Topo

Por que Esquadrão Suicida ainda não é o filme que vai salvar a DC

Roberto Sadovski

12/08/2016 05h04

O filme da temporada é Esquadrão Suicida, por motivos certos e errados. Uma semana em cartaz já foi o suficiente para a aventura dos vilões da DC dilacerar alguns números nas bilheterias (sua estreia, com 135 milhões de dólares nos Estados Unidos, é a maior do mês de agosto da história), acirrar a disputa entre as grandes editoras de quadrinhos de super-heróis no cinema (uma grande bobagem, mas já chegamos lá) e deixar os executivos da Warner, estúdio que bancou a conta, correndo como as galinhas decepadas em véspera de banquete. Sim, é um filme confuso e divertido, como eu mesmo comentei neste texto aqui. Mas, com os holofotes aos poucos sendo direcionados para seus bastidores, também revela o caos, o nervosismo e o total planejamento (ou falta dele) necessário não só para tecer um filme, mas também como parte de uma engrenagem corporativa maior.

E, como parte dessa engenhoca, Esquadrão Suicida não foi bem sucedido.

Para entender o nó, precisamos voltar um pouco no tempo. Mais precisamente até 2008, quando a Marvel lançou seu Homem de Ferro (e seu Universo Cinematográfico), e a DC contra-atacou com louvor com Batman – O Cavaleiro das Trevas. Diferente dos planos de Kevin Feige e cia. na empresa que, pouco depois, seria comprada pela Disney, o diretor Christopher Nolan não tinha a menor intenção de transformar sua visão do Homem-Morcego (iniciada três anos antes com Batman Begins) em playground para os personagens da editora. A versão realista e sóbria encarnada com brilho por Christian Bale não tinha lugar em um mundo com seres superpoderosos mais rápidos que uma bala, mais velozes que uma locomotiva. E foi perfeito, um acerto de mais de 1 bilhão de dólares. Do outro lado da cerca, porém, a Marvel abraçava sua vocacão fantástica, redefinindo o "filme de super-heróis" com Os Vingadores e um plano de crossovers bem estabelecido, enquanto a saga de Nolan na concorrência chegava em seu terceiro filme (O Cavaleiro das Trevas Ressurge), sem chance de expansão.

669880d7b4dff313_joke32.xxxlarge

Adivinha que cena foi cortada do filme….

Chistopher Nolan foi a salvação e, também, parte do problema. O Homem de Aço, desenhado para a Warner/DC começar sua própria caixa de brinquedos de super-heróis no cinema, só saiu do papel com a bênção do diretor (e com Zack Snyder no comando), mas já dava sinais que o tom da trilogia Cavaleiro das Trevas não tinha espaço em um mundo de semideuses. Batman vs Superman acentuou o problema, insistindo na sobriedade no que, em seu cerne, era uma aventura juvenil, e não um filme para ser levado tão a sério. Os críticos bateram pesado. O público respondeu ao apelo dos heróis, mas não fez BvS bater no bilhão de dólares nas bilheterias projetado (estacionou em impressionantes, ainda que decepcionantes, 870 milhões). "Falta humor", bradaram alguns. "É pesado demais", gritaram outros. No tiroteio, sobrou para David Ayer.

Conhecido por filmes adultos e intensos como Os Reis da Rua, Marcados para Morrer e Corações de Ferro, Ayer recebeu Esquadrão Suicida no colo já com uma data de lançamento, seis semanas para entregar o roteiro (que foi para produção sem o polimento necessário) e a responsabilidade de colocar os planos do estúdio em movimento. O primeiro teaser, lançado na Comic-Con de San Diego em 2015, deixou fãs e engravatados com sorrisos no rosto, embora o tom pop e festivo não fosse exatamente o objetivo do diretor. O que era óbvio: planejado para ser o "Guardiões da Galáxia" da DC no cinema, Esquadrão reuniria personagens secundários em uma equipe com objetivo comum. O grande diferencial é que todos são vilões; nenhum deles é simpático. Mas o que a princípio seria uma perversão do gênero em si foi "suavizado" para a) entregar o humor tão em falta em Batman vs Superman, e b) garantir uns trocados do mesmo público que, além de Guardiões, aplaudiu e conduziu ao sucesso a desconstrução pop que foi Deadpool.

Suicide-Squad-Comedy-Funny-Harley-Deadshot

Oops, they did it again….

Para chegar a esse resultado, o filme de Ayer foi picotado. Literalmente. Seu corte inicial foi testado ao lado de uma montagem alternativa, bancada pelo estúdio com a empresa Trailer Park, a mesma responsável pelo tal teaser da Comic-Con. Mais gráfica e colorida, ela deu o tom que o estúdio procurava, e coube ao diretor arranjar seu trabalho em um híbrido que comprometesse ao mínimo sua visão, mas ao mesmo tempo atendesse o que o estúdio acreditava ser a melhor versão (censura livre) de Esquadrão Suicida. Agora que o gato está fora do saco, os insiders em Hollywood aos poucos vão desvendando a verdadeira natureza do filme, e tudo que ficou no chão da ilha de edição. Para resumir, o Coringa e a Arlequina num relacionamento menos abusivo e mais amoroso (o que resultou na eliminação quase completa da versão do personagem de Jared Leto), uma suavizada no perfil de todos os personagens da equipe (todos vilões e assassinos, mas agora com alguma "qualidade redentora" que os deixasse mais simpáticos), e um rearranjo na montagem, deixando a trama menos trágica e mais pop, mesmo que a coerência narrativa fosse sacrificada. Sequências inteiras foram sacrificadas, a ordem de algumas cenas foi invertida, e o Coringa perdeu sua função dramática: retire Jared Leto do filme e nada vai mudar na trama. A coisa chegou ao ponto de um fã ameaçar processar a Warner por propaganda enganosa!

Até agora, porém, a máquina de marketing se mostrou campeã, visto o sucesso do filme junto ao público em sua arrancada nas bilheterias. Mas o caminho é árduo. Uma queda de receita de 40 por cento da sexta para o sábado em sua estreia não é um bom sinal. A recusa da China (hoje o mercado mais importante do planeta) em exibir o filme pode morder de 150 a 200 milhões de dólares de sua bilheteria final. Para a brincadeira ficar suave, Esquadrão Suicida precisa bater em ao menos 750 milhões em todo o mundo. Uma terceira paulada crítica deixa os engravatados receosos com a direção que dar em seu universo. A responsabilidade em acertar o prumo fica com Mulher-Maravilha e com Liga da Justiça, ambos programados para o ano que vem. Escolher o roteirista Geoff Johns como presidente da divisão de filmes baseados nos super-heróis da DC é uma decisão acertada, mas precisa ser prática, e não controle de danos. E mesmo com os fãs mais hardcore chiando que "a DC é melhor por ser mais séria", quem paga a pintura da parede sabe a real, que não podem mais levar este universo sem o cuidado criativo necessário. Esquadrão Suicida pode ser a bola que antecede o terceiro strike. E o bom jogador sabe, essa é a hora de realmente ficar nervoso.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.