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Por que marcas como Bruxa de Blair se recusam a morrer dignamente

Roberto Sadovski

16/09/2016 04h00

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A Bruxa de Blair foi um fenômeno. Em 1999, quando os longas de terror com o artifício das "filmagens encontradas" não haviam sido explorados à exaustão, o filme foi uma surpresa, uma novidade e um sucesso. Com um orçamento de 60 mil dólares, os diretores Daniel Myrick e Eduardo Sanchez criaram uma experiência apavorante e única que, alavancada com uma internet ainda em seu berço, atiçou a curiosidade do público e nublou a verdade sobre a "mitologia" meticulosamente inventada para o filme. O resultado foram 249 milhões de dólares nas bilheterias. De repente, A Bruxa de Blair não era mais uma curiosidade: era um legítimo arrasa-quarteirão. Eu não tive o privilégio de ver o filme na já lendária sessão de meia-noite no festival de Sundance daquele ano, quando o distribuidor espalhou que, o que aplateia estava prestes a ver, era real. Minha primeira sessão foi em Nova York, noite de estreia, cinema lotado, público apavorado. Uma beleza!

Corta para dezessete anos depois. Bruxa de Blair (perdeu o artigo, que moderno) é uma continuação tardia dirigida por Adam Wingard, que existe unicamente para manter a marca em evidência. Explico. O bem mais valioso que existe no mundo do entretenimento são os IP, ou propriedade intelectual. É o produto que pode ser explorado em múltiplas plataformas, ultrapassando sua origem e aumentando a possibilidade de lucro por onde passa. Como Homem-Aranha. Ou Transformers. Mas um IP atrelado ao cinema de terror é ainda mais valioso, já que filmes do gênero são geralmente baratos para ser produzidos e rodam o mundo com extrema desenvoltura. O passaporte carimbado em dúzias de festivais do gênero pelo planeta significa mais acordos de distribuição – e mais dinheiro no bolso. O filme de Wingard, de tão genérico, podia ser batizado "Floresta do Terror" ou algo do gênero. Mas no momento em que ganha a "marca" Bruxa de Blair, o interesse de distribuidores pelo mundo aumenta. Afinal, os 249 milhões de dólares do filme original ainda levantam sobrancelhas. No fim, é tudo pelo dinheiro.

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Heather Donahue na imagem icônica do Blair Witch original

Não existe, obviamente, nenhum problema em ressuscitar uma propriedade intelectual. Mad Max: Estrada da Fúria retomou a jornada do anti herói de um futuro distópico três décadas depois de sua última incursão em tela grande, e o resultado foi um dos melhores filmes dos últimos anos. Caça-Fantasmas voltou aos cinemas alguns meses atrás, quase trinta anos após a gente ver uma turma eliminando aparições com uma arma de prótons, e ao menos tentou reinventar seu conceito. Marvel, Harry Potter, James Bond, Invocação do Mal, Star Wars… O mundo do entretenimento está abarrotado de produtos que, embora tenham natureza comercial, surgem com qualidade e com cuidado. Muitas vezes, uma marca assim é poderosa mas permanece intocada porque os detentores de seus direitos, em vez de chafurdar em busca de lucro fácil, preferem não mexer em seu legado sem uma ideia de fato desafiadora. Matrix está dormente desde 2003 sem a menor previsão de sair da hibernação. Já Blade Runner, um dos melhores filmes da história,  ganha uma continuação ano que vem e merece atenção por ser tocada por Denis Villeneuve, o diretor genial responsável por Os Suspeitos e Sicario.

Aí está o grande problema de Bruxa de Blair. Não existe talento por trás das câmeras. A preguiça de seus realizadores é tamanha que qualquer preocupação com a história, em expandir a motilogia em cima do que já fora mostrado dezessete anos atrás, inexiste. Não há um lampejo de criatividade, só a repetição de tudo que o filme original mostrou em 1999. Com o agravante de nada mais ter sabor de novidade. Eu saí da sessão sem saber absolutamente nada sobre a bruxa, ou a lenda, ou  floresta, ou a maldição, ou o destino dos personagens do filme original, ou para onde caminham os anônimos da nova empreitada. Os truques de câmera tentam ser inovadores (uau, eles tem um drone e umas câmeras na orelha que parecem bluetooth para usar o telefone no carro) mas se mostram apenas confusos. O elenco é uniformemente inexpressivo, mesm oque tentem injetar algum sentido na trama: o irmão da jovem que rodou o filme original parte em sua procura na mesma floresta em que ela desapareceu (a atriz de A Bruxa de Blair, Heather Donahue, renega o filme, abandonou a carreira artiística e hoje, aos 42, planta maconha medicinal na Califórnia). Tédio.

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"Não entre após o anoitecer." Certo…

Vale lembrar que Bruxa de Blair não é a primeira tentativa de aproveitar uma marca forte. Exatamente um ano depois da estreia do filme original, o talentoso documentarista Joe Berlinger (a série Paradise Lost, Metallica: Some Kind of Monster) cometeu Bruxa de Blair 2: O Livro das Sombras, que partia de uma premissa interessante: um grupo partia para a floresta depois de assistir ao filme A Bruxa de Blair e, isolados em uma cabana, entregavam-se à neurose – e, quem sabe, à própria bruxa. Foi um desastre criativo e financeiro – o orçamento foi 15 milhões de dólares; a bilheteria mal chegou em um quinto do filme original. O tempo, claro, pode ter contribuido para aumentar a mítica em torno da marca, e uma nova geração de fãs de terror talvez encontre algum valor em revisitar o fenômeno. Sem falar que a marca "Bruxa de Blair" pode ajudar o filme a se destacar entre a avalanche de longas do gênero que invadiu os cinemas recentemente, como Quando As Luzes se Apagam, O Sono da Morte e O Homem nas Trevas. Talvez. Se o filme oferecesse algum susto, porém, a tarefa seria mais fácil.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.