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Bobão e ligeiro, A Múmia foge do terror para se tornar (mais) uma aventura com Tom Cruise

Roberto Sadovski

08/06/2017 13h26

A Múmia não é um filme de terror. Este ponto de partida do Dark Universe, o universo cinematográfico compartilhado pelos monstros clássicos da Universal, está mais para aventura ligeira do que para gritos e sustos. Embora seus criadores tenham mirado em Caçadores da Arca Perdida, chegaram mais próximos ao tom de A Múmia de 1999, o filme com Brendar Fraser que está a um Didi de distância para ser uma aventura dos Trapalhões. Tom Cruise, claro, não é canastra como Fraser. Mas seu registro aqui é mais fanfarrão e menos sóbrio do que em, digamos, Missão Impossível. Com o astro à frente, o novo A Múmia é uma salada, um filme que canibaliza sem pudor dezenas de outros melhores, funcionando como gibizão despretensioso, mesmo que provavelmente não seja isso que o estúdio quisesse para entrar no jogo dos universos compartilhados.

O problema é falta de foco. Alex Kurtzman, que escreveu um par de Transformers e Star Trek antes de saltar para a cadeira do diretor com o pouquíssimo visto Bem Vindo à Vida, não tem o pulso firme ou a visão clara necessária para segurar um filme desse escopo (imagine o estrago que um Guillermo Del Toro faria em seu lugar!). Ele começa a narrativa de maneira sóbria, explicando a trajetória da princesa egípcia Ahmanet, que perdeu sua posição como herdeira, fez um pacto com o Deus da Morte, Set, matou seu pai e foi, apesar dos poderes do mal invocados, encarcerada num túmulo distante. O clima de terror sugerido neste prólogo vai para o espaço em seguida, quando somos apresentados ao mercenário Nick Morton (Cruise), mais preocupado em saquear os tesouros que restam no Iraque do que participar de algum esforço pela paz. Um encontro com insurgentes iraqueanos revela o túmulo de Ahmanet, Nick é amaldiçoado e A Múmia perde o caminho.

Annabella Wallis e Tom Cruise: "Eu já contei aquela do pára-quedas?"

Se a ideia era fazer da aventura um filme com a intensidade de um Indiana Jones e o Templo da Perdição, Kurtzman e cia. ficaram na intenção. Por mais que Nick seja um personagem interessante – um anti herói do qual não sabemos nem o passado nem os objetivos, além de ser um ladrão –, é difícil construir um filme em torno dele: o título pode ser A Múmia, mas com o nome de Tom Cruise no topo do cartaz, e com a responsabilidade de ser uma "aventura de verão", o projeto logo cede às armadilhas vinculadas ao astro. Em outras palavras, ele corre um bocado, encara cenas de ação vertiginosas (a queda de um avião, ainda no primeiro ato, é o grande destaque) e precisa se mostrar um sujeito sensível e "do bem". O roteiro (escrito por, entre outros, David Koepp e Christopher McQuarrie) funciona se ele habitar uma área cinzenta, se for o sujeito que pode trair a todos sem pestanejar. Mas, bem, é Tom Cruise. Sem surpresas, seu arco logo se torna previsível, mesmo com a reviravolta no clímax.

Por outro lado, A Múmia pode ser encarado como diversão ligeira se a carga a ele atrelada for deixada na porta do cinema. É menos opulento do que Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar e se leva menos a sério que Rei Arthur: A Lenda da Espada. Sofia Boutella tem um equilíbrio bacana de sedução e ameaça no papel de Ahmanet, e seu design é inspirado (prevejo vários cosplays com mocinhas enroladas em trapos). Annabelle Wallis, como a protagonista esperta que enxerga a bondade inerente em Nick, entra no jogo e não compromete. Vail (Jake Johnson), colega amaldiçoado de Nick, está a um passo de ser plágio de Um Lobisomem Americano em Londres. E é sempre um barato ver Rusell Crowe devorando o cenário como ele faz aqui. No papel do doutor Henry Jekyll, ele é o "Nick Fury" deste universo, o sujeito que enxerga o tabuleiro de longe e que é capaz de posicionar as peças para enfrentar um monstro qe precise de esforços combinados para ser derrotado. Como seu nome já entrega, ele também é Eddie Hyde, a maldade de Jekyll materializada em uma personalidade maligna. Seu design discreto (e não o gorilão de, digamos, A Liga Extraordinária) funciona no contexto.

Russell Crowe dá umas dicas a Cruise: "Você precisa ser mais durão!"

"Contexto", no fim, é a palavra-chave de A Múmia. O filme é uma peça numa engrenagem maior, destinada a interligar outros filmes e competir com outros universos compartilhados do cinema, como Marvel, DC e Star Wars (boa sorte). Para um projeto de tamanha ambição, e com um astro do porte de Cruise à bordo, seria necessário um capitão mais competente não só em criar cenas de ação plasticamente competentes, mas também alguém capaz de criar um filme mais instigante, com personagens mais complexos e intrigantes, para que o público tivesse vontade de retornar a este mundo – exatamente como Jon Favreau e Robert Downey Jr. fizeram, lá em 2008, com o primeiro Homem de Ferro. O tempo para o próximo filme talvez seja longo demais – A Noiva De Frankenstein, com Javier Barden na pele do monstro trágico, só estreia em fevereiro de 2019. Mas o estúdio está disposto a abraçar seu Dark Universe com todos os canhões. Só precisava de um ponto de partida menos capenga.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.