Suspense A Garota no Trem não consegue ir além do melodrama barato
Emily Blunt passa os 112 minutos de A Garota no Trem chorando. Ou bêbada. Ou os dois. Daí você lembra de sua personagem em No Limite do Amanhã, chutando o traseiro de Tom Cruise, e a imagem não orna. Vale o mesmo para Rebecca Ferguson, que faz uma ex-amante-atual-esposa-sofrida, assustada, encolhida. Ou Luke Evans, o bonitão vilanesco de Velozes & Furiosos 6, que não vai além de mostrar o físico talhado em mármore em cenas quentes com sua mulher. Esta, por sinal, ganha vida com Haley Bennett, linda, triste, sofrida. O mesmo vale para Justin Theroux. O mesmo vale para Édgar Ramírez. Um rio de lágrimas, dor, sorrisos perfeitos e absoluto sofrimento.
Por um momento, achei que A Garota no Trem fosse, sei lá, um dramalhão de Nicholas Sparks, no qual ter cara de finalista de concurso de miss é requisito para habitar seus contos. Mas o filme, baseado no romance de Paula Hawkins, é um thriller, um mistério que repousa nas costas de um desaparecimento/assassinato e no constante jogo para descobrir o culpado. Um whodunit, uma história de detetives em que a plateia é convidada a desvendar as verdades da trama ao mesmo tempo em que o protagonista. Para a coisa funcionar, no entanto, ter um pouco de sangue nos olhos é requisito, a habilidade em desfiar a história com o objetivo de deixar essa mesma plateia, transformada em cúmplice, na beira da poltrona.
Infelizmente, essa qualidade não está no DNA do diretor Tate Taylor, responsável pelo igualmente insosso drama sobre a luta pelos direitos civis História Cruzadas. No momento em que o crime é estabelecido em A Garota no Trem, a coisa se torna um jogo de eliminação, com os suspeitos de sempre entrando e saindo da frente da fila de possíveis culpados. Pena que Taylor não seja nenhum David Fincher, que trabalha o crime como narrativa de maneira não menos que brilhante. Seu Garota Exemplar, por exemplo, também trazia atores de beleza estelar à frente do elenco. Mas ter Ben Affleck e Rosamund Pike como o "casal perfeito" fazia parte de seu jogo de cena. Aqui, entretanto, a estampa não existe como função narrativa. Não é culpa do elenco, claro, correto e equilibrado. Mas eles não tem mesmo muito o que fazer a não ser mostrar que sua vida é um saco.
Existe, claro, uma trama a ser contada. Rachel (Emily Blunt) não pode engravidar, o que azeda seu casamento com Tom (Justin Theraux) e a faz encontrar alento na bebida. Ele, por sua vez, trocou a mulher alcoólica por sua ex-amante, Anna (Rebecca Ferguson), com quem teve um bebê igualmente perfeito. A babá do casal é Megan (Haley Bennett), casada com Scott (Luke Evans) que tem lá seus próprios demônios para exorcizar. Rachel observa Megan e Scott da janela do trem que faz o caminho subúrbio/Manhattan/subúrbio todos os dias e enxerga neles o amor mais puro e perfeito. Mas algo quebra dentro dela quando seus olhos flagram a moça aos beijos com outro homem: em seu torpor etílico, ela decide tirar satisfações. Uma gritaria ali, um confronto físico acolá, e Rachel acorda em casa, coberta de sangue, ao mesmo tempo que descobre que Megan sumiu. Teria sido ela a culpada? Algum dos outros jogadores em cena? Talvez até o tal homem misterioso – pero no mucho, já que ele logo é revelado como Kamal Abdic (Édgar Ramírez), terapeuta de Megan.
Nas mãos de um diretor mais competente, A Garota no Trem podia até render um thriller decente, que não se resumisse a muito blablablá, pouca ação e os protagonistas mais irritantes do cinema moderno. A estrutura de múltiplos flashbacks é confusa e mal conduzida. O mistério dentro do mistério (é um whodunit, sempre tem meia dúzia de twists) se revela sem fôlego, culminando num clímax frouxo e tão previsível que elimina qualquer boa vontade que o filme possa despertar. Taylor ainda faz o possível para enfeiar seus atores, talvez numa tentativa de lhes dar alguma fagulha de humanidade, algo com que a gente, do lado de cá, pudesse empatizar. A sugestão sobre empoderamento feminino da trama é grosseira, uma ideia que não ganha tração. No fim, é difícil dar a mínima para o que acontece com esse povo que vive em casas de sonho e eterno tédio suburbano. Nem Emily Blunt, que entrega uma performance sólida, nem seus companheiros de elenco, conseguem esconder um certo constrangimento com os diálogos horrorosos. A Garota no Trem mirou no suspense elegante. Mas só conseguiu acertar no melodrama barato.
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