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O Nascimento de Uma Nação é importante como realização e fraco como cinema

Roberto Sadovski

10/11/2016 05h46

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O Nascimento de Uma Nação é um filme importante. Aborda um fato histórico da época da escravidão americana, um ato de revolta que foi o primeiro grito de negros em grilhões contra seus senhores. Como realização, é uma produção amplamente afro-americana e um esforço formidável de seu realizador, Nate Parker, que divide as funções de diretor, roteirista, produtor e astro do filme. É também notável por ter chegado ao mercado, no Festival de Sundance realizado em 25 de janeiro passado, em meio à euforia da falta de representatividade durante a temporada de premiações que culminou em protestos ao longo da última festa do Oscar. Mereceu aplausos no mesmo festival antes mesmo de a sessão começar. É uma história sobre empoderamento, sobre o poder da pregação religiosa e suas consequências morais, sobre a coragem de erguer-se contra um sistema opressor. É, enfim, um filme importante.

Pena que, como obra cinematográfica, seja trabalho de um cineasta menor, cujas falhas gritantes são encobertas pela relevância do tema. De ritmo irregular e uma tendência ao melodrama, o filme de Parker explora a vida de Nat Turner, escravo que aprendeu a ler e foi elevado à condição de pastor. Com seu dono (Armie Hammer) tropeçando nas finanças, Turner é levado a pregar a palavra divina a negros escravizados e à beira do motim, para apaziguá-los manipulando as escrituras. Em suas andanças, porém, ele testemunha as condições sub humanas de seus pares, o que, somado à humilhações pessoais, culmina numa revolta que, em dois dias, fez um grupo de escravos matar dezenas de seus donos, antes de serem reprimidos violentamente. Uma história poderosa, que traz matizes incômodas com os tempos atuais, mas que perde sua força com a mão pesada de seu diretor.

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Jackie Earle Haley faz seu trabalho sujo

O maior pecado de O Nascimento de Uma Nação é, a grosso modo, sucumbir ao ego. Municiado de um pedaço de história banhado em violência, Parker não consegue dar a seu personagem o conflito interno que o levou a explodir em revolta. O diretor sugere uma influência da Bíblia em momentos de opressão e de catarse, mas não é claro quanto à ambiguidade de seu protagonista: Nat Turner termina retratado como uma figura messiânica, não como um homem quebrado pela escravidão. Deixar de mostrar a violência extrema com que a revolta liderada por Turner foi conduzida também resvala em parcialidade: a revisão histórica dificilmente é um quadro em preto e branco, mas as enormes nuances em cinza são deixadas de lado para enfatizar a urgência do ato ocorrido em 1831. Talvez em mãos mais experientes, e com um elenco mais calejado, O Nascimento de Uma Nação fosse além da biografia projetada cuidadosamente para se destacar na temporada de premiações (o que eu duvido que ganhe tração) e se tornasse o grande filme que por vezes ensaia ser.

Ainda assim, o drama funciona como um espetáculo linear e sem muitas firulas, que ganha pontos menos pela habilidade de seu diretor e mais pela extrema força de vontade em passar sua mensagem – ou mensagens. Mesmo que a revolta liderada por Nat Turner só seja finalmente desvendada já no terceiro ato do filme, Nate Parker tem mérito em mostrar seus protagonistas como seres humanos em busca de vingança. Ele também evita a armadilha de salpicar o filme com a figura demonizada do homem branco escravagista (mesmo que não resista exagerar o tom com o personagem de Jackei Earle Haley, que caça escravos fugitivos). Do lado de cá, vale ressaltar, O Nascimento de Uma Nação funciona como motor da recuperação do orgulho de cineastas afro americanos, que precisavam de uma voz potente em um momento de afirmação e ganharam, na obra de Parker, o veículo perfeito.

Preaching

Nat Turner prega a palavra divina para manter o negro dócil

Ainda assim, o filme não garantiu o ruído necessário para quebrar barreiras e atingir um público mais robusto. O Nascimento de Uma Nação foi um fracasso nas bilheterias, com uma abertura de 7 milhões de dólares, que sequer arranham os 17 milhões pagos pela Fox Searchlight pelos direitos de distribuir o filme aós a recepção em Sundance. Os sonhos de chegar à festa do Oscar com os dois pés na porta já deixaram as conversas sobre o prêmio, e Nate Parker sai arranhado com acusações de estupro, a ele atribuídas quando ainda era estudante universitário. A polêmica manchou o filme, que já não se sustentava como espetáculo de massa. O diretor foi ousado ao mirar alto, o que já fica óbvio no título escolhido, o mesmo do filme de D.W. Griffith que, em 1915, aplaudia o surgimento da Ku Klux Klan. Mas falhou ao tentar escrever seu nome na história do cinema negro americano com um filme que, apesar das intenções, ganha aspas em sua importância.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.