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Argentina vai ensinar cinema nas escolas. Será que funcionaria no Brasil?

Roberto Sadovski

20/09/2016 13h05

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Não é de hoje que o cinema argentino ganha de goleada do brasileiro. Mas a nova medida dos hermanos tem efeito de 7 X 1. A Argentina se tornou um dos primeiros países do mundo, após a França, a incluir cinema no currículo de escolas primárias. Na prática, alunos de colégios de sete das 24 províncias do país já estão sendo levadas a cinemas para assistir a produções locais, ao mesmo tempo em que aprendem os básicos sobre como analisar os filmes. A iniciativa, uma parceria do Instituto Nacional de Cinema e Arte Audiovisual da Argentina (o INCAA) com órgãos cinematográficos do governo francês, será avaliada no fim deste mês na feira Ventana Sur, criada em 2009.

"As crianças assistem a pouquíssimos filmes, e menos ainda filmes argentinos", aponta Alejandro Calcetta, presidente do INCAA. "Quando eles assistem algum filme, geralmente é online." O currículo cinematográfico da iniciativa ainda será discutido com o governo de cada província, mas a velocidade com que o projeto foi implantado, cerca de dois meses, mostra que há boa vontade em lhe dar continuidade. Para coroar a ideia, crianças entre 13 e 18 anos são encorajadas a enviar propostas ao INCAA sobre o que o cinema argentino precisa para ser atraente para o público infanto-juvenil. Se a ideia é fazer com que a produção local seja incentivada e conhecida por uma nova geração de cinéfilos ainda em formação, o gol não poderia ser mais certeiro.

Pena que algo assim esteja longe de funcionar no Brasil.

É triste e dolorosamente verdadeiro. O cinema brasileiro ainda sobrevive graças a ação de profissionais apaixonados, que às vezes esperam por anos para que uma ideia seja executada e finalmente termine nos cinemas. Além disso, toda polarização política que se tornou mais aguda nos últimos anos (meses?) parece ter impregnado nosso setor audiovisual. A recente polêmica em torno do drama Aquarius, os protestos de sua equipe em Cannes contra o então governo interino, culminando com a escolha de outro filme, Pequeno Segredo, para representar o Brasil no Oscar, demonstra uma cisma imensa na classe artística. Parece que, no cinema do Brasil, o filme surge sempre como coadjuvante de outras questões, quando deveria sempre, não importa o prisma, ser o protagonista.

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Cartazes das doze maiores bilheterias argentinas em 2015

Levar o cinema para crianças em idade escolar é não somente uma iniciativa perfeita para formar o público, como também é uma maneira dinâmica de levar arte a quem muitas vezes só conhece o imediatismo. Aí reside um segundo problema se houvesse uma vontade de incluir cinema na grade de escolas primárias: o que exibir? O cinema brasileiro é tão rico quanto político, traz pouca diversidade de gêneros, mas também é nosso espelho como sociedade, representando diversos aspectos do país em celulóide. Uma curadoria isenta e inteligente poderia não só fazer uma peneira inicial como também determinar quais filmes seriam mais bacanas e adequados para cada faixa etárias. A história de nosso cinema também é nossa história, e fomentar a discussão sobre quem somos e quem queremos ser entre crianças e adolescentes, usando arte como instrumento, soa quase utópico.

Vou além: por que se prender somente a filmes nacionais? Usado como instrumento para expandir os horizontes, o cinema como parte do currículo poderia apresentar diferentes cinematografias de uma vastidão de países, ajudando os alunos a compreender culturas e comportamentos de várias partes do globo. Deixando os blockbusters de lado – o que seria uma atitude óbvia -, levar o cinema para a sala de aula seria levar a beleza de Kurosawa, a poesia de Truffaut, o lirismo de Fellini, a complexidade de Kubrick, a vastidão de Leone, o poder de Hitchcock. O cinema é a porta de entrada para um mundo vasto e espetacular – foi a minha, provavelmente foi também a sua que está lendo estas linhas.

Se a iniciativa argentina nos ensina alguma coisa, é olhar para o futuro. "O 'cine currículo' foi concebido como um programa que, esperamos, torne-se parte da política estatal", continua Calcetta. "Não é por acaso que na França, onde cinema faz parte do currículo desde 1989, tem uma das maiores fatias de mercado local em toda a Europa, com 35 por cento dos filmes em acrtaz este ano até agosto sendo franceses." A Argentina resolveu seu problema de produção, com o INCAA focando agora em distribuição e exibição. "Se a gente só produzir, mas não tiver como mostrar nossos filmes, o futuro será um cemitério para o cinema", conclui. Para que isso não aconteça, formar público que goste, entenda e consuma filmes, que abrace arte, é vital para a sobrevivência intelectual e histórica de um povo. Uma lição que precisamos aprender por aqui, colocando diferenças políticas mesquinhas de lado, antes que seja tarde.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.