Por que Jack Nicholson interrompeu a aposentadoria depois de 7 anos? Toni Erdmann explica
Jack Nicholson está aposentado. Depois de uma carreira brilhante, coroada com três Oscar, o astro de quase 80 anos pendurou as chuteiras depois de aparecer na comédia Como Você Sabe, de 2010. "Eu sempre recebo roteiros, e sempre vejo personagens incríveis", disse recentemente. "Mas estou tranquilo com meu estilo de vida, na sombra, e não consigo ver nada que interfira com isso." Sean Connery que o diga. Só mesmo uma força da natureza para levar o ator de volta a um set. Ou então uma comédia alemã, favorita para levar o Oscar na próxima cerimônia. Toni Erdmann, da diretora Maren Ade, conta a história de Winfried, que tenta se reconectar com sua filha wokaholic ao adotar um alter-ego excêntrico e entrar em seu círculo profissional, forçando uma mudança e fazendo com que ela repense suas escolhas e entenda o amor que seu pai, mesmo de maneira bizarra e fora da caixinha, está lhe dando. Os direitos foram comprados pela Paramount, aparentemente com uma forcinha do próprio Nicholson, que deve dividir a cena com Kristen Wiig.
A atitude de Nicholson pode parecer súbita, mas é só assistir a Toni Erdmann para entender sua decisão. O papel de Winfried (defendido no filme original por Peter Simonischek) parece perfeito para seu estilo de humor, que lhe rendeu um Oscar por Melhor É Impossível. Mesmo com quase 3 horas de projeção, o filme traz um centro emocional simples, um relacionamento de pai e filha temperado por momentos absurdos – a ideia de colocar Nicholson no ringue com Krinten Wiig parece perfeita! Nenhum diretor ou roteiristas foram apontados, mas espera-se uma decisão rápida, até para aproveitar o entusiasmo do astro. Afinal, depois de décadas trabalhando sem parar, é natural imaginar que ele queira esticar as pernas à beira da piscina – e não se deixe enganar pelos boatos que de vez em quando saltam pela internet, de que ele está doente, com alzheimer, que sequer lembra o próprio nome: tudo papo furado.
Não que Jack Nicholson precise abrir mão se sua aposentadoria. Poucos atores fizeram tanto pela arte do cinema como este nativo de Nova Jersey, que começou a trabalhar na frente das câmeras em 1958, no thriller The Cry Baby Killer. Longe de estourar de imediato, Nicholson galgou uma trilha difícil, passando inclusive sob o crivo do mestre Roger Corman, que o escalou para a primeira versão de A Pequena Loja de Horrores (1960), e por uma dezena de papéis menores na TV. Tudo mudou quando ele foi coadjuvante em Sem Destino (1968), filme definitivo da geração bicho-grilo, que lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar. Daí veio o excepcional Cada Um Vive Como Quer, que Bob Rafelson dirigiu em 1970, e sua carreira estourou. Nicholson dominou os anos 70 ao lado de outros atores que, como Gene Hackman e Robert De Niro, privilegiavam a construção de personagens e não a aura de astros. Nessa pegada, ele trabalhou com os gênios Roman Polanski (em Chinatown, de 1974), Michelangelo Antonioni (Profissão: Repórter, 1975) e Milos Forman (Um Estranho no Ninho, 1975), no filme que lhe rendeu seu primeiro Oscar como melhor ator.
Quando a década virou e ele fez O Iluminado (1980) para Stanley Kubrick, a persona de Nicholson já havia ultrapassado os limites de seus filmes. Aos poucos ele contruia a imagem do astro hollywoodiano completo, fascinante do lado de cá, irresistível na frente das câmeras. Sem respirar, ele foi acumulando papéis icônicos, de Reds a Laços de Ternura (que lhe rendeu mais um Oscar, este de coadjuvante), de A Honra do Poderoso Prizzi a As Bruxas de Eastwick. Jack não olhava para gêneros, e transformava os personagens que fazia em extensões de si mesmo. Em 1989 ele fez história ao dar vida ao Coringa no Batman de Tim Burton: foi o primeiro ator a acreditar no projeto e a assinar para fazer parte dele, negociou um salário ancorado nos rendimentos das bilheterias e foi para casa com cerca de 60 milhões de dólares no bolso. A essa altura, ele poderia relaxar e filmar quando desse na telha. Mas Nicholson não aliviou. Dirigiu A Chave do Enigma em 1990, entregou mais performances memoráveis em Questão de Honra (1992) e Acerto Final (1995), foi o melhor Wolverine antes de existir um Wolverine no cinema (Lobo, de 1994) e riu de si mesmo no delicioso Marte Ataca! (1996), repetindo a parceria com Tim Burton. No ano seguinte, James L. Brookes o dirigiu para seu terceiro Oscar com Melhor É Impossível. E Jack parecia não errar a mão.
O novo século trouxe parcerias improváveis (com Adam Sandler em Tratamento de Choque, de 2003), o colocou numa comédia romântica (Alguém Tem Que Ceder, 2003), lhe rendeu mais uma indicação ao Oscar (As Confissões de Schmidt, de 2002) e ao menos um último grande filme, Os Infiltrados, de 2006, em que ele finalmente trabalhou com Martin Scorsese. Antes de Partir (2007) e Como Você Sabe (2010, seu filme derradeiro) pareceram oportunidades para trabalhar com amigos e marcaram um adeus agridoce a um dos atores mais brilhantes que o cinema já criou.
Toni Erdmann mostrou que as coisas não são o que parecem. Mais ainda: sinalizou que, mesmo em casa, na sombra, desfrutando da aposentadoria, Jack Nicholson mantém o olhar apurado sobre o que anda acontecendo no cinema mundial. Ele enxergou uma oportunidade de criar algo novo, ainda que completamente atrelado à sua enorme personalidade. O filme alemão é uma pequena pérola, um filme sobre pessoas de verdade que conseguem enxergar a vida com outro prisma – não muito diferente do que o cinemão americano oferecia nos efervescentes anos 70. Se é para ser a despedida definitiva de Jack Nicholson, ele não poderia ter escolhido caminho melhor.
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