decepção? Claro que não, e o estúdio segue firme com seus planos de construir um universo cinematográfico compartilhado. Mas a próxima semana vai determinar se a queda é irreversível ou se há possibilidade de a aventura quicar e recuperar o fôlego.

Na linha de fogo está, claro, Zack Snyder. Acostumado a conduzir espetáculos visuais, bem como adaptações de quadrinhos – sua mão guiou 300, Watchmen e O Homem de Aço –, o diretor não foi visto com bom grado por parte dos fãs, que enxergaram os rombos gigantes em Batman vs Superman e temem pelo futuro da DC no cinema em suas mãos. Uma porção pequena (porém expressiva) de apaixonados por quadrinhos iniciou um par de petições para pedir que a Warner remova Snyder da direção de Liga da Justiça, que ele está para começar a rodar – uma delas soma quase 15 mil inscritos, a segunda tem pouco mais de 2 mil fanáticos.

Tudo não passa de uma imensa bobagem, claro. Não é assim que a indústria funciona, e dificilmente o estúdio se sensibilizaria com a grita de fãs mais exaltados. Mas a pergunta que fica é: seria o caminho mais lógico retirar, de fato, Zack Snyder da condução de Liga da Justiça – e, talvez, de todo este universo cinematográfico da DC? Se a resposta mais lógica é um sim bem redondo, vale observar alguns motivos, explícitos em Batman vs Superman, que provam por que que Zack Snyder não é o sujeito ideal para este trabalho. A razão principal é tão simples quanto preocupante: ele não gosta de super-heróis.

Vem comigo…

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Zack Snyder dirige Ben Affleck em Batman vs Superman

Superman foi criado em 1938. O mundo aos poucos se arrastava para fora da Grande Depressão, ao mesmo tempo em que mergulhava no abismo da Segunda Guerra Mundial. Foi neste cenário que dois garotos judeus, Jerry Siegel e Joe Shuster, criaram o Homem de Aço, que debutou na primeira edição da revista Action Comics. Aos poucos ficou claro que o herói representava um ideal, um homem que podia se colocar acima de todos os outros por causa de suas habilidades, mas escolheu ser um símbolo de esperança, não de opressão.

Mesmo depois que a Marvel lançou seus personagens mais humanizados e menos idealizados nos anos 60, de Quarteto Fantástico ao Homem de Ferro, X-Men, Hulk e Homem-Aranha, a concorrência manteve o Superman não como espelho, e sim como fonte de inspiração. A Marvel estava em seu auge criativo no fim dos anos 70 quando Superman, O Filme chegou aos cinemas. O mundo era mais uma vez um lugar sombrio, com o fantasma da Guerra do Vietnã, a falência do "sonho americano" e uma Nova York, lar de boa parte dos super-heróis (e das duas editoras) cada vez mais violenta. Ainda assim, Christopher Reeve interpretou o Homem de Aço como um escoteiro, que defendia "verdade, justiça e o estilo de vida americano" sem nenhuma ironia, servindo de inspiração necessária em tempos caóticos.

Zack Snyder não quer este Superman habitando seu mundo. Até o lançamento de O Homem de Aço, a versão de Reeve, conduzida pelo diretor Richard Donner, foi o Norte para todas as interpretações do personagem, fosse nos quadrinhos, na TV, no cinema ou como animação. Um exemplo é a série em HQ Grandes Astros Superman, de Grant Morrison e Frank Quitely. O herói se vê com um ano de vida, com suas células explodindo de sobrecarga de radiação solar. Em vez de abaixar a cabeça esperando pelo fim, são doze meses em que ele é ainda mais super, preparando um legado. Mesmo que Snyder tenha usado frases inteiras do gibi em O Homem de Aço, ele parece ter abandonado de vez as características que definem o herói.

Na interpretação de Henry Cavill, o Superman nunca parece ter prazer em ser este símbolo de esperança: é um fardo, alimentado por conselhos de seus pais adotivos, Jonathan (Kevin Costner) e Martha (Diane Lane) Kent, que basicamente repetem que talvez seja melhor ele virar as costas e deixar pessoas morrerem – afinal, "ele não deve nada a este mundo". Snyder não entende o conceito do Superman, e mesmo depois de apontar um caminho mais iluminado após a devastação do final de O Homem de Aço, ele escolheu a rota oposta e fez um Superman ainda mais sombrio e desconfortável em seu papel no novo filme. Servir de inspiração definitivamente não é com ele.

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Snyder com seu Aquaman, Jason Momoa, na pré-produção de Liga da Justiça

Por outro lado, ainda bem que Ben Affleck entende qual é a do Batman, e é sua interpretação que salva o Cavaleiro das Trevas de uma total descaracterização. Assim como ele não "pega" o Superman, Snyder não entende o que faz o Batman funcionar. Embora sua inspiração seja a série Batman: O Cavaleiro das Trevas, em que Frank Miller redefiniu o herói em 1986 como uma força anárquica que faz o que é certo a qualquer custo, aparentemente sua leitura foi superficial. Em Batman vs Superman, o herói é um soldado com o dedo coçando para apertar o gatilho, a materialização dos grandes sonhos de um Bolsonaro da vida, para quem bandido bom é bandido morto – o que não poderia estar mais distante do que define o personagem.

Daí vem o problema principal. Em Liga da Justiça, além do Superman e do Batman, Snyder terá o controle dos primeiros passos de outros grandes ícones do universo DC: Mulher-Maravilha (melhor coisa em Batman vs Superman, talvez até por seu pouco tempo em cena), o Flash, Aquaman e Cyborg. Se ele mantiver a mesma visão que já perdura dois filmes, qualquer vontade de criar um filme de super-heróis divertido (não é esse o objetivo?) será obliterada pela ânsia de deixar tudo "sombrio e realista" – e arrastado, confuso, equivocado e chato. As pistas não animam. Snyder deixou claro, por exemplo, que seu Flash não será o mesmo da atual (e bem sucedida, e excelente) série de TV porque "sua visão não comporta um personagem com tanta leveza". Como resultado, sai Grant Gustin, entra Ezra Miller.

Se a ideia sugerida em Batman vs Superman é introduzir mundos alienígenas e o vilão Darkseid em Liga da Justiça, não existe melhor exemplo moderno que a reinvenção do grupo no selo Os Novos 52, lançado há alguns anos pela DC. Nas mãos da dupla Geoff Johns (que é produtor executivo dos filmes da DC) e Jim Lee, o gibi da Liga ganhou escopo épico e um senso de aventura e perigo. Cada personagem é bem definido, sua interação ajuda a narrativa e os riscos não são menores porque a série se atreve a ser divertida. Super-heróis, em especial os da DC, são um símbolo de esperança, são arquétipos não de quem somos, mas de quem almejamos ser. É isso que faz deles tão especiais. É isso que Zack Snyder parece não compreender. E é por isso que ele tinha de pedir para sair.

 

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.