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Assassin's Creed não é uma adaptação de video game ruim: é só um filme ruim mesmo

Roberto Sadovski

13/01/2017 20h21

michael fassbender assassin's creed

É trabalho duro, mas vamos lá: 24 anos e trinta filmes depois, o cinema não conseguiu ainda emplacar uma adaptação de games que preste. Pergunto, eu, perplexo: o que seria assim tão difícil? Livros e peças de teatro migram para o cinema desde sempre, muitas vezes com resultados brilhantes. Histórias em quadrinhos também seguiram o mesmo caminho, assim como séries de TV. Até uma atração de parque de diversões já conseguiu ser traduzida em uma série de filmes bacanas e bem sucedidos! Os games? Bom, são o patinho feio da narrativa pop. O motivo pode ser a perda de um elemento crucial nessa transição: você. Desde que River Raid era o supra sumo da diversão eletrônica em casa, somos mais protagonistas que meros observadores. Quando a coisa vai para o cinema, voltamos para a passividade da poltrona. O que pode ser, na maioria dos casos, um problema.

Assassin's Creed, série da Ubisoft, é um barato. O conceito é matador: você controla um sujeito que, capturado por uma empresa malvadona, tem sua consciência arremessada no corpo de um ancestral – no caso, um assassino na Espanha da Inquisição. A cada novo jogo, cenário e época eram ajustadas, mas o barato de saltar ao passado, ao mesmo tempo em que se desmantelava uma trama no presente, continuava. Michael Fassbender, em busca de uma franquina (palavra péssima) para chamar de sua desde que foi "mais um da banda" nos X-Men mais recentes, nunca ligou um PS4 na vida mas achou o conceito intrigante. Bom, o conceito e os potenciais milhões que ele poderia trazer. Acionou Justin Kurzel, seu diretor em Macbeth, chamou a parceira Marion Cotillard, e tratou de produzir a versão para o cinema. E as boas notícias terminam por aí.

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Michael Fassbender tira a camisa e comanda a ação no "presente"

No papel duplo de Callum Lynch, descendente de um assassino que vivera séculos antes, e do próprio, Aguilar, Fassbender faz pouco mais que flexionar os músculos, grunhir meia dúzia de palavras e se perder numa trama confusa que nem se dá o trabalho de ser concluída em um filme. Pois é, a trama: a empresa misteriosa Abstergo, chefiada por Jeremy Irons, busca "voluntários" para fazer a jornada ao passado na pele de membros do tal Credo dos Assassinos na esperança de encontrar a Maçã do Édem, artefato capaz de livar a humanidade do livre-arbítrio (o "como" jamais fica claro) que, segundo uma organização sinistra, os Templários, seria a resposta para "curar" a violência inerente ao ser humano. Ou algo assim. Callum, a chave para achar o tal artefato, é conectado ao Animus, máquina que o joga ao passado, e passa a viver no corpo de seu antepassado.

No jogo o conceito é bacana, já que controlamos o personagem em sua busca e tomamos decisões para que cada fase seja vencida. No filme isso vai pelo ralo. Assim que entra no corpo de Aguilar, Callum se torna mero observador, já que alterar o passado pode comprometer o futuro. Assassin's Creed torna-se, portante, uma experiência passiva até para seu protagonista. Com este problema em mãos, os responsáveis pelo filme minimizaram o elemento da viagem no tempo (que é o maior barato do jogo) e concentraram a trama numa história de vingança e redenção, com Callum ajustando as contas com seu passado (seu pai matou sua mãe, e ambos sabiam que um dia ele seria perseguido por ser descendente de Aguilar) e criando um novo Credo no presente para proteger o objeto que ele já estava escondido e protegido em primeiro lugar. Com a trama ancorada basicamente no presente, Assassin's Creed basicamente joga no lixo o que fez o jogo tão sedutor em primeiro lugar. Vai entender.

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Corre que descobriram que não temos uma história pra contar!

No fim das contas, o estigma de ser "adaptação de outra mídia" é pura perfumaria e, no grande esquema das coisas, não importa. Se Kurzel e Fassbender tivessem se concentrado em criar uma aventura de ficção científica envolvente, qualquer liberdade com o material original seria perdoada – acontece o tempo todo quando uma história salta de uma mídia para outra. Mas Assassin's Creed parece muito certo de que seu público vai comparecer por seu pedigree que a única preocupação parece ter sido arrumar um fiapo de trama para emoldurar com uma produção bacana. O dinheiro torrado no filme está em cena, claro, mas Kurzel não mostra habilidade para criar uma sequência memorável sequer, e nem possui pulso narrativo firme para fazer com que o público se importa com o destino dos personagens. O caso de Sofia, cientista interpretada por Cotillard, é ainda pior: o filme não se decide se ela está do lado dos mocinhos ou dos bandidos, e sequer explora essa ambiguidade.

O que sobra é uma aventura descartável, destinada a dar sono aos curiosos e a enfurecer os fãs do game, que dificilmente vão reconhecer em cena os elementos que os atraiu ao jogo. O tal "salto da fé" surge numa sequência totalmente dispensável, e as habilidades de Aguilar como mestre assassino são porcamente exploradas, assim como sua relação com outros assassinos do credo. O pecado maior é deixar a trama pendurada e um gancho sem vergonha para a continuação – que, julgando pelos números anêmicos nas bilheterias, não deve sair da gaveta. Uma pena. Video games hoje são o naco mais lucrativo da indústria do entretenimento. Resident Evil (que eu particularmente acho tosco, exagerado e sensacional) chega com seu sexto (!) filme em algumas semanas. Um reboot de Tomb Raider, com Alicia Vikander, está a caminho. Hollywood não desiste.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.