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Parte novelão mexicano, parte softcore de quinta, novo Cinquenta Tons é um desastre perfeito

Roberto Sadovski

08/02/2017 03h29

 

50 tons

Cinquenta Tons Mais Escuros consegue o inimaginável: faz com que seu antecessor, a adaptação do primeiro romance de E.L. James, pareça um filme melhor. Quando as luzes se acenderam, foi o primeiro pensamento que vem em mente: "Ao menos o anterior tinha um plot". O segundo foi, "como recuperar duas horas de vida?". Não posso. O novo filme, dirigido (e eu uso o termo de maneira livre aqui) por James Foley, é como um episódio gigante de Seinfeld, sem um pingo do humor: é um filme sobre o nada.

Mas conseguir gastar cerca de 55 milhões de dólares em uma divagação sobre o vazio é um feito e tanto. Da última vez que vimos o casal Anastasia Steele (Dakota Johnson) e Christian Grey (Jamie Dornan), ela havia lhe dado a proverbial bota no traseiro depois que ele demonstrou suas práticas BDSM ao máximo – umas palmadas no traseiro, algumas lágrimas acompanhadas de um "como você pode…", tudo amarrado em um adeus. Nas primeiras cenas do novo filme, porém, Grey vai atrás de Ana, diz que não pode viver sem ela e que está disposto a abrir mão de seu estilo de vida. Ela joga um "tá valendo" e o casal está de volta.

Fifty Shades Darker

Anastasia (Dakota Johnson) e Grey (Jamie Dornan) sendo fofos

Preste atenção que essa é a parte onde Cinquenta Tons Mais Escuros pega pesado: é somente a isso que se resume o filme. A mocinha relutante vai quebrando a armadura do mocinho carregado de traumas e eles vão encontrando um campo de batalha equilibrado. Todo o resto em cena é inconsequente. Embora o trailer prometesse um thriller, revelações bombásticas sobre o passado de Grey, não existe nada disso aqui. Um subplot sobre uma ex-submissa obcecada pelo casal é resolvido em poucos minutos e logo esquecido; a chegada da mulher que mostrou ao moço os prazeres do sexo (Kim Basinger, que já viu dias melhores) sinaliza zero tensão e um conflito que perde para qualquer cena de A Usurpadora.

James Foley (O Sucesso a Qualquer Preço, vários episódios de House of Cards e Hannibal) está longe de ser um diretor amador, mas a verdade é que não existe nenhum estofo no material original para justificar o investimento. Cinquenta Tons de Cinza se tornou um fenômeno literário ao fingir um mergulho no mundo do sexo apimentado com dominação, sadomasoquismo, couro, correntes e acessórios. Longe de retratar este universo, tornou-se a versão segura para a dona de casa entediada, uma edição mais chique dos novelões baratos comprados em banca de revistas. Neste segundo filme, porém, este elemento foi expurgado, dando lugar a um dramalhão da pior qualidade – quando Grey sofre um acidente aéreo, por exemplo, Ana e a família do bilionário estão em sua casa acompanhando notícias pela TV… e o moço simplesmente entra pela porta da frente com um "não foi nada, estou bem". É de envergonhar a Maria do Bairro.

50 tons

Anastasia (Dakota Johnson) e Grey (Jamie Dornan) sendo mais fofos!

Os protagonistas, não vou mentir, experimentaram evolução zero. A química entre Dakota e Dornan ainda é inexistente. Sem um arco real para ancorar seus personagens na narrativa, os dois se revezam em expressões de prazer nas (poucas e rapidinhas) cenas de sexo e de surpresa em locações nababescas. Christian é, afinal, um bilionário, e o filme não se furta de explorar com sofreguidão a pobre vida de gente muito rica, com iates de cair o queixo, casas dignas da realeza e festas (sim, no plural) de uma cafonice sem fim. Tudo é muito, mas muito brega.

O pior pecado, porém, é Cinquenta Tons Mais Escuros se assumir da pior forma como "filme do meio", que pega uma trama já em andamento e não tem a manha de amarrar as pontas soltas. Todo o drama – em especial o que envolve um chefe de Anastasia que, do nada, decide arriscar um processo por assédio sexual tentando agarrar a moça – ficou para o capítulo final, já marcado para fevereiro do ano que vem. Eu com certeza, e por que adoro meu trabalho, vou ver como a coisa toda acaba. Já você é feliz e não sabe: pode simplesmente escolher o filme em cartaz na sala ao lado.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.