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Novo Tartarugas Ninja só funciona para a petizada... mas não é a intenção?

Roberto Sadovski

17/06/2016 06h19

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Quando As Tartarugas Ninja ganhou uma versão para o novo século em 2014, sob as asas do produtor Michael Bay, o baque foi forte. Sairam de cena os personagens fofinhos, imortalizados pela série animada dos anos 80 – e por um trio de filmes live action na década seguinte -, e em seu lugar surgiu um quarteto anabolizado, músculos pipocando, criaturas capazes de assustar as criancinhas. Claro que era só a superfície. Apesar da maquiagem digital radical, os mutantes adolescentes Leonardo, Raphael, Donatello e Michelangelo continuaram os mesmos super-heróis malacos, dedicados a proteger Nova York. O problema é que o filme, dirigido por Jonathan Liebesman, parecia hesitante em jogar o holofote em seus protagonistas, colocando o foco na repórter April O'Neil (Megan Fox) e numa trama que desperdiçava o potencial da equipe.

A boa notícia é que este As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras é melhor que seu antecessor em todos os aspectos. A história é mais redondinha, o filme não tem o menor receio em abraçar os aspectos mais absurdos do cânone da série e os heróis cascudos estão firmes no centro da narrativa. A notícia não tão boa é que, como cinema, a nova aventura continua mais preocupada com barulho do que com estofo. Não que tenha algo errado em colocar as tartarugas em um espetáculo de ficção científica sem preocupação com densidade. Apesar da legião de fãs com mais de 30 que se agarram a cada pedaço de nostalgia da época logo depois que eles deixaram de usar fraldas, Fora das Sombras é um filme simples por um motivo ainda mais simples: é para crianças. E, para a molecada, funciona que é uma beleza!

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Stephen Amell e Megan Fox não estão ficando… ainda

Ainda operando às escondidas, os heróis ninja tentam impedir que o Clã do Pé liberte seu líder, o Destruidor (Brian Tee). É quando entra em cena um novo jogador, o conquistador interdimensional Krang, que quer usar o vilão na Terra para montar um dispositivo capaz de trazer sua máquina de guerra a nosso planeta. Para manter as tartarugas longe, o Destruidor usa uma gosma alienígena para transformar dois capangas, Bebop (Gary Anthony Williams) e Rocksteady (o lutador Sheamus) em um javali e um rinoceronte humanóides. Daí vem a pegadinha: a mesma gosma pode tornar os cascudos, humanos, o que causa uma cisma no quarteto. Tudo é desenvolvido pelo diretor Dave Green (da animação Terra para Echo) sem maiores consequências, com pouco senso de risco, mas alinhavado com cenas de ação enfileiradas como um video game, com o chefe da fase mais e mais perigoso até o clímax bombástico – exatamente a linguagem que a petizada entende e abraça.

Cada elemento de As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras recupera uma referência ora da série animada, ora dos quadrinhos originais dos heróis, publicados no começo nos anos 80. O novo filme coloca atores bacanas em papéis-chave, como o justiceiro Casey Jones (Stephen Amell, da série Arrow) e o cientista Baxter Stockman (Tyler Perry, que deve ter feito o filme para as crianças na família). Laura Linney inexplicavelmente entra na dança, assim como Will Arnett, mais uma vez como alívio cômico. O apelo nostálgico pode trazer fãs antigos, mas traz também uma outra característica: a longevidade das Tartarugas Ninja como propriedade intelectual, um produto comercialmente viável mesmo depois de três décadas (entre altos e baixos), atesta não apenas sua qualidade, mas também a falta de criações contemporâneas capazes de se conectar com públicos tão diversos. O mundo do entretenimento vive de reciclagem, e a quantidade geometricamente maior de reboots, refilmagens e continuações invadindo o cinema a cada ano, em detrimento de novos conceitos, mostra que manter o olhar no passado ainda é um bom negócio.

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Rocksteady, Bebop e o valor da nostalgia em um produto pop

No caso dos personagens criados por Kevin Eastman e Peter Laird, a reinvenção é fator determinante. Desde que saíram da imaginação dos autores para as páginas de suas primeiras edições, realizadas de forma independente e em preto e branco, as Tartarugas Ninja passaram por diversas encarnações, novos designs, sempre antenados com a época em que ressurgiam. O aspecto mais agressivo da versão hoje em cartaz nos cinemas reflete outros produtos, especialmente em videogames, consumidos por seu público alvo principal. Para uma gurizada de 10, 12 anos, acostumada com tramas e personagens mais intensos nos X-Box da vida, fazer com que o quarteto ninja pareça mais bombado e ameaçador não é uma mudança tão fora da curva. Simplesmente faz parte do pacote.

E é exatamente isso que As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras é: um pacote de entretenimento, desenhado para manter uma marca ativa, um público específico empolgado e o negócio da nostalgia em movimento. É de se lamentar que os realizadores de filmes assim (ou Transformers, ou G.I. Joe) não sintam necessidade de colocar mais esforço em criar um produto com mais qualidade. Não é um filme para avançar uma mitologia. É uma engrenagem bonita, colorida, que ensaia algum valor moral mas termina como diversão descartável. Não tenho certeza se, como conceito, as Tartarugas Ninja poderia ir além. Mas, como prova de que nostalgia ainda vende, mesmo reciclada como pacote moderno, é exemplar.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.