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Com Tom Hanks, arte e correria, Inferno é cópia assumida de Código Da Vinci

Roberto Sadovski

13/10/2016 07h33

inferno

Dan Brown tem basicamente um livro dentro dele, que é Anjos & Demônios. A estreia do simbologista Robert Langdon, publicada em 2000, é leitura ligeira e leve, rasa feito um pires, mas com uma pitada esperta de história e misticismo, misturando pessoas e fatos reais em uma trama apocalíptica estapafúrdia. Colou. Três anos depois, ele passou um verniz na mesmíssima fórmula e transformou O Código Da Vinci em um fenômeno mundial. A estrutura é exatamente a mesma: Langdon é envolvido em um mistério, precisa suar a camisa em um punhado de locações históricas pela Europa e pumba! Mais um best seller para ler no aeroporto surgiu. Hollywood estava de olho, DaVinci virou filme três anos depois com Tom Hanks no papel de Langdon e, mesmo com 759 milhões de dólares nas bilheterias, deixou zero impressão no subconsciente do público.

Quando Anjos & Demônios chegou ao cinema, em 2009, invertendo a ordem cronológica das aventuras do simbologista, o entusiasmo havia arrefecido. O público buscava seus picos de adrenalina em outras estepes e o filme estacionou em 486 milhões globais. Nada mal, mas uma reação pálida comparado a seu antecessor, que mostrou o fim do combustível do expresso Dan Brown no cinema. Tudo indicava ser o fim de Langdon em celulóide. Certo? Bom, errado. Inferno, quarto livro com o personagem, estreia uma década depois de Da Vinci e, como a essa altura você já deve ter adivinhado, pouca coisa mudou. Hanks continua exalando seu charme, Ron Howard faz um trabalho decente na direção (mas muito aquém do talento do sujeito que comandou Apolo 13, Frost/Nixon e Rush) e a trama ainda é exatamente a mesma. Mudam lugares, mudam peças no tabuleiro, mas o texto de Brown (aqui adaptado por David Koepp) segue um padrão tão seguro e imutável quanto livros para colorir com números.

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Num raro momento em que não está correndo, Hanks está… sonhando!

Langdon acorda amnésico em Florença e aos poucos lembra-se de estar envolvido numa trama que envolve um vírus letal, um bilionário obcecado com o apocalipse e uma trilha de migalhas escondidas em obras de arte, tendo como ponto de partida o Mapa do Inferno, obra de Sandro Botticelli, que por sua vez é inspirado em "Inferno", a primeira parte da Divina Comédia de Dante. Uma pista leva a outra, e logo Langdon, acompanhado da médica (e especialista em Dante, que é bastante conveniente) Sienna Brooks, está correndo entre um marco histórico e outro, entre uma cidade secular e outra, para resolver o mistério. Em seus calcanhares, assassinos implacáveis, aliados com duas caras e sociedades secretas – tudo embalado em um pacote turístico/histórico/educativo atraente o suficiente para deixar o público médio fascinado. "É impressionante quanta gente me diz que reviu O Código Da Vinci e Anjos & Demônios em casa, só para pegar as referências", me contou Ron Howard, empolgado. Talvez fosse a pista que ele precisava para abraçar um terceiro filme.

Inferno, no frigir dos ovos, não é um filme ruim. Só é preguiçoso em suas ambições, pomposo em sua execução, esquecível em seu resultado. Visualmente, Howard tem alguns truques interessantes, como a sequência no Salão dos Quinhentos, encenada dentro do Palácio Vecchio, que é tensa e divertida. Seu entusiasmo com o material, além da parceria com Hanks, garante energia cinética o suficiente para manter a narrativa em seus calcanhares. O turismo cinematográfico por Florença (e Veneza, e Istambul) ainda é uma alternativa elegante à ação feita em computador da maior parte dos candidatos a blockbuster atuais. Como Langdon é um herói de ação cerebral, suas aventuras, mesmo verborrágicas ao extremo, são uma alternativa à câmera trêmula e aos cortes rápidos que imperam no cinemão de entretenimento. Ninguém deve sair de uma sessão de Inferno amaldiçoando uma centena de minutos (e uns trocados) perdidos.

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Ron Howard e Tom Hanks, parceria que vem desde Splash, de 1984

Quando já estamos a caminho de casa, porém, a maratona européia de Tom Hanks já será uma lembrança distante. Ao contrário de O Código Da Vinci, não há uma polêmica atrelada ao filme. É exatamente a mesma experiência sem a tensão religiosa que sempre joga um tempero à experiência. Nada em cena é novo, criativamente o texto é inócuo. É como se um bando de adultos estivesse executando uma partida de RPG bem cara, mal escondendo o quanto tudo aquilo é bobo. Não existe nenhum senso de perigo, nenhum personagem (à exceção de Langdon) tem alguma dimensão, apoiando-se unicamente no ótimo elenco internacional (Felicity Jones, Omar Sy, Irrfan Khan). Ou seja, é exatamente o que Dan Brown coloca no livro. Ou seja, é diversão ligeira e absolutamente insípida. Ou seja, logo O Símbolo Perdido e/ou Origem, que Brown ainda não colocou no papel, estarão num cinema perto de você. Ou seja, Tom Hanks ainda tem muito chão pra correr…

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.