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Por que o Homem-Aranha em Guerra Civil é a melhor versão do herói no cinema

Roberto Sadovski

07/05/2016 03h59

Marvel's Captain America: Civil War Spider-Man/Peter Parker (Tom Holland) Photo Credit: Film Frame © Marvel 2016

Capitão América: Guerra Civil está em cartaz há duas semanas. E até agora eu não li/ouvi em nenhum lugar uma reclamação, em teoria, óbvia: "Está muito cedo para um reboot do Homem-Aranha no cinema". É lugar-comum. A última vez que o herói deu as caras no cinema foi em 2014, quando Andrew Garfield liderou O Espetacular Homem-Aranha 2, continuando a tal "história não contada" do personagem, revelando alguns segredos (irrelevantes, a bem da verdade) e fechando com um gancho para próximas aventuras (que, a essa altura, vão ficar em alguma gaveta hollywoodiana). Em dois anos, a Sony (responsável pelo herói no cinema) encerrou essa versão, fez um acordo com a Disney/Marvel para compartilhar o personagem e, agora, temos uma versão novinha na pele de Tom Holland.

Dois anos para reinventar um personagem pode parecer pouco tempo. Mas ninguém achou ruim porque esta é simplesmente a melhor tradução do Aranha para o cinema. De longe!

Para entender o motivo dessa novíssima versão do Aranha ter acertado tanto no alvo, vamos voltar o reloginho e dar uma olhada no que fazia as outras interpretações do herói no cinema funcionarem – ou não. Ah, estou ignorando total a versão para a TV dos anos 70, que chegou a ter dois longas exibidos no Brasil, por um motivo bem simples: nenhum Homem-Aranha de respeito dispara cadarços de sapato no lugar de teias. Nem a nostalgia salva….

A Era Tobey Maguire!

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Em 2002, o panorama dos filmes de super-heróis era bastante diferente da diversidade nos cinemas hoje. Batman encontrava-se adormecido. X-Men, um sucesso moderado, havia saído apenas dois anos antes. O público não estava acostumado a ver os heróis dos gibis no cinema, então havia muita dúvida e desconfiança sobre o que seria aceito, o que não seria. Quando Sam Raimi, um fã confesso do herói, assumiu a direção da produção, foi montada uma operação de guerra para equilibrar o que o estúdio pretendia do filme como produto e o que o diretor planejava fazer como artista e como entusiasta do personagem.

O resultado foi Tobey Maguire como Peter Parker. Talvez um pouco velho para retratar um moleque ainda no colégio, mas este foi um detalhe compensado com um filme com coração gigante. Havia paixão em cada pedaço de Homem-Aranha, que tomou diversas liberdades com a série de quadrinhos (como os disparadores de teia orgânicos) e entregou uma aventura mirando em todo público possível – fãs e não iniciados, meninos e meninas, com um equilíbrio bacana de ação, romance e perigo. O traje do Aranha era uma versão incrível de sua roupa nos quadrinhos, super estilizada, impossível para um moleque sem grana do Queens manufaturar, mas nada importava: era o Homem-Aranha, e era real.

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Em mais dois filmes, Raimi aumentou as apostas e, depois, naufragou sob seu próprio peso. Homem-Aranha 2, de 2004, é uma das aventuras com super-heróis mais perfeitas do cinema, completa com um vilão trágico (o Dr. Octopus interpretado por Alfred Molina), conflito entre os personagens e decisões de vida ou morte. Já o terceiro filme, de 2007, trouxe a ambição de um estúdio querendo apostar em tudo de uma só vez. Mais vilões! Mais mocinhas! Mais drama! Mais ação! E o infame Peter Parker emo…

No fim, a versão de Tobey Maguire para o Aranha pecou por envelhecer rápido demais. No terceiro filme, ele já queria pedir sua amada, Mary Jane, em casamento! Em cinco anos e três filmes, ele passou de moleque do colégio que ganha poderes fantásticos a jovem adulto com planos de formar uma família. O público estranhou: em sua essência, e em seus anos formativos, o herói é um moleque descobrindo, com dor, perdas e triunfos, que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Foi um erro, mas os acertos de duas aventuras irretocáveis fez com que a primeira encarnação do Homem-Aranha no cinema fosse uma bola dentro.

Andrew Garfield Entra em Cena!

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Homem-Aranha 4, com Raimi no comando e Maguire como o herói, era uma realidade. Até deixar de ser. O estúdio não enxergava na mesma sintonia do diretor, que queria se redimir do gigantismo de seu terceiro filme conduzindo o herói, e todos acharam melhor apertar as mãos e seguir seu rumo. Mas um produto corporativo precisa se mexer para manter as engrenagens suaves. O diretor Marc Webb, do sucesso modesto (500) Dias Com Ela, assumiu o leme e escolheu Andrew Garfield para ser o novo Peter Parker. O ator foi uma escolha de primeira, já que equilibrava a figura do adolescente angustiado com o herói relutante com perfeição.

Infelizmente, O Espetacular Homem-Aranha, de 2012, ficou aquém de seu protagonista. Vai entender, mas a decisão dos produtores foi fazer uma aventura soturna, com a ambição de revelar a "verdadeira história"por trás da origem do herói, da morte de seus pais, das experiências que o levaram a ganhar seus poderes. Achar motivos racionais para tudo – o que, honestamente, ninguém em quase cinco décadas de Homem-Aranha estava nem um pouco preocupado em descobrir. O filme recontou de forma bisonha a origem do herói, trocou seis por meia dúzia no gatilho que o faz combater o crime (a morte de seu tio Ben) e trocou o papo de poder e responsabilidade por uma história de vingança tola.

Spider-Man delivers the debut trailer for Columbia Pictures'

Garfield, por sua vez, fez o que pode – e o fez com louvor. Sua química com Emma Stone (a namoradinha Gwen Stacy) é de brilhar os olhos, seus momentos com sua tia May (Sally Field) são de fato emocionantes. Mas não só o tom estava errado, como também seu traje, uma versão cospobre do traje clássico – a tal busca por "realismo" entrando em cena. Quando a continuação chegou aos cinemas em 2014, o uniforme estava arrumado, e era sua melhor versão no cinema até então. E era palpável o carinho que todos os envolvidos tinham pelo Homem-Aranha, que agora surgia num filme mais solar, mais colorido, mais divertido.

Ainda assim, a trama totalmente inchada, ainda atrás de uma "história nunca contada" começava a emperrar a narrativa. Sem falar que Os Vingadores, lançado em 2012, deixou todo estúdio com um super-herói em mãos ávido para criar um universo compartilhado para chamar de seu. Problema grande: o Aranha é um só! Impossível criar uma rede de filmes interconectados – acredite, uma aventura solo da Tia May realmente estava nos planos. As dezenas de focos narrativos (a verdade sobre seus pais; o relacionamento com Gwen Stacy; a ameaça do vilão Electro; o surgimento do novo Duende Verde; a sugestão de vários outros vilões, todos criados sob jugo da Oscorp, ponto focal também dos poderes de Peter) fizeram com que o filme jamais decolasse. A Sony tinha um problema em mãos. E a solução foi fechar a lojinha, mais uma vez, mas agora por uma boa causa…

Tom Holland, A Marvel e o Aranha Volta Para Casa!

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AVISO AOS NAVEGANTES: SPOILERS DE GUERRA CIVIL DAQUI PARA FRENTE!!!!

Ninguém tem mais carinho pelos personagens da Marvel do que a própria Marvel. Os treze filmes de seu universo cinematográfico são a prova que todo conceito, todo super-herói, toda origem e toda relação entre eles é possível ser traduzida dos gibis para o cinema com maestria. O Homem-Aranha no cinema pertence à Sony. Mas um acordo de cavalheiros entre os estúdios permitiu que o herói fizesse parte deste universo. E sua introdução, em Capitão América: Guerra Civil, é espetacular. Na verdade, é tão acertada, tão em sintonia com o personagem, que é impossível não sentir um misto de raiva e decepção em ter visto cinco filmes não acharem este equilíbrio perfeito.

E todo o trabalho de desenvolvimento de personagem é feito em duas cenas. Na primeira, Tony Stark (Robert Downey Jr.) vai ao Queens para recrutar o moleque que ele, por ter olhos em todo o planeta, viu em ação em registros amadores. Peter, que vive com sua tia May (Marisa Tomei), custa a admitir sua identidade, revela que ganhou os poderes há seis meses e resolve sua motivação em uma frase: "Se eu pode fazer as coisas que eu faço e não faço nada, e então as coisas ruins acontecem, então a culpa é minha". Stark entre em sua vida como um mentor, e levar este moleque de 15 anos para um campo de batalha na Alemanha é arriscado, mas um passo lógico. Stark, afinal, enxerga o quanto o Homem-Aranha é poderoso, o quanto ele tem potencial, e vê oportunidade de desenvolver esse talento e essas habilidades sem, talvez, o adolescente ter de enfrentar toda a dor que o próprio Stark enfrentou.

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Rapazes e moças: isso NÃO É cena do filme!

Daí vem o segundo acerto: o Homem-Aranha é um moleque em um mundo de adultos. É exatamente como Stan Lee o criou em 1963, e é exatamente o que o faz diferente de todos os outros super-heróis. Ele não é um adulto com responsabilidades adultas: é um adolescente que vê em suas mãos um poder que, se usado de forma errada ou não usado de forma alguma, tem potencial para causar danos irreversíveis. É um peso enorme para Peter carregar, e ele o faz com responsabilidade por saber que tem grandes poderes. E não esconde seu total deslumbramento pelos outros sujeitos fantasiados quando a ação explode em Guerra Civil. Ele leva nossos olhos e, como um geek de ciências com uma metralhadora vocal, não se contém ao ver o braço de metal do Soldado Invernal, as asas do Falcão ou o escudo do Capitão América. "Essa coisa não obedece a nenhuma lei da f'ísica", dispara, indignado.

O que nos leva ao terceiro acerto. Nas mãos da Marvel, o Aranha encontrou seu intérprete perfeio, na idade perfeita, sem a menor pressa de tornar-se adulto, e com potencial para uma série de filmes brihante. O diretor do drama indie Cop Car, Jon Watts, já está trabalhando em Spider-Man: Homecoming, que estreia em 2017. Para melhorar, e dar continuidade à sua introdução em Guerra Civil, Tony Stark já está escalado para o filme, que traz um fôlego adolescente muito bem vindo a um universo cinematográfico extremamente plural. "Queremos fazer algo como os filmes de John Hughes", avisou o produtor Kevin Feige. Melhor modelo, acredite, não existe.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.