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Por que Jack Nicholson interrompeu a aposentadoria depois de 7 anos? Toni Erdmann explica

Roberto Sadovski

10/02/2017 17h51

Jack Nicholson está aposentado. Depois de uma carreira brilhante, coroada com três Oscar, o astro de quase 80 anos pendurou as chuteiras depois de aparecer na comédia Como Você Sabe, de 2010. "Eu sempre recebo roteiros, e sempre vejo personagens incríveis", disse recentemente. "Mas estou tranquilo com meu estilo de vida, na sombra, e não consigo ver nada que interfira com isso." Sean Connery que o diga. Só mesmo uma força da natureza para levar o ator de volta a um set. Ou então uma comédia alemã, favorita para levar o Oscar na próxima cerimônia. Toni Erdmann, da diretora Maren Ade, conta a história de Winfried, que tenta se reconectar com sua filha wokaholic ao adotar um alter-ego excêntrico e entrar em seu círculo profissional, forçando uma mudança e fazendo com que ela repense suas escolhas e entenda o amor que seu pai, mesmo de maneira bizarra e fora da caixinha, está lhe dando. Os direitos foram comprados pela Paramount, aparentemente com uma forcinha do próprio Nicholson, que deve dividir a cena com Kristen Wiig.

A atitude de Nicholson pode parecer súbita, mas é só assistir a Toni Erdmann para entender sua decisão. O papel de Winfried (defendido no filme original por Peter Simonischek) parece perfeito para seu estilo de humor, que lhe rendeu um Oscar por Melhor É Impossível. Mesmo com quase 3 horas de projeção, o filme traz um centro emocional simples, um relacionamento de pai e filha temperado por momentos absurdos – a ideia de colocar Nicholson no ringue com Krinten Wiig parece perfeita! Nenhum diretor ou roteiristas foram apontados, mas espera-se uma decisão rápida, até para aproveitar o entusiasmo do astro. Afinal, depois de décadas trabalhando sem parar, é natural imaginar que ele queira esticar as pernas à beira da piscina – e não se deixe enganar pelos boatos que de vez em quando saltam pela internet, de que ele está doente, com alzheimer, que sequer lembra o próprio nome: tudo papo furado.

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Toni Erdmann, a comédia alemã que fez Nicholson sair da aposentadoria

Não que Jack Nicholson precise abrir mão se sua aposentadoria. Poucos atores fizeram tanto pela arte do cinema como este nativo de Nova Jersey, que começou a trabalhar na frente das câmeras em 1958, no thriller The Cry Baby Killer. Longe de estourar de imediato, Nicholson galgou uma trilha difícil, passando inclusive sob o crivo do mestre Roger Corman, que o escalou para a primeira versão de A Pequena Loja de Horrores (1960), e por uma dezena de papéis menores na TV. Tudo mudou quando ele foi coadjuvante em Sem Destino (1968), filme definitivo da geração bicho-grilo, que lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar. Daí veio o excepcional Cada Um Vive Como Quer, que Bob Rafelson dirigiu em 1970, e sua carreira estourou. Nicholson dominou os anos 70 ao lado de outros atores que, como Gene Hackman e Robert De Niro, privilegiavam a construção de personagens e não a aura de astros. Nessa pegada, ele trabalhou com os gênios Roman Polanski (em Chinatown, de 1974), Michelangelo Antonioni (Profissão: Repórter, 1975) e Milos Forman (Um Estranho no Ninho, 1975), no filme que lhe rendeu seu primeiro Oscar como melhor ator.

Quando a década virou e ele fez O Iluminado (1980) para Stanley Kubrick, a persona de Nicholson já havia ultrapassado os limites de seus filmes. Aos poucos ele contruia a imagem do astro hollywoodiano completo, fascinante do lado de cá, irresistível na frente das câmeras. Sem respirar, ele foi acumulando papéis icônicos, de Reds a Laços de Ternura (que lhe rendeu mais um Oscar, este de coadjuvante), de A Honra do Poderoso Prizzi a As Bruxas de Eastwick. Jack não olhava para gêneros, e transformava os personagens que fazia em extensões de si mesmo. Em 1989 ele fez história ao dar vida ao Coringa no Batman de Tim Burton: foi o primeiro ator a acreditar no projeto e a assinar para fazer parte dele, negociou um salário ancorado nos rendimentos das bilheterias e foi para casa com cerca de 60 milhões de dólares no bolso. A essa altura, ele poderia relaxar e filmar quando desse na telha. Mas Nicholson não aliviou. Dirigiu A Chave do Enigma em 1990, entregou mais performances memoráveis em Questão de Honra (1992) e Acerto Final (1995), foi o melhor Wolverine antes de existir um Wolverine no cinema (Lobo, de 1994) e riu de si mesmo no delicioso Marte Ataca! (1996), repetindo a parceria com Tim Burton. No ano seguinte, James L. Brookes o dirigiu para seu terceiro Oscar com Melhor É Impossível. E Jack parecia não errar a mão.

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Nicholson em Os Infiltrados, seu último grande filme no cinema

O novo século trouxe parcerias improváveis (com Adam Sandler em Tratamento de Choque, de 2003), o colocou numa comédia romântica (Alguém Tem Que Ceder, 2003), lhe rendeu mais uma indicação ao Oscar (As Confissões de Schmidt, de 2002) e ao menos um último grande filme, Os Infiltrados, de 2006, em que ele finalmente trabalhou com Martin Scorsese. Antes de Partir (2007) e Como Você Sabe (2010, seu filme derradeiro) pareceram oportunidades para trabalhar com amigos e marcaram um adeus agridoce a um dos atores mais brilhantes que o cinema já criou.

Toni Erdmann mostrou que as coisas não são o que parecem. Mais ainda: sinalizou que, mesmo em casa, na sombra, desfrutando da aposentadoria, Jack Nicholson mantém o olhar apurado sobre o que anda acontecendo no cinema mundial. Ele enxergou uma oportunidade de criar algo novo, ainda que completamente atrelado à sua enorme personalidade. O filme alemão é uma pequena pérola, um filme sobre pessoas de verdade que conseguem enxergar a vida com outro prisma – não muito diferente do que o cinemão americano oferecia nos efervescentes anos 70. Se é para ser a despedida definitiva de Jack Nicholson, ele não poderia ter escolhido caminho melhor.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.