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Quem precisa de mais três Homem-Aranha?

Roberto Sadovski

14/06/2017 02h13

Homem-Aranha: De Volta ao Lar, primeiro filme do herói aracnídeo no Universo Cinematográfico Marvel, chega aos cinemas em menos de um mês. O personagem ressurgiu nos cinemas em Capitão América: Guerra Civil e, depois de sua aventura solo, volta em Vingadores: Guerra Infinita, antes de protagonizar a continuação de De Volta ao Lar. Em uma entrevista recente, porém, o ator Tom Holland, o próprio Aranha, sugeriu que um terceiro filme já está nos planos. ou seja, será uma nova trilogia Homem-Aranha nos cinemas antes que a gente pare para respirar. Pausa para respirar: a trilogia original de Sam Raimi, com Tobey Maguire como o herói, ainda está fresca na cabeça dos fãs; os dois filmes com Andrew Garfield basicamente chegaram aos cinemas anteontem; e agora teremos uma nova overdose do Cabeça de Teia versão 3.0. Será que existe limite antes de o público jogar a toalha?

A verdade é que filmes com super-heróis hoje dominam o cinema e puxam a indústria no reboque. Não é algo ruim: numa época em que tantas formas de entretenimento ameaçam roubar o público dos cinemas, não é pecado investir em um produto que comprovadamente deu certo. Vivemos em uma época em que Mulher-Maravilha está em cartaz arrancando aplausos merecidos. Pantera Negra e Aquaman estão virando a esquina. Guardiões da Galáxia passou de personagens anônimos a heróis das multidões. 2017 mal respirou e já tivemos Logan, o segundo Guardiões e Mulher-Maravilha – com o Aranha chegando, seguido de um terceiro Thor e de Liga da Justiça. Isso só para falar dos super-heróis mais mainstream! Nesse panorama, Tom Holland dizer que De Volta ao Lar é o primeiro de uma nova trilogia é recebido sem nenhuma fanfarra, com sabor de "e agora, o que vão inventar?".

Quinze anos atrás, o Homem-Aranha com Tobey Maguire foi um fenômeno

Vamos voltar um pouco no tempo. Eu tô com idade e quilometragem nesse meio para ter participado, no começo do século, da chegada de Homem-Aranha aos cinemas. Super-heróis estavam mortos desde que Batman & Robin transformou tudo em circo em 1997. Em 2000, X-Men injetou vida no cadáver. Mas a cereja no bolo era o Aranha, e depois de uma década de complicações legais o diretor Sam Raimi ia transformar o herói em cinemão. Era a primeira semana de janeiro de 2001 quando eu fui convidado a um evento na Sony, em Los Angeles – único brasileiro na platéia. Lá, nas arquibancadas de um set que trazia um ringue cercado por grades, a imprensa internacional foi apresentada ao elenco de Homem-Aranha e descobriu um pouco mais sobre as ideias de Raimi para o filme. Havia empolgação no ar, era a sensação de testemunhar o começo de algo verdadeiramente revolucionário.

Pouco mais de um ano depois, Homem-Aranha chegou aos cinemas, bateu recordes, tirou os holofotes de Star Wars: Ataque dos Clones e foi um verdadeiro fenômeno midiático, espelhando a febre causada pelo Batman de Tim Burton em 1989. Difícil acreditar que isso foi apenas há quinze anos, e que muito por causa de Homem-Aranha os super-heróis são a força motriz do cinemão do novo século. Muitos super-heróis, de todas as formas, gêneros, públicos e resultados. O reboot com Andrew Garfield, visto já com este pequeno distanciamento, parece mesmo uma tentativa de o estúdio garantir uns trocados antes de firmar o acordo histórico que recolocou o personagem na Marvel no cinema. Se a versão Espetacular trazia consigo uma certa fadiga, fica difícil empolgar de verdade com a overdose de Aranha insinuada por Tom Holland.

Homem de Ferro, Homem-Aranha: na ordem do dia, produtos bem embalados

Certo, quem estou querendo enganar, não é? Eu sou fã do Homem-Aranha desde moleque, essa versão apresentada em Guerra Civil parece mesmo ser a mais empolgante que o cinema já apresentou e, se conseguir me deixar grudado na poltrona com um sorrisão por duas horas, tá valendo. Mas existe o fã, e existe o sujeito que precisa olhar para o cinema de maneira mais afiada. Daí uma trilogia Homem-Aranha se torna parte de uma questão bem maior: a falta de novas ideias. É possível estender a interrogação para qualquer produto que chegue aos cinemas em forma de filme. Afinal, quem precisa de mais Star Wars? Depois de cinco décadas, quem precisa de mais aventuras de James Bond? Com Harrison Ford encostando nos 80 anos, quem precisa mesmo que ele volte a ser Indiana Jones?

A resposta é até simples: nós. E eles. Como consumidores de cultura pop, abraçamos o velho e o novo quando ele chega com qualidade. O primeiro nos conforta como reencontrar um velho amigo. O segundo, nos mantém empolgados com a capacidade criativa de quem trabalha criando sonhos. Tom Cruise matou a charada quando papeei com ele há algumas semanas no México, quando ele estava lançando A Múmia: gostamos de histórias seriadas, gostamos de reencontrar personagens em constante evolução, e o cinema simplesmente redescobriu o que já era regra nos anos 30. O velho às vezes é o novo. Sem falar que as centenas de milhões de dólares faturados por estes produtos é o que faz a indústria funcionar em seus pequenos empreendimentos, nos filmes que os atores e produtores e roteiristas e diretores dão vazão à sua criatividade, muitas vezes bancados porque um projeto grandão deu certo.

Até porque estamos falando de produtos, de propriedade intelectual. O cinema é só parte de uma cadeia que precisa ser alimentada de várias formas. O reboot de Power Rangers não empolgou nas telas, e os resultados mundiais nas bilheterias foram pífios. Mas, veja só, uma continuação pode ser viável porque os brinquedos relacionados ao filme garantiram um aumento de mais de 100 por cento nas vendas mundiais da marca. Antes, o cinema tinha uma segunda chance com o mercado de home video, de DVDs, que definhou e não dá mais segundas chances a um filme que não funcionou nos cinemas. A solução é abrir o leque e fazer com que a grana chegue de outras fontes. Um filme, visto assim, é parte de uma engrenagem maior que mantém uma propriedade intelectual viva. Por isso que Hellboy vai ganhar um reboot. Por isso que Star Trek está voltando para a TV. E por isso que Homem-Aranha: De Volta ao Lar é o primeiro de uma nova trilogia.

O que não quer dizer, de forma alguma, que um produto não seja também um filme, sem trocadilhos, espetacular! E você, ainda precisa de mais três Homem-Aranha?

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.