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Apesar da canastrice de Emma Watson, versão live action de A Bela e a Fera brilha

Roberto Sadovski

16/03/2017 04h59

Emma Watson stars as Belle and Dan Stevens as the Beast in Disney's BEAUTY AND THE BEAST, a live-action adaptation of the studio's animated classic directed by Bill Condon.

Refazer A Bela e a Fera, animação de 1991 que consolidou o renascimento moderno da Disney, era tarefa ingrata desde o começo. Colocar atores de verdade para abraçar a magia tão bem representada pelo desenho, missão quase impossível. É bacana, então, confirmar que o novo filme, com direção de Bill Condon, não só chega ao jogo em condições de igualdade com o original, como chega a superá-lo em certos momentos. É um conto de fadas bonito, extremamente bem produzido, que segue sua fonte com fidelidade – o desenho adaptava o conto de Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve, publicado em 1740, com elementos da versão de cinema que Jean Cocteau fez em 1946. O novo filme expande a história quando necessário e não foge de suas raízes musicais. Ao contrário de Mogli, o Menino-Lobo, que deixou as canções levemente de escanteio, A Bela e a Fera não tem o menor problema em parar tudo e colocar elenco, digital ou não, para soltar a voz e caprichar nas coreografias. Funciona que é uma beleza. Vai faturar rios de dinheiro. Uma nova geração vai chorar junto com os veteranos. O melhor de tudo: Emma Watson, canastrona e deslocada, não consegue estragar a festa.

É melhor, então, tirar o elefante da sala. Emma Watson, eternizada como Hermione em oito Harry Potter, simplesmente não pertence a este mundo. Talvez seja o problema em trazer uma atriz sem a menor intenção em ser uma princesa Disney para interpretar… uma princesa Disney! Quando sua Bela, logo no começo do filme, precisa parecer a moça sonhadora, deslocada no vilarejo francês em que vive com seu pai, Watson só transmite um certo desdém, uma arrogância que a deixa antipática. Em sua urgência para fazer da personagem uma mulher "moderna" e "empoderada", a atriz tenta trazer à história algo que não está lá. Pior: quando ela decide tomar o lugar do pai e se tornar prisioneira da Fera, a atitude vai de encontro com tudo que ela parece acreditar. O sacrifício inicial faz sentido, ela não escapar quando tem a chance, não. Ao menos Bill Condon, que honrou a camisa ao fazer os dois últimos Crepúsculo sem maiores danos, retoma as rédeas e não deixa que o conto de fadas se torne uma chatice politicamente correta. Os gritos de "síndrome de Estocolmo" da claque de sempre sequer arranham a condução da trama.

Gaston (Luke Evans) a handsome but arrogant brute, holds court in the village tavern in Disney's BEAUTY AND THE BEAST, directed by Bill Condon, a live-action adaptation of the studio's animated classic and a celebration of one of the most beloved stories ever told.

Gaston (Luke Evans), o brutamontes canalha que surge como o vilão perfeito

E a trama de fato engata quando Bela se vê presa no castelo da Fera (Dan Stevens), um jovem prepotente preso a uma maldição que o mantém num corpo bestial e transformou seus servos em peças da mobília. Contracenando com objetos inanimados – ou melhor, animados pela melhor tecnologia digital e com voz de um elenco tão talentoso quanto inacreditável –, ela diminui sua antipatia e aos poucos descobre a nobreza oculta pela aparência de seu captor. A produção é para aplaudir de pé. Cada elemento do castelo é rico em detalhes, e a construção intrincada do elenco em CGI mostra o cuidado de Condon e sua equipe em reproduzir a magia do desenho de 1991. O elenco parece que nunca se divertiu tanto, com destaque para Ewan McGregor, que empresa ao castiçal Lumiére uma energia maníaca que encontra equilíbrio na seriedade do relógio Cogsworth (Ian McKellen). A própria Fera é um passo além do design da criatura no filme de 26 anos atrás, recuperando seus elementos mais reconhecíveis e adicionando uma certa nobreza, amplificada pelo desespero da perda da humanidade, que o deixa fascinante. A frustração de seu retorno à forma humana, porém, é a mesma que senti no desenho, com Stevens e sua cabeleira loira fazendo o máximo para parecer um príncipe bacana e não um Menudo.

Se os filmes da Disney só são tão bons quanto seus vilões, Luke Evans devora o cenário como Gaston. Fanfarrão, o soldado veterano não mede esforços para ganhar o afeto de Bela. Na animação ele era um bruto que ganhava as discussões com a força dos bíceps. Já o filme lhe confere uma qualidade ainda mais canalha: aqui, Gaston não se furta em apelar para o assassinato se isso lhe garantir a mão de Bela. A pivetada com certeza vai ficar chocada. Como contraponto, seu parceiro de batalhas, Le Fou (Josh Gad), ganha mais tintas. Ele é alguém confuso entre ser o amigo ou ter o amigo, e que deixa seus sentimentos superarem o bom senso, disposto a virar o rosto para as atrocidades de Gaston e até a dar dinheiro para que as pessoas gostem dele. Por outro lado, é com Le Fou que surge o número musical mais fraco do filme, justamente quando ele canta as qualidade do companheiro canalha. Já o melhor momento musical é mesmo o baile solitário dos protagonistas, com aquela canção e um cinema, sem dúvida, banhado em lágrimas.

Lumiere lidera o elenco digital com a voz e a personalidade de Ewan McGregor

Transformar seus desenhos animados em filmes live action (deve haver um nome para isso…) é a jogada mais lucrativa da Disney em anos, e até agora o estúdio não deu ponto sem nó. Alice no País das Maravilhas bateu em 1 bilhão de dólares nas bilheterias em 2010, e Angelina Jolie ajudou a reimaginar A Bela Adormecida em 2014 com Malévola. A partir daí, as adaptações se tornaram ainda mais literais, com Cinderela (dirigido por Kenneth Branagh em 2015, com 544 milhões de dólares em caixa) e Mogli (de Jon Favreu, que faturou 967 milhões ano passado) pavimentando o caminho para A Bela e a Fera. É saudável, claro, questionar os motivos para refazer sua biblioteca de clássicos com o mínimo de alterações, só que com atores de verdade. Não que o desenho de 1991 tenha caído no esquecimento: seus fãs são fervorosos e leais, assim como os devotos de outros produtos do estúdio do Mickey. Mesmo com todo o cuidado depositado na produção, e no cuidado de Bill Condon em conferir personalidade a seu filme, ainda é um produto destinado a encher os cofres da Disney.

No fim, o veredito vai depender de seu apego ao filme original – seja com a crença de que nenhuma animação deveria ser "maculada", seja com a mente aberta para que elas sejam reinterpretadas. A Bela e a Fera, portanto, já nasce como peça de nostalgia, parte de uma engrenagem que encanta há mais de duas décadas. O argumento de "refilmagem desnecessária", acredite, cai por terra quando sobem os créditos. Se você é apaixonado pelo filme original, e não se importar com 45 minutos de história a mais, então este A Bela e a Fera também vai te conquistar. Deve chegar fácil em 1 bilhão nas bilheterias. Mulan, Dumbo, Aladin e O Rei Leão estão na fila. O mundo pertence à Disney. Nós só vivemos nele.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.