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Novo Caça-Fantasmas não vai reescrever o passado: o original ainda é melhor

Roberto Sadovski

22/07/2016 14h56

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Engraçado como as coisas são. Por anos e anos, Os Caça-Fantasmas, a comédia sobrenatural dirigira por Ivan Reitman em 1984, manteve-se firme no posto de clássico moderno. O filme é um acidente feliz: tantas engrenagens que poderiam desandar resultaram numa pérola pop perfeita, que segurou as pontas por décadas, envelhecendo absurdamente bem e mantendo sua iconografia (O logo! O carro! A música! Geleia!) firme e forte sem ter de depender de um universo de produtos paralelos. Com a estreia do filme novo, porém, e a "polêmica" que ele arrastou, eu observei a vontade de muita gente entusiasmada em diminuir o original para atribuir ao reboot mais peso, mais relevância. Mas ele não tem essa moral toda. A decisão de tocar o filme com quatro comediantes é bacana e tem seus méritos. Se for para comparar, porém, o novo elenco perde em carisma, o novo filme perde em timing cômico, o novo roteiro perde em originalidade e coerência. Não chega aos pés!

A verdade é que ter quatro mulheres como protagonistas é irrelevante. Podia ser um paquistanês, uma policial trans, um jogador de futebol americano gay, uma dona de casa gostosona e um cachorro: não faria a menor diferença. Como eu mencionei em minha crítica no Nerdovski, é uma polêmica burra, que o próprio diretor Paul Feig tentou se afastar: "Fiz um filme para todo mundo", cansou de repetir. Ainda assim, vários "guerreiros sociais" encararam o novo Caça-Fantasmas como um atestado de mudanças em Hollywood, como um ícone de resistência super corajoso por peitar fãs machistas e misóginos ao escalar um quarteto de mulheres para caçar fantasmas. Rapazes e moças, não é nada disso. Nem um pouco. É óbvio que o cinemão só ganha com mais representatividade – não por uma suposta justiça social, mas simplesmente por ser bom para os negócios. É matemática pura: quanto mais o público se enxergar em cena, mais ingressos serão vendidos.

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As novas Caça-Fantasmas protagonizam um filme bacana

Ainda assim, vira e mexe pinta uma análise sobre a homossexualidade de um personagem "reprimida" pelo estúdio. Ou um suposto racismo em colocar, mais uma vez, uma atriz negra não como cientista, mas como parte do proletariado. Honestamente, nunca li tanta bobagem. Caça-Fantasmas versão 2016 é um bom filme por ter um bom time no comando. Paul Feig não quis levantar nenhuma bandeira quando escolheu suas protagonistas, ele simplesmente manteve o trabalho que sempre fez. Afinal, quando o estúdio entrega a responsabilidade de revigorar uma série com três décadas para o diretor de Missão Madrinha de Casamento, As Bem Armadas e A Espiã Que Sabia de Menos, sabe exatamente o que esperar. "Escolhi as pessoas mais engraçadas que conheço para fazer o filme", repetiu Feig à exaustão. Não é assim tão complicado.

Às vezes, um filme é só um filme – e os personagens que os habitam não querem levantar alguma questão, cumprem sua função narrativa e seguem em frente. Independence Day: O Ressurgimento tem um casal gay: o cientista Brakish Okun (Brent Spiner), em coma desde o primeiro filme, acorda com a nova ameaça e descobrimos que ele tinha um parceiro. E pronto, é toda informação necessária, já que sua orientação sexual não traz nenhum peso à trama. Um dos trailers de Procurando Dory trouxe duas mulheres vistas por uma fração de segundos, mas foi o que bastou para começar o barulho que a Pixar estaria apresentando seu primeiro casal de lésbicas. O diretor Andrew Stanton, confrontado com a possibilidade, disparou: "Elas são o que vocês quiserem que sejam". Muita gente fez bico, dizendo que era uma "oportunidade perdida". Não era. Não era nada, na verdade, nem personagens, só figurantes digitais, com impacto zero para o filme.

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Os Caça-Fantasmas originais, não aceite imitações

A questão da representatividade no cinema é importante e jamais deve ser minimizada. Melhor ainda, jamais deve ser minimizada com barulho inútil. A lógica interna de qualquer filme obedece ao roteiro; qualquer distração é só isso, uma distração. Hollywood tem mudado, organicamente, o modo de se dirigir a certos recortes de seu público que, até poucos anos, era completamente ignorado. Star Wars: O Despertar da Força não teve um negro e uma mulher como protagonistas ao acaso, mas o filme também não se ancora nisso para funcionar. Velozes & Furiosos é a série cinematográfica com maior diversidade em seu elenco, e isso ocorre de forma natural. Lembro de parte do público trans reclamando que Eddie Redmayne, e não uma mulher trans, foi escolhido como protagonista de A Garota Dinamarquesa: cinema, que fique claro, não existe para preencher cotas, e sim para colocar em cena a visão de um diretor e o elenco que ele acha mais adequado a cada papel. Assim como em Independence Day. Assim como em Caça-Fantasmas.

Engraçado, portanto, como as coisas são. O cinema ainda engatinha em muitas questões, e muitas questões estão atreladas a fatores econômicos e sociais que os estúdios precisam encarar. Mas os estúdios ainda são formados por pessoas, e nem sempre as decisões dessas pessoas estarão alinhadas ao que um grupo específico gostaria. Cultura pop não é um baú com um cadeado, interpretar o que está em cena é prerrogativa de cada um. Ficamos, então, com os fatos. Caça-Fantasmas traz quatro mulheres como protagonistas, o que é ótimo. Elas podem se encaixar em uma visão de gênero a gosto do freguês já que, no fim das contas, não faz a menor diferença para a história sendo contada – o que também é ótimo! Mas Caça-Fantasmas não é, nem de longe, e não importa de que forma seja visto, melhor que Os Caça-Fantasmas.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.