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Sequências lançadas décadas depois do filme original ainda tem algum gás?

Roberto Sadovski

28/06/2016 07h21

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Independence Day: O Ressurgimento estreou neste fim de semana em boa parte do planeta… E boa parte do planeta deu de ombros. Vamos aos números que eles são sempre precisos. A aventura de ficção científica – um filme, por sinal, grandão, bocó e divertido – estreou em segundo lugar no mercado americano, com 41 milhões de dólares em caixa, comendo poeira de Procurando Dory (este, já em sua segunda semana, mordeu 73 milhões, já somando 290 milhões em caixa). Duas décadas atrás, Independence Day chegou aos cinemas com 50 milhões de dólares, um fenômeno que, só nos Estados Unidos, chegou a 306 milhões (ou 594 milhões corrigidos pela inflação de vinte anos). Vai ser tarefa impossível o novo filme sonhar com este resultado. No Brasil, Ressurgimento chegou aos cinemas com gordos 9,6 milhões de reais, arrastando 533.618 pessoas aos cinemas. Nada para se envergonhar, mas bateu nas canelas do romance Como Eu Era Antes de Você que, em sua segunda semana, somou mais 9 milhões à sua receita, mas levou 601.668 pessoas para chorar juntinhos. Na trave!

Se há duas décadas o filme imperdível era Independence Day, sua continuação lançada agora se tornou uma curiosidade, um apêndice em uma história redondinha que o público não se sentiu na urgência de conferir. Vinte anos é, afinal, um tempo considerável, e assumiu que os aliens de Roland Emmerich continuariam parte do zeitgeist seria, talvez, pedir demais. O cinema, claro, sempre pede demais, e o abismo de décadas entre alguns filmes que voltam em cartaz mostram a voracidade não só em apelar para a nostalgia, como também apostar em um produto que, no mínimo, já cheguei ao público com algum elemento reconhecível. Mas o que vale para Star Wars ou Batman, que ficam anos fora das telas mas nunca fora do inconsciente coletivo graças à sua presença onipresente em diversas manifestações da cultura pop, nem sempre vale para Tron. Ou Wall Street. Ou Independence Day.

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Três décadas entre o terceiro e o quarto Mad Max só reenergizaram o diretor George Miller

Um filme é, afinal, um produto. Pode surgir de uma necessidade criativa ou ser bolado por um comitê de executivos, mas ainda assim é um produto. Como tal, precisa encontrar aquele elemento que o conecte à plateia. Mad Max: Estrada da Fúria, chegou aos cinemas ano passado trinta anos depois de Mad Max Além da Cúpula do Trovão. Mas o filme de George Miller não buscou apenas recriar os passos de seus antecessores: ele criou uma nova cartografia para levar o cinema de ação a seu limite, oferecendo algo genuinamente novo. O resultado foi 380 milhões de dólares nas bilheterias, uma dezena de indicações ao Oscar e, de longe, o melhor filme lançado nos cinemas em 2015. Fúria, claro, é a exceção em um mundo que não deu a mínima para as continuações de Debi & Lóide (lançado vinte anos depois do original), Carrie, a Estranha (22 anos), Os Irmãos Cara-de-Pau (dezessete anos) ou O Tigre e o Dragão (quinze anos).

Um abismo entre filmes não significa que a continuação será ruim, ou apenas uma desculpa para faturar em cima de uma marca conhecida. Sylvester Stallone cometeu um dos piores filmes de sua carreira em 1990 com Rocky V, mesmo trazendo de volta o diretor do Rocky original, John G. Avildsen. Dezesseis anos depois ele retornou com um filme mais vigoroso e que de fato tinha uma história a ser contada: Rocky Balboa recuperou o charme de azarão do primeiro longa e abriu caminho para Stallone mergulhar no excepcional Creed, ano passado. Os 25 anos que separam Desafio à Corrupção (1961) de A Cor do Dinheiro (1986) só deixaram Paul Newman mais calejado, mais experiente e mais crível – tanto que sua segunda jornada como o jogador de sinuca Fast Eddie Falson lhe rendeu o Oscar de melhor ator.

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Jack Nicholson até dirigiu (!) A Chave do Enigma para agradar seu ego

Ainda assim, é pedir demais para que o público abrace um filme, décadas depois de uma primeira parte, quando diretores, produtores e atores estão em uma fase tão diferente de suas carreiras. Quando Jack Nicholson fez Chinatown em 1974, ele tinha sangue nos olhos: ao lado de Gene Hackman, era o ator que melhor representava o cinema autoral, urgente, incômodo e absolutamente original dos anos 70. Já A Chave do Enigma, de 1990, existe por pura vaidade. Nicholson estava em seu auge como astro, depois de As Bruxas de Eastwick e Batman, e voltou ao papel do investigador J.J. Gittes também como diretor do filme – com resultados críticos e financeiros desastrosos. Vai entender tambem por que Ridley Scott voltou ao mundo de Alien – O Oitavo Passageiro 33 anos depois com Prometheus. Todo o charme, senso de perigo e beleza narrativa da ficção científica de terror original foi substituido, neste prequel irrelevante, por muito barulho e muita fumaça. Ano que vem, Sir Ridley está de volta ao mesmo universo com Alien: Covenant, e eu só posso esperar que um pouco do espírito de aventura de Perdido em Marte tenha permanecido em seus ossos…

A verdade é que, na esmagadora maioria dos casos, os realizadores do filme original não tem absolutamente mais nenhuma relação com sua obra, que termina nas mãos de produtores ávidos para arrancar qualquer história e espremer até a última gota de lucro que uma propriedade intelectual pode oferecer. Não raro, algumas continuações que duram anos para surgir terminam despejadas no mercado de home video (precisamos de um nome melhor pra isso….), surpreendendo o cinéfilo incauto que se depara com continuações de Sem Destino (Easy Rider: The Ride Back, 2012), O Homem de Palha (The Wicker Tree, 2011), Um Tira no Jardim de Infância (25 anos depois, sai Sckwarzenegger, entra Dolph Lundgren), Os Garotos Perdidos (não uma, mas duas sequências, vinte anos depois do filme de 1987, os terríveis The Tribe e The Thirst), Um Herói de Brinquedo (dezoito anos depois, sai Schwarzenegger, entra…. Larry, The Cable Guy?) e Dirty Dancing (Havana Nights, dezesseis anos de Patrick Swayze não deixar Baby no canto, é um horror).

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Dory chega treze anos depois de Nemo misturando o velho e o novo

No fim das contas, tudo depende do carinho de quem faz. John Boorman retomou sua semi-autobiografia cinematográfica de maneira delicada e leve – o que é um feito e tanto para filmes passados durante e logo após a Segunda Guerra Mundial. Esperança e Glória (1987) foi mais festejado, com cinco indicações ao Oscar, inclusive melhor filme e melhor diretor. Quase três décadas o separam de Rainha e País (2014), que manteve a mesma elegância e economia narrativa. John Boorman, aos 83 anos, merece aplausos em pé! O mesmo pode ser dito de Denys Arcand, diretor canadense que explorou as sutilezas de diferenças de gênero, sexo e política no delicioso O Declínio do Império Americano em 1986, e juntou o mesmo grupo de personagens dezessete anos depois em As Invasões Bárbaras, com o mesmo charme e a vantagem de contar com a passagem do tempo para refletir sobre idade, vida e morte.

O próprio Procurando Dory, que chega aos cinemas econômicos treze anos depois de Procurando Nemo, impediu um triunfo maior de Independence Day: O Ressurgimento nos cinemas ao reconectar a plateia com personagens que não deixaram o imaginário de seu público alvo, mas teve o cuidado de mudar levemente o foco da história para entregar algo ao mesmo tempo familiar e novo. Animações tem a vantagem de manter-se relevantes com o tempo não só por ter um elenco eternamente "jovem", mas também porque a criançada é mestre em repetir as sessões de um filme indefinidamente – seja em DVD, blu ray, Netflix, até como história de ninar. Não é ao acaso que o maior intervalo entre duas filmes seja justamente de um desenho animado: entre Bambi e sua continuação, lançada direto para vídeo (sério, precisamos de um termo melhor), passaram-se 64 anos.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.