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Esqueça Ben Affleck: a única salvação para o Batman no cinema é feita de LEGO

Roberto Sadovski

09/02/2017 00h38

 

lego batman

A saída para o tal Universo Expandido DC no cinema não está em Ben Affleck. Muito menos em Zack Snyder, no Esquadrão Suicida ou em Mulher-Maravilha. Esqueça, pra ser franco, de todo o planejamento, de filmes que tem uma cara terrível antes de chegar aos cinemas (Liga da Justiça) e outros que eu aposto que sequer sairão do papel (The Flash, Cyborg). O futuro dos heróis mais lendários do planeta é feito de plástico. Mais precisamente, peças de plástico que, montadas, criam seu próprio universo. LEGO Batman – o Filme, é tudo que a DC pode ser no cinema. É divertido, tem muita ação, não tem problemas em rir de si mesmo, e entrega o que é provavelmente a versão mais completa do Homem-Morcego desde que sua já clássica série animada se tornou referência e influência no começo dos anos 90. Aqui, o herói não só precisa enfrentar seus maiores inimigos, mas também tem de combater seus demônios internos, seus traumas mais profundos e emergir, finalmente, como o vingador que Gotham City precisa.

Ao longo de 104 minutos, o diretor Chris McKay (da série Frango Robô, que empresta muito de seu humor anárquico ao filme) consegue criar uma aventura empolgante como Batman Vs. Superman sequer sonhou em se tornar. Usando o modelo de Uma Aventura Lego (em que o Batman era o coadjuvante que roubava a cena), McKay faz um filme que faz piada de cada clichê do super-herói moderno, amargo e sombrio, ao mesmo tempo em que abraça e usa sem pudor os mesmos elementos – sim, o clímax é com uma fissura no céu da qual surge a ameaça para a humanidade. O mais surpreendente é LEGO Batman acontecer sob as asas do mesmo estúdio que, provavelmente numa sala com engravatados diferentes, não faz a menor ideia do que fazer com seus personagens ou seu legado.

LEGO BATMAN

Batman e Robin – e sem Schwarzenegger para atrapalhar!

LEGO Batman é outro animal, e sabe exatamente como agradar os fãs, ao mesmo tempo em que expande sua plateia e cria, com gag em cima de gag, uma trama coerente, cheia de respeito e bom humor. Claro que o nêmesis do Morcego é o Coringa, que lidera todos os inimigos do herói na explosiva sequência inicial. "Todos os inimigos" não é exagero, já que velhos conhecidos como Mulher-Gato, Charada e Pinguim unem forças com ilustres desconhecidos do naipe de Cabeça de Ovo, Homem-Pipa (!) e Orca (!!). Quando Batman surge para salvar o dia, ele deixa claro para o Coringa que ele não é seu arquivilão, e sim mais uma numa sequência de bandidos que ele derrota sem pestanejar.

Arrogante e cheio de si, o Homem-Morcego (Will Arnett, numa interpretação na mosca) esconde o pavor quase patológico em trabalhar em equipe ou em ter uma família novamente (ele insiste que são Cobras-Palhaço…). O herói solitário é mostrado com tanto exagero que ele descobre uma festa da Liga da Justiça (Channing Tatum é a voz do Superman) na Fortaleza da Solidão para a qual ninguém o convidou. A chegada de uma nova comissária, Barbara Gordon (Rosario Dawson), termina como oportunidade para o mordomo Alfred (Ralph Fiennes) tentar amolecer o coração do Cavaleiro das Trevas, o que pode acontecer com a chegada do órfão Dick Grayson (Michael Cera) à Mansão Wayne. Tudo é, claro, desculpa para uma metralhadora de piadas que vão desde uma tiração de sarro sem piedade do Batman em TODAS as encarnações no cinema – com cenas de filmes de Tim Burton, Joel Schumacher, Christopher Nolan e Zack Snyder reproduzidas em Lego –, até o relacionamento bem esquisito de Bruce Wayne com Dick Grayson, que na hora certa se tornará o Robin.

lego batman

A vida solitária de um Cavaleiro das Trevas

O gatilho para a trama é o novo plano do Coringa (Zack Galifianakis, defendendo a loucura do vilão com louvor) – que, a certa altura, lembra do fracasso do "plano com os dois barcos" e do "plano com os balões a gás". Para ser o número um na cartilha de inimigos do Batman, ele arquiteta um modo de invadir a Zona Fantasma, prisão etérea guardada pelo Superman, e libertar os maiores malvadões de todos os tempos. É quando LEGO Batman – o Filme fica pirado de vez, com Gotham atacada por uma galeria do mal pincelada da cultura pop que vai muito além das histórias do Homem-Morcego – pense em Matrix, Harry Potter, O Mágico de Oz e O Senhor dos Anéis para ter uma ideia da escala da ameaça.

Ainda assim, McKay, trabalhando com um roteiro redondinho, consegue manter a trama com os pés fincados no chão, concentrando-se nos conflitos do Batman em aceitar suas limitações e também as consequências de sua irresponsabilidade. Em nenhum momento, porém, as decisões do texto vão contra a tal essência de um personagem criado há mais de sete décadas. LEGO Batman – o Filme faz a coisa parecer tão simples que os bastidores caóticos de sua contraparte em carne e osso soam mais como birra de astros e ego inflado de diretores visionários. A resposta que a DC procura para bater de frente com a Marvel no cinema não está, portanto, em filmes super estilizados, super complicados e super tediosos. Está nesta versão de brinquedo, zoeira e esperta, profunda e divertida, mais fiel ao Batman "primordial", o dos gibis coloridos, do que Ben Affleck (e boa sorte pra ele) pode sonhar. Sem falar que LEGO Batman corrige uma injustiça histórica: quem faz a voz do Duas-Caras, com quase três décadas de atraso, é Billy Dee Williams.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.