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Por que Scarlett Johansson é a escolha perfeita para dar vida a uma animação... japonesa

Roberto Sadovski

13/02/2017 19h38

Scarlett Johansson plays The Major in Ghost in the Shell from Paramount Pictures and DreamWorks Pictures in theaters March 31, 2017.

O novo trailer de A Vigilante do Amanhã – Ghost in the Shell aponta uma aventura de ficção científica esperta, visualmente eletrizante, embora siga caminhos já trilhados. A versão hollywoodiana do mangá de 1989 de Masamune Shirow, que foi adaptado em um longa de animação por Mamoru Oshii em 1996, parece deixar menos complexa a trama original, mas não deve fugir do tema central: o que faz de nós, humanos? Quando tudo que nos resta é nossa mente, a casca que carrega nossa essência é mesmo o que nos define? Temas profundos, embalados pela criação de um mundo futuro em grande escala, tudo ancorado por Scarlett Johansson, uma das poucas atrizes capazes de fazer com que um projeto assim se concretize. Ainda assim, a expressão que ecoa nas entrelinhas é "apropriação cultural".

Começou com a escalação de Scarlett para um papel que, teoricamente, seria uma personagem japonesa. Digo "teoricamente" porque a história de Shirow vai muito além de localização geográfica ou identificação cultural. Ele mesmo teve inspiração pesada da estética de Blade Runner para construir seu mundo no papel – o que ficou mais evidente no anime. A arquitetura de Blade Runner, por sua vez, tem inspiração que remete a metrópolis como Tóquio… e dá para seguir um dominó reverso em uma salada multicultural que torna inócua qualquer tentativa de posicionar uma história universal e internacional como Ghost in the Shell em um único quintal. Ainda assim Scarlett foi para o centro da polêmica, já que muitos (fãs?) achavam que sua personagem, Major, devia ser de uma atriz nipônica.

Scarlett Johansson plays The Major in Ghost in the Shell from Paramount Pictures and DreamWorks Pictures in theaters March 31, 2017.

Scarlett Johansson dá seus pulos como A Vigilante do Amanhã

O termo na gringa seria whitewashing, um certo embranquecimento de personagens, que pega uma etnia distinta e a coloca nas mãos de um ator/atriz branco. Mais ou menos como John Wayne interpretando Genghis Khan. É uma prática que não tem vez no mundo diverso e multifacetado do novo século. Ficou feio em filmes como Êxodo: Deuses e Reis e em Deuses do Egito, que tem localização geográfica e culturar precisa. Seria estranho numa versão live action de Pocahontas ou Mulan substituir a etnia de suas protagonistas por atrizes brancas. Mas, francamente, não é o caso de Ghost in the Shell. Assim como não foi o caso em Doutor Estranho (em que Tilda Swinton interpretou A Anciã que, nos quadrinhos, é homem e oriental). Tudo é questão do bom e surrado bom senso.

Armar um filme do porte de A Vigilante do Amanhã é tarefa complicadíssima, e muitas engrenagens precisam ser movidas. Uma delas é garantir que os mercados internacionais abracem o filme. Para isso, ter um astro de renome mundial liderando o elenco é um bônus – nunca uma garantia de sucesso, mas um certo controle de riscos. Scarlett Johansson é uma das poucas atrizes com essa moral – ao lado de Jennifer Lawrence e, talvez, Angelina Jolie. Colocá-la à frente de um filme como Ghost in the Shell é uma forma de mostrar a quem coloca dinheiro no filme que o negócio é sólido. Como o mercado internacional é rei, o elenco é igualmente variado, com a atriz contracenando com "representantes" de diversos países, como Michael Pitt (EUA), Michael Wincott (Canadá), Juliette Binoche (França), Pilou Asbæk (Dinamarca), Chin Han (Singapura) e, claro, os japoneses Takeshi Kitano e Rila Fukushima.

Scarlett Johansson plays The Major in Ghost in the Shell from Paramount Pictures and DreamWorks Pictures in theaters March 31, 2017.

Scarlett vai esperar sentada até a polêmica passar….

Nada importa. Para quem levanta a bandeira da "apropriação cultural" – o que, num mundo plural como o de hoje, é um termo que segrega mais do que ensina – ter Scarlett Johansson como protagonista de A Vigilante do Amanhã é errado, ponto final. O diretor Rupert Sanders (Branca de Neve e o Caçador) não deu muita trela ao assunto, dizendo que "existe poucas atrizes com 20 anos de experiência que trazem essa estética cyberpunk", que Scarlett teria adquirido em papéis fora da caixinha como Encontros e Desencontros e Sob a Pele. A atriz também minimizou a polêmica, reafirmando que "jamais interpretaria uma pessoa de outra raça" e ressaltando que "diversidade é importante em Hollywood, e nunca faria um papel que fosse ofensivo".

Não existe, de fato, absolutamente nada ofensivo em A Vigilante do Amanhã com Scarlett Johansson liderando a empreitada. Para construir um filme assim, artistas mergulham em influências de todo o planeta. George Lucas pincelou a nova trilogia de Star Wars com referências de todo o globo. A fantasia e a ficção científica em particular são gêneros que não se furtam em misturar a estética e o peso cultural mundial para construir novos universos. O objetivo é sempre criar, ir além, apresentar filmes mais diversos e representativos, ao ponto em que cor ou raça ou sexo não sejam o motor da história, e sim integrados organicamente à narrativa. Apontar o dedo para o filme com qualquer acusação de racismo não é relevante para a discussão sobre diversidade, não ajuda em nenhuma luta por igualdade social: é pura birra.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.