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Carrossel 2 é fraco... mas é também o filme que o cinema brasileiro precisa

Roberto Sadovski

07/07/2016 22h17

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A lembrança é bem nítida. O cinema lotado, filas e mais filas para garantir uma poltrona, neste dia eu não tive tanta sorte e sentava no chão mesmo. O filme era O Incrível Monstro Trapalhão, estávamos em plenas férias de verão de 1981, e a trupe comandada por Renato Aragão reinava suprema. Ao fim de sua temporada, a comédia de aventura dirigida por Adriano Stuart, que parodiava Superman, Hulk e O Médico e o Monstro em uma trama sobre um supercombustível para carros de corrida (!), levou 4,2 milhões de pessoas aos cinemas. Uma multidão absurda – que não configura nem entre as dez maiores bilheterias do quarteto.

O cinema brasileiro foi erguido sobre a espinha dorsal da comédia. De Oscarito a Mazzaropi, passando obviamente pelos Trapalhões, fazer rir sempre foi o motor que carregada a produção nacional a reboque. O sucesso dos filmes estrelados por Didi e Dedé (e, depois, Mussum e Zacarias) aponta outro elemento no caldo: a preocupação em levar a molecada aos cinemas. Minha educação cinematográfica básica foi via Trapalhões – às vezes conduzidos por Stuart, em sua maioria dirigidos pelo gênio J.B. Tanko. Período de férias escolares era batata: Trapalhões no cinema. Nas Minas do Rei Salomão, Os Saltimbancos e Na Guerra dos Planetas, só para molhar o dedo no lago, eram toscos mas honestos, despretensiosos e absurdamente divertidos, com vilões de papel e heróis de fibra moral. Claro que o programa semanal na Globo era a melhor propaganda, e vários outros fatores políticos e econômicos entram na mistura. Mas o fato é que os cineastas do cinemão tupiniquim atual dariam um dedo por uma fração do sucesso do grupo.

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O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão levou 5,7 milhões de pessoas ao cinema em 1977

O que nos leva a Carrossel – O Filme, que ano passado levou mais de 2 milhões e meio de pessoas ao cinema, e o novo Carrossel 2. Muita gente torce o nariz para a adaptação da novelinha infantil do SBT para a tela grande. Muita gente prefere estufar o peito e dizer que "bom mesmo é filme tal", que pena para arrastar 100 mil pessoas que seja para comprar um ingresso, mas é "inteligente, profundo, importante". Ok, muitos de fato são tudo isso. Mas, quer outro fato? O cinema precisa não só das filas imensas, como também criar uma nova geração que tome gosto em sair de casa, comprar pipoca e entrar no espírito. Vale lembrar que a minha geração (sim, sou velho) não tinha uma infinidade de traquitamas redutoras de atenção, o que faz com, manter a gurizada de hoje de olho no filme projetado, é um feito e tanto. Os Trapalhões fez isso comigo. Carrossel, não duvide, certamente faz o mesmo com uma fatia do público – parte daqueles 2,5 milhões lá no alto que, quem sabe, tome gosto pela coisa e faça do ritual um hábito.

Essa continuação, dirigida por Maurício Eça, não é de forma alguma um filme memorável. O roteiro tem rombos de lógica do tamanho de uma cratera. O elenco infantil já deixa de lado a inocência de estudantes fofinhos e passa a ser mais e mais irritante, ainda que de leve, como todo adolescente. Mas é um filme colorido e agitado, que exige zero esforço da massa cinzenta, trazendo heróis de fibra moral inabalável (e não dá para ser mais boazinha e correta que a professora Helena, defendida por Rosanne Mulholland) e vilões caricatos que não falta nem o bigode pontugo (Paulo Miklos e Oscar Filho, mais entrosados e com mais química do que no primeiro filme).

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A professora Helena (Rosane Mulholland) e a turma de Carrossel 2

A trama acompanha o rapto (vou jogar umas aspas, o "rapto") da enjoadinha Maria Joaquina (Larissa Manoela), levada em um plano de vingança da dupla de facínoras. Cabe à turminha da Escola Mundial cumprir uma série de provas "humilhantes" para satisfazer a sanha dos bandidões e salvar a colega. O filme tem romance teen, tem chororô, tem música, tem gancho para uma continuação – não sei se com a criançada, mas não seria ruim ver um spinoff estilão Minions com Gonzales (Miklos) e Gonzalito (Oscar que, só para deixar beeeem claro, já trabalhou com este que vos digita em um programinha online bacana e extinto), que são mesmo a melhor coisa do filme.

Em 2015, Carrossel – O Filme só ficou atrás de Meu Passado Me Condena 2, Vai Que Cola e Loucas Para Casar. Ficou com 1 milhão de espectadores à frente do quinto filme mais visto, S.O.S. – Mulheres ao Mar. Entre os trinta filmes brasileiros com maior público (e eu estou colocando produções que tiveram rídículos 30 mil pagantes), é o único assumidamente infantil. Os Caras de Pau em O Misterioso Roubo do Anel, com Leandro Hassum e Marcius Melhem, mirou no "espírito" dos Trapalhões mas não acertou nem um pardal. Nas próximas semanas, vamos observar como Carrossel 2 – O Sumiço de Maria Joaquina se comporta entre um tiroteio que traz como concorrentes Procurando Dory, A Era do Gelo – O Big Bang e, vá lá, Caça-Fantasmas. Se bem sucedido, só vai provar que as pessoas que conduzem o mercado de cinema no Brasil não aprenderam a olhar direito ao passado: menos Cinema Novo, mais entretenimento pop. Entre Os Trapalhões e a turma que se coça para ganhar prêmios em festivais internacionais, eu não tenho nenhuma dúvida sobre qual seria o melhor exemplo.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.