Topo

Diretor de Piratas do Caribe naufraga feio em A Cura, sua volta ao terror

Roberto Sadovski

16/02/2017 22h59

A Cura é o que acontece quando um diretor tem dinheiro demais e ideias de menos. É um filme de terror cheio de pompa, atolado em intenções grandiosas, mas que afunda ante o peso de sua própria ambição. Não existe clichê do gênero que não seja explorado, não existe caminho familiar que não seja trilhado. É um filme de terror que não tem terror, ancorado em uma trama ginasial que me faz pensar que o diretor Gore Verbinski devia ter a história na cabeça há muito tempo, e só agora finalmente tirou a coisa da gaveta. Honestamente, devia ter deixado lá: você já assistiu a este A Cura centenas de vezes antes. E todas foram melhores.

É como ter uma lista de obviedades de filmes do gênero em mãos, e riscar uma a uma à medida que a narrativa avança. A trama acompanha o executivo de uma firma de investimento (Dane DeHaan), despachado pelos sócios da empresa para os Alpes Suíços com a missão de resgatar seu CEO, essencial para assinar documentos e completar uma transação de negócios. O sujeito está em um castelo, um spa especializado em hidroterapia a fim de obter uma certa "cura" que envolve abdicar das pressões do mundo moderno e abraçar o bem estar de suas águas miraculosas. Um acidente isola DeHaan no lugar e, aos poucos, ele percebe que o objetivo do diretor da clínica (Jason Isaacs) pode ter propósitos mais sinistros.

cura

Em A Cura, tudo é muito bonito….

Daí é ladeira abaixo. Um zelador ameaçador que é visto misteriosamente caminhando no lugar à noite? Pode apostar que tem. Uma mocinha de passado nebuloso, que surge como elemento estranho entre os pacientes idosos do lugar? Check! Todo mundo, de pacientes, médicos e até autoridades do vilarejo próximo ao castelo sugerindo que o protagonista está alucinando, que tudo é "para seu bem"? Certeza que sim. O tratamento e a clínica escondem, na verdade, eventos sinistros ocorridos séculos atrás com implicações bem presentes? Bom, acho que já deu para ter uma ideia da bagunça. Uma bagunça visualmente deslumbrante, que emoldura uma trama bocó e de mau gosto – a grande "revelação" é, para ser brando, patética. O pior: tudo estava no papel antes de o estúdio seguir em frente.

Mesmo com tanta evidência de um desastre anunciado, o investimento em A Cura não foi pequeno. Com uma etiqueta de 40 milhões de dólares, o filme foi rodado num castelo alemão por cinco meses e tem produção caprichada. Merecia mais cuidado com o texto, que dá a seus atores momentos absolutamente constrangedores – pobre Dane DeHaan, que vê seu personagem passar de implacável a fragilizado, de combativo a dominado, mudando de personalidade a esmo até o final inverossível. Já é complicado a trama ser tão derivativa e previsível, mas piora quando Verbinski mostra ser incapaz de terminar sua história de maneira convincente. No clímax, o diretor troca o tom soturno de sustos até então discretos por uma histeria mal colocada, uma luta no braço literalmente quando o teto está vindo abaixo. É como se algum executivo tivesse visto uma primeira cópia mais sóbria e pedisse, não nessa ordem, um ritual macabro (completo com médicos e pacientes transformados em devotos), fogo, destruição e, sério, um monstro que mirou no Dr. Phibes de Vincent Price e acertou nos "visitantes" da V- A Batalha Final. É rir para não chorar!

…. e muito, muito chato

Gore Verbinski não precisava de um filme assim, e definitivamente não precisava deste filme agora! Ele, que já demonstrara total domínio do gênero em O Chamado, e emendou um trio de filmes bilionários com Piratas do Caribe, perdeu a mão ao adaptar a série de TV O Cavaleiro Solitário, uma aposta longa e cara que deu um prejuízo homérico à Disney. A Cura seria a oportunidade de colocar o pé no freio, de reencontrar o contador de histórias por trás do realizador de espetáculos. Em algum ponto, deu tudo errado. Com duas horas e meia de duração, o que ele criou foi um dispositivo para testar a paciência da plateia de todas as maneiras. E fracassa em cada uma delas.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.