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Carrie Fisher: uma princesa na galáxia distante, uma rainha na vida real

Roberto Sadovski

28/12/2016 04h43

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Li a frase que emprestei para dar título a este post ontem, no twitter. Ou foi em alguma reportagem sobre a morte de Carrie Fisher. Não importa: ela encapsula exatamente a vida da atriz, morta ontem aos 60 anos quando seu coração não resistiu, depois de sofrer um ataque cardíaco dias antes. Por um par de dias, fãs, amigos, familiares seguraram o fôlego quando a eterna Princesa Leia resistiu na UTI de um hospital em Los Angeles. Dias antes de o ano virar, e de Guerra nas Estrelas comemorar quatro décadas de lançamento. Será uma celebração agridoce: o coração da saga espacial calou-se.

Evitei escrever ontem, no calor de sua despedida, nas centenas, intermináveis mensagens que desabavam na imprensa, nas redes sociais. 2016 não foi um ano que contabilizou mais óbitos que os anteriores, mas foi particularmente cruel para a cultura pop. Bowie. Prince. Cohen. George Michael…. Carrie Fisher. Talvez o baque tenha sido mais forte em minha geração, 40-e-poucos anos, formada sob o estigma da galáxia muito, muito distante. Sim, Kenny Baker, o R2-D2, também se despediu deste plano em 2016. Mas Fisher parecia intocável. Ao lado de Mark Hamill e Harrison Ford, ela nutriu sonhos, abriu espaços. Em Guerra nas Estrelas, um era o fazendeiro arrastado para um conflito interestelar, um herói ao acaso; outro, o trapaceiro que, quando a coisa apertou, mostrou fibra acima de cobiça. Neste cenário, talvez a Princesa Leia fosse a dama em perigo. Embalada pela personalidade de Carrie Fisher, porém, ela não era menos que a líder, nascida em meio ao conflito, certa de seus passos, irrefreável, nobre, a melhor entre eles.

Harrison Ford se tornou um astro. Hamill tardou a sair da sombra de Luke Skywalker. Carrie Fisher…. bom, ela já vinha de berço esplêndido, filha da nobreza hollywoodiana, criada sob os holofotes em Los Angeles. Podia ser a "princesinha" brincando de atriz. Mas enfrentou o pior que este mundo de plástico pode oferecer (drogas, ostracismo) e saiu por cima, solidificando sua carreira não só como atriz, mas também como escritora de mão cheia. Com as décadas de Star Wars nas costas, ela não perdeu a oportunidade de mostrar que era possível enxergar aquele mundo, um dos maiores fenômenos pop da história, e ver a graça e o absurdo de todo o circo. Carrie Fisher nunca desdenhou da Princesa Leia, mas também nunca a santificou. E sempre demonstrou o mais profundo respeito pelos fãs que viam ali o escapismo perfeito para suas vidas do lado de cá da fantasia.

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Carrie Fisher em foto promocional para o Guerra nas Estrelas de 1977

Eu só a vi ao vivo uma única vez, conversando com centenas de fãs durante a Star Wars Celebration de 2016, que aconteceu em Londres no meio do ano. Por uma hora ela deixou a plateia em suas mãos, comandando o espetáculo sozinha no palco, contando histórias, lembrando dos amigos, sorrindo com alegria renovada ao retornar ao universo criado por George Lucas com O Despertar da Força, que reapresentou a saga para uma novíssima geração. Foi no filme de J.J. Abrams, lançado em dezembro de 2015, que Carrie Fisher finalmente encontrou a representação perfeita para a Princesa Leia: uma mulher que perdeu seu mundo, seu filho, seu amor, seu irmão, que reencontrou a esperança para depois ver o universo retomar a caminhada para as trevas…. Ainda assim, agora como general, não abandonou a luta pelo que acreditava. E continuou a inspirar meninas e mulheres, de todas as gerações, como uma grande atriz que deu vida a uma grande personagem.

Quando Carrie Fisher desceu do avião que a trouxe de Londres para Los Angeles neste Natal, o coração fraquejando, levada com urgência para o hospital em terapia intensiva, o UOL pediu para que eu deixasse um texto pronto. Em caso de acontecer o pior. Não consegui. Rascunhei um parágrafo meia dúzia de vezes, mas definitivamente não queria dar o adeus a uma atriz que, como muitas pessoas que cresceram com Guerra nas Estrelas, fez parte da formação de meu DNA pop. Fez parte de algo que me inspirou a gostar de cinema, a trabalhar com cinema. Mas veio o pior, e é impossível adiar uma despedida. O adeus definitivo, claro, acontece em um ano, quando assistirmos ao Episódio VIII de Star Wars, a última performance de Carrie Fisher e a despedida da Princesa Leia, da General Organa. Hoje, porém, eu me vi impelido a ir ao cinema e rever Rogue One. Já sabendo o que me esperava naquela última cena. Quando uma jovem princesa ergue o rosto e, com um sorriso sincero, quase sussurra a palavra que impele a saga e, também, a vida: "esperança".

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Como a General Organa em O Despertar da Força

Eu pedi a meu amigo, André Gordirro, que me transformou em parceiro eventual do podcast Zona Neutra e é parceiro jurássico da longínqua SET, algumas palavras sobre Carrie Fisher. Não há, nesta galáxia, fã mais honesto, dedicado e furioso de Star Wars. Com a palavra, Gordirro.

"'Into the garbage chute, fly-boy'. Com essa frase direcionada a Han Solo, indicando para que ele e Luke pulassem na lixeira da Estrela da Morte, a Princesa Leia passou de resgatada a salvadora, tirando os heróis do aperto em que se meteram. Enquanto os dois batiam cabeça para resolver as coisas, foi ela que tomou as rédeas da situação, resgatando seus salvadores.

Ali nascia a Heróina com H maiúsculo de toda uma geração de meninos que quis ter o bonequinho da Leia sem neura, porque ela era tão bacana quanto os heróis masculinos — enquanto Han e Luke mal têm cenas com os vilões de Guerra nas Estrelas, a princesa peita Darth Vader e Moff Tarkin, e lá em O Retorno de Jedi, despacha Jabba sozinha.

Carrie Fisher envergou um penteado e um biquini que se tornaram ícones mundiais, mas, antes de tudo, a heroína não era só o enfeite feminino da saga. Com nítidas raízes na Dejah Toris de A Princesa de Marte, a Leia de Carrie Fisher abriu caminho para a Ellen Ripley de Sigourney Weaver e a Viúva Negra de Scarlett Johanson. Em vida, a atriz também foi uma princesa fictícia, nasceu na "realeza hollywoodiana", do casamento do galã Eddie Fisher com a estrela Debbie Reynolds. Debbie levou um fura-olho da então melhor amiga Elizabeth Taylor, a rainha de Hollywood, que fisgou Eddie Fisher como marido não-sei-que-número. Ecos desse lar desfeito afetaram toda a vida adulta de Carrie, que infelizmente se encerrou agora.

Em uma triste coincidência galática, Leonard Nimoy se foi um ano antes de Star Trek comemorar seu 50o aniversário, e Carrie Fisher se foi um ano antes de Star Wars comemorar seu 40o aniversário. Ambos eternizados no imaginário pop por um único personagem; ambos com relação de amor e ódio por suas personas fictícias; e ambos atrás de outros caminhos dentro da carreira (ele como diretor, ela como roteirista). O meio-alienígena que era mais humano que todos nós ganha a companhia em outro plano de existência da princesa que era a nossa Nova Esperança."

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.