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O impossível aconteceu: depois de quase vinte anos, Terry Gilliam termina de filmar seu Dom Quixote

Roberto Sadovski

06/06/2017 02h35

Dezessete anos. Foi o tempo que o cineasta Terry Gilliam demorou para concluir seu The Man Who Killed Don Quixote, projeto marcado pela mão teimosa do destino que insistia em derrubar qualquer tentativa de o filme sair do papel. Mas foi com júbilo que Gilliam anunciou, em sua conta do facebook, que as filmagens de Quixote finalmente chegaram ao fim. "Desculpem pelo silêncio, mas estou carregando o caminhão e indo para casa", escreveu. "Muchas gracias à minha equipe e aos sonhadores… Quixote vive!"

Acredite, se Gilliam conseguiu transformar este sonho em filme, absolutamente nada é impossível. Para resumir a história, The Man Who Killed Dom Quixote começou a tomar forma em 2000, com um Johnny Depp pré-Piratas do Caribe no papel de um sujeito que volta no tempo e encontra o cavaleiro criado pelo escritor Miguel de Cervantes, Quixote – então interpretado por Jean Rochefort. As filmagens foram interrompidas por uma série de desastres naturais, de doenças inesperadas a uma tempestade arrasadora, e nunca foram retomadas. Investidores sumiram com o dinheiro. A equipe contratada para fazer o making of da aventura terminou registrando todos os ocorridos, lançados como o documentário Perdido em La Mancha.

Gilliam não se abalou. Ou melhor, deve ter se abalado até o limite, mas não desistiu. Em meio a outros projetos, continuou repensando seu Quixote. Ewan McGregor substituiu Johnny Depp. Jack O'Connell substituiu Ewan McGregor. Adam Driver Substituiu Jack O'Connell. Já Quixote foi para as mãos de Robert Duvall. Depois para as de John Hurt. Depois Michael Palin. Depois Jonathan Pryce. O roteiro era constantemente reescrito, enquanto a busca por financiamento vivia altos e baixos, com todas as peças se movendo para o filme existir pelo menor orçamento possível, da forma mais viável possível. O destino ria na cara de Gilliam, que em troca desafiava Deus e o Diabo para realizar sua visão.

A palavra aqui é "perserverança" (mas podia facilmente ser "obsessão"). O fato é que, com Driver e Pryce no lugar, e a Amazon entrando como distribuidor, The Man Who Killed Dom Quixote sorrateiramente tomou forma, e a menos que o material bruto seja tragado para os confins da Terra por um terremoto, logo teremos mais um filme de Gilliam para desafiar nossa concepção de cinema. Porque filmes assim não são um capricho, e sim uma necessidade! Não entenda mal, eu adoro os blockbusters que desfilam pelos multiplexes a cada semana. De verdade. Mas o cinema precisa de gênios loucos para manter a fagulha.

Não se engane, Terry Gilliam é um destes gênios. Operando sob as asas de grandes estúdios, ou em projetos independentes, ele criou filmes belíssimos e esquisitos como Os 12 Macacos e O Pescador de Ilusões, como As Aventura do Barão Munchausen e Medo e Delírio. Ele ajudou a criar o grupo Monty Python, dirigiu Em Busca do Cálice Sagrado e O Sentido da Vida. Dirigiu Os Bandidos do Tempo. Brazil, O Filme. Seus filmes ensinaram mais de uma geração de cinéfilos e cineastas a pensar fora do molde, a ir além em suas ambições, a enxergar o cinema como um canvas em que a imaginação rompe as barreiras do impossível.

The Man Who Killed Dom Quixote é a materialização deste pensamento. Se mais nada foi modificado, a atual versão do filme traz um velho que vive na ilusão de ser o Dom Quixote de Cervantes. Ele confunde Toby, um publicitário, com seu escudeiro Sancho Pança, e a dupla rompe a barreira do tempo e salta entre o século 21 e a aventura no século 17, até que o próprio Toby não consiga mais diferenciar realidade de sonho. "Qualquer pessoa razoável teria desistido anos atrás", confessa Gilliam. "Às vezes, porém, os sonhadores teimosos e cabeçudos triunfam no final." Obrigado por não ser um sujeito razoável, Terry…

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.