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Elegante e belíssimo, Animais Noturnos peca pelo pouco impacto emocional

Roberto Sadovski

29/12/2016 14h11

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Animais Noturnos é um filme belíssimo. Plasticamente talvez seja o filme mais bonito de 2016. Não é ao acaso. A escolha do diretor Tom Ford em revestir suas imagems com uma produção esteticamente tão apurada tem objetivo claro: criar um equilíbrio com personagens tão nefastos, com uma narrativa tão grotesca, com pessoas tão… feias. Ford é, claro, o estilista de renome mundial que decidiu voltar seu olhar para o cinema em 2009 com o belo (duh…) Direito de Amar, com Colin Forth e Julianne Moore. Seu novo filme dá um salto em ambição e também em realização. Talvez por causa disso, também cometa alguns pecados maiores. Nada que lhe retire o brilho.

Existe uma visão mais abrangente por trás dessa adaptação do livro Tony and Susan, de Austin Wright, escrita pelo próprio Ford. É a busca de um estilo menos linear e mais lúdico, uma clara alusão ao cinema de David Lynch, com esmero estético aliado a um hiperrealismo que, por vezes, teima em crescer ante à trama – um caso de estilo sobre conteúdo. Mas não aqui. A âncora escolhida por Ford, e nosso avatar durante a jornada, é Susan Morrow, personagem de Amy Adams. Dona de uma galeria de arte, ela vive numa mansão idílica com o marido, Hutton (Armie Hammer), mas claramente o brilho em seu olhar apagou há anos.

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Jake Gyllenhaal só se dá mal, mesmo em papel duplo

É quando, para sua surpresa, Susan recebe um manuscrito, "Animais Noturnos", de autoria de seu ex-marido, Edward (Jake Gyllenhaal), com quem ela fora casada anos antes e de quem se divorciou de forma súbita e emocionalmente brutal. O livro traça a vida de Tony (mais uma vez Gyllenhaal) que, ao dirigir por uma estrada com sua mulher e filha adolescente, é abordado por três arruaceiros, um encontro que termina em morte. Devastado, Tony busca justiça e, depois, vingança, em um retrato de uma vida arruinada por um encontro fortuito. Enxergando paralelos com seu próprio relacionamento fracassado, Susan é consumida pelo texto e arma um encontro, talvez o último, com Edward.

Tom Ford construiu um thriller de elegância ímpar, equilibrando com extrema tensão o "mundo real" em que Susan se arrasta por seus dias e a trama no papel, mergulhada numa violência que, para ela, é ao mesmo tempo redentora e trágica. O livro é dedicado a ela e claramente foi a forma de Edward mostrar que, apesar de não ter pulso firme em conduzir sua vida a dois, seria capaz de criar uma obra de rara beleza. O mesmo pode ser dito do diretor: seu domínio narrativo por vezes é perdido ante a intensidade da história sendo contada, e apesar da força dos personagens o filme demora a encontrar um foco emotivo: não conseguimos tirar os olhos das imagens que desfilam, mas é difícil ter empatia por qualquer personagem em cena. Mas é inegável que Animais Noturnos traz um estilo distinto de um diretor aos poucos encontrando seu chão.

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Tom Ford no set de Animais Noturnos

Não atrapalha, claro, Ford ter se cercado de tanta gente talentosa. O fotógrafo Seamus McGarvey (Desejo e Reparação, Os Vingadores) cria um visual distinto para separar os dois mundos, com o "real" sempre frio e escuro, e o "fictício" banhado em calor; e a montagem de Joan Sobel não deixa que o plot duplo em nenhum momento se torne confuso ou atropelado. Mas a força de Animais Noturnos está mesmo à frente das câmeras. Jake Gyllenhaal surge atormentado, sempre no limite, disposto a exercer justiça em ambos. Michael Shannon, como o policial que ajuda Tony em sua busca, tenta emprestar dignidade a alguém que não tem pudor em se assumir como um justiceiro. Ainda há Armie Hammer, o marido adúltero. Laura Linney, a mãe opressora.

Mas é Amy Adams, por fim, quem humaniza o filme. A atriz teve um grande ano, arrebentando também em A Chegada, e entrega aqui uma mulher amargurada por escolhas erradas, atormentada por uma família em constante pressão, envergonhada por não ser capaz de exercer a "função social" de esposa e de profissional. Agarrada, como náufrago em destroços flutuantes, a uma narrativa fictícia escrita por quem ela abandonou de maneira tão mesquinha. Neste cenário, é difícil enxergar espaço para redenção – e, ainda assim, é por Amy quem torcemos. Para a sorte de Tom Ford, ele ainda está ao lado de um time vencedor.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.