Com elenco classe A e efeitos especiais bacanas, Vida é filme de terror B disfarçado de superprodução
Num mundo perfeito, Vida seria um VHS surrado, exposto numa locadora ao lado de cópias de Galáxia do Terror, XB: Galáxia Proibida e Mercenários das Galáxias. O título na caixa seria algo como "A Criatura Assassina das Galáxias". Não se iluda, portanto, com o verniz de superprodução hollywoodiana. A ficção científica de Daniel Espinosa (Protegendo o Inimigo) é um "filme de monstro", uma cópia moderna de Alien, o Oitavo Passageiro, só que feita com mais grana e gente famosa do que as dúzias de clones da obra de Ridley Scott que surgiram nos anos 80. É tenso, extremamente violento… e incrivelmente divertido! Vida pode ser um título equivocado, mais adequado a um documentário sobre leões devorando gazelas do Discovery Channel. Mas, sejamos honestos, se você deu uma espiada no poster, sabe exatamente o que esperar.
O mesmo não pode ser dito dos tripulantes de uma estação espacial orbitando a Terra, prestes a recuperar um múdulo contendo amostras do solo de Marte. Eis que a equipe descobre, maravilhada, a primeira forma de vida extraterrestre já registrada, um organismo não muito maior que um bactéria. Batizado Calvin, ele cresce e evolui, logo releva instinto de sobrevivência implacável e, como não poderia deixar de ser, transforma cada um dos astronautas em alvo. Se a estação espacial cair na Terra, é certo que Calvin fará com a população do planeta exatamente o que os cientistas à bordo concluiram que ele fez com a vida em Marte. A partir daí, Vida se torna, ao mesmo tempo, um jogo de gato e rato e uma corrida contra o relógio: é preciso conter a criatura e, mais importante, jamais deixar que ela alcance nosso planeta. Na mistura, muita ciência de araque e seres humanos mortos de maneiras tão criativas quanto perturbadoras – imagine um alien dentro de um corpo, destruindo tudo de dentro para fora. Brrrrr….
Se Vida é um terrorzão B com recursos de cinemão, o elenco entendeu exatamente a proposta e abraçou seus estereótipos. Ryan Reynolds é o engenheiro marrento e impulsivo, ao passo de Jake Gylenhaal é o médico militar introspectivo e cabeça fria. Ariyon Bakare, veterano da TV inglesa, é o biólogo que enxerga as possibilidades que o organismo apresenta e Hiroyuki Sanada (O Último Samurai, Wolverine Imortal) é o piloto com razões fortes para voltar à Terra. Rebecca Ferguson (Missão Impossível – Nação Secreta) é a responsável pela quarentena que armou as medidas para impedir que qualquer criatura entre na atmosfera terrestre e Olga Dihovichnaya é a comandante da missão que… bom, ela morre rapidinho, então deixa quieto. Todos entram em campo dando tudo de si, o que ajuda o filme a ganhar credibilidade e também um senso de urgência. Afinal, se astros do primeiro escalão morrem nas mãos de Calvin, então tudo pode acontecer.
O elenco internacional ensaia um subtexto político (afinal, quem seria o "dono" da descoberta?) e é uma ideia que o roteiro ameaça aprofundar. Mas como o texto é assinado por Rhett Reese e Paul Wernick, autores de Deadpool, então fica claro que Vida não está em busca de profundidade, e sim de uma narrativa eletrizante, sustos criativos e desfecho inesperado. Calvin é, por sinal, um dos monstros cinematográficos mais bacanas já produzidos, indo de gosma protoplásmica a uma espécie de água-viva flutuante, culminando numa criatura de tentáculos poderosos que parece uma mistura de polvo com os ETs de Independence Day. É feio e fascinante, um corpo formado por células nervosas e tecido muscular, com cada célula sendo, ao mesmo tempo, cérebro, olhos e músculo. Se um filme de terror só é tão bom quanto seu bicho-papão, então Vida acerta em cheio ao entregar uma ameaça original e, para o terror dos tripulantes da estação espacial, aparentemente indestrutível.
Claro que Vida não faz muita força para fugir das armadilhas narrativas presentes em todos os clones de Alien da história, e nem os efeitos especiais bacanas (o filme é executado com o máximo de realismo) e nem o ótimo elenco consegue elevar o material acima da previsibilidade. Por outro lado, é raro um filme assim passar pelo filtro dos grandes estúdios e chegar aos cinemas intacto, uma produção bem dirigida, com suspense na dose certa, sem economia de cenas para deixar o sujeito mais durão se contorcendo na poltrona e uma reviravolta bacana. Com a contagem (regressiva) de corpos, Vida traz estrutura mais para Sexta-Feira 13 do que para Gravidade. É a resposta podreira para a ficção científica classuda de A Chegada, em que o dinheiro e talento envolvido estão a serviço de um roteiro forrado com os clichês mais deliciosos e as teorias de fãs mais absurdas – o final deixou muito entusiasta do universo do Homem-Aranha se perguntando "mas o que aconteceria se?". Sem falar que é fascinante ver Reynolds e Gyllenhaal, atores no topo da cadeia alimentar hollywoodiana, mergulhando num projeto que, em outros tempos, atrairia o tipo de talento que faz filmes enquanto serve mesas em algum restaurante de Los Angeles. É divertido, despretensioso e absolutamente irresistível. No espaço com certeza ninguém vai te ouvir gritar. Já no cinema, o susto é livre – e, acredite, bem provável.
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