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Com o pavoroso Baywatch, o filme, a zoeira finalmente encontra seu limite

Roberto Sadovski

15/06/2017 01h23

(L-R) Jon Bass plays Ronnie, Alex Daddario plays Summer, Zac Efron plays Matt Brody, Dwayne Johnson plays Mitch Buchannon, Kelly Rohrbach plays CJ Parker, and Ilfenesh Hadera plays Stephanie Holden in BAYWATCH; the film by Paramount Pictures

Existe um par de observações a fazer sobre Baywatch: S.O.S. Malibu, versão para o cinema da série de TV dos anos 90. Primeiro, o filme é horrível. Doloroso, até. Facilmente um dos piores que o ano vai arremessar sobre plateias incautas… mas logo voltamos a ele. Segundo, Baywatch não é o problema, e sim o sintoma de um mal ainda maior que assola o cinemão desde sempre. Da falta de ideias? Com certeza, mas regurgitar e repaginar um conceito antigo não é exatamente um pecado. A coisa complica mesmo quando um produto é jogado no mercado sem que seus criadores façam a menor ideia pra que ele serve. Quando este produto é fruto de um pensamento de comitê que deixa visão criativa e coesão narrativa de lado, privilegiando a crença de que, se existe meia dúzia de interessados em qualquer propriedade intelectual, é só colocar o bloco na rua que os foliões seguirão. Baywatch naufragou nas bilheterias. Os foliões, aparentemente, preferiram Netflix e um cobertor.

Melhor começar com a real. A série praiana S.O.S. Malibu, com David Hasselhoff pós-Super Máquina "patrulhando" as areias da costa californiana, é notória pelas tomadas infinitas das beldades de seu elenco correndo pela praia em câmera lenta em maiôs que desafiavam a lei da gravidade. E só: desafio qualquer um a lembrar do plot de qualquer episódio. Lógico que, nessa linha de pensamento, uma adaptação para cinema pós-moderna, cheirando a século 21, carregaria na ironia e na paródia. Afinal, existe alguns modos de repensar um conceito da telinha de outrora para o cinemão de hoje. Miami Vice, por exemplo, gerou um filme extremamente sóbrio, com uma visão bem clara sobre o combate ao narcotráfico (e suas consequências), pelas mãos de Michael Mann. O outro extremo é Anjos da Lei, em que Christopher Miller e Phil Lord criaram um mundo paralelo em que impera a auto referência, anabolizando os aspectos mais absurdos da série que revelou Johnny Depp. Flutuando no vácuo entre estas abordagens, está Missão Impossível, elevada a série bilionária com Tom Cruise à frente – nem séria demais, nem cômica demais.

The Rock e The Hoff: mitos fritando na praia

Baywatch consegue mirar em TODOS os conceitos e falhar miseravelmente em cada um. O filme, dirigido com mão de chumbo por Seth Gordon (Quero Matar Meu Chefe, Uma Ladra Sem Limites), não se furta em zombar de seu próprio conceito: a todo tempo, somos lembrados por algum personagem que, se acontece alguma atividade suspeita na praia, os salva-vidas tem de chamar a polícia, e não investigar a coisa por conta própria. Funcionaria, se a aventura logo não abraçasse uma trama sobre tráfico de drogas e cadáveres na praia sem a menor leveza ou ironia. É como se todos os envolvidos – diretor, produtores, roteiristas, elenco – quisessem fazer filmes diferentes e simplesmente seguiram sua própria cabeça. Poucas vezes uma comédia de ação trouxe uma salada tão indigesta de tom e execução, reduzindo qualquer possibilidade de inteligência com piadas sobre fluidos compóreos, pênis entalados (essa é plágio mesmo de Quem Vai Ficar com Mary?), seios balançando, bebedeira, vômito etc. É como se fosse dado notebooks a um esquadrão de símios e o diretor filmasse qualquer coisas que eles tivessem martelado no teclado.

Resta ao elenco – ou melhor, a Dwayne Johnson – a tarefa de salvar o desastre. Mas nem sua presença boa praça consegue tirar a inércia das cenas de ação ou alguma química com qualquer outro membro do elenco. Que é, por sinal, de chorar. Jon Bass (alívio cômico acima do peso) e Kelly Rohrbach (um avatar da salva-vidas C.J. de Pamela Anderson na série original, de igual talento dramático) são o "casal improvável" do imbróglio, mas é como se nem estivessem em cena. Alessandra Daddario esteve melhor em Terremoto: A Falha de San Andreas – e eu escrevo isso sem um pingo de ironia. A traficante/milionária, interpretada pela estrela indiana Priyanka Chopra, quer ser uma vilã de 007 (o que ela diz em alto e bom som) é inexpressiva e entediante, conduzindo o fiapo de trama com a sutileza do Godzilla (que periga ser melhor ator).

Acredite, com certeza eles se divertiram muito mais do que você…

Apesar de tudo, Baywatch deve mesmo ser lembrado como o filme em que Zac Efron decidiu se despedir da raça humana. No papel de Matt Brody, medalhista olímpico que, depois de jogar a carreira na lama, precisa prestar serviços comunitários como salva-vidas, Efron é o retrato da jornada do herói. Começa como moleque arrogante, metido e egoísta, mas passa a valorizar o trabalho em equipe e encontra uma nova família (é, contei o filme todo). O ator revelado em High School Musical (acredite, a referência é a ÚNICA piada engraçada do filme) já provou ser um artista talentoso e carismático. Mas ele deve ter confundido seu papel com o de Dwayne Johnson e transformou seu corpo em uma massa amorfa de músculos, completa com queixo quadrado e pele de aspecto cadavérico, como couro seco esticado sobre ripas de madeira. Efron, como o aluno mais aplicado da Escola Bambam de Marombismo, mal consegue caminhar direito, quanto mais convencer como campeão olímpico de natação. Seu rosto, cheio de ângulos retos, é como um boneco Ken depois de levar uma surra do Falcon. Sempre que ele está em cena sua aparência supera todo e qualquer esforço narrativo que Baywatch possa ter – e, acredite, ele está em todas as cenas.

Você pode encarar Baywatch como uma experiência em forma de filme que não deu certo. Pode abraçar o absurdo e tentar rir da ultraviolência desnecessária ou das piadas nível joãozinho da quinta série. Pode testemunhar um sujeito bacana e carismático como Dwayne Johnson derrapando como nunca antes – respire aliviado, Jumanji parece ser uma surpresa divertida. Pode ser um fã de S.O.S. Malibu e ser uma das sete pessoas dentro do cinema a se empolgar com as cameos completamente desnecessárias de David Hasselhoff (deviam ter lhe dado um papel decente) e Pamela Anderson (demorei alguns segundos para reconhecer a eterna Barb Wire). Pode assistir o que acontece quando Hollywood enxerga uma fileira de números e gasta dezenas de milhões para soprar novo fôlego em uma propriedade intelectual que, basicamente, ninguém está muito a fim de ver (dá pra arquivar CHiPs na mesma categoria). Ou pode simplesmente poupar retinas e neurônios e aproveitar essas duas horas para um bom cochilo. Pode deixar que, quando Colt Seavers, Mark Harris ou Jonathan Chase estiverem num cinema perto de você, eu te acordo.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.