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Dupla Explosiva quase resgata a arte perdida da comédia de ação. Quase...

Roberto Sadovski

05/09/2017 03h52

Michael Bryce (Ryan Reynolds) and Darius Kincaid (Samuel L. Jackson) in THE HITMAN'S BODYGUARD. Image Courtesy of Lionsgate Entertainment.

As comédias de ação viram a luz do dia no míticos anos 80, tornaram-se um dos gêneros mais populares do cinema, foram depois desacreditadas, parodiadas, desconstruídas e, finalmente, caíram em desuso. Eventualmente, um filme como Dois Caras Legais, em que Shane Black dirige Ryan Gosling e Russell Crowe em todos os clichês possíveis do gênero, chega ao cinema e é recebido com frieza. Por isso que o relativo sucesso de Dupla Explosiva, mesmo que totalmente acidental, traz um sorriso sincero a quem foi criado com uma dieta de Um Tira da Pesada, Máquina Mortífera, Fuga à Meia-Noite e, vá lá, A Hora do Rush. Honestamente, é uma fórmula quase impossível de errar: junte dois (ou três) sujeitos que não combinam de forma alguma, misture a uma trama simples e absurda, um vilão sem tons de cinza, um monte de armas e voilá, Inferno Vermelho instantâneo!

O que pega mesmo aqui é o "acidental". Não que Dupla Explosiva (o título absolutamente genérico e nada inspirado para The Hitman's Bodyguard, ou "O Guarda-Costas do Assassino") seja uma festa de talento e esmero cinematográfico. Mas o filme de Patrick Hughes (que tem no currículo… errr… Os Mercenários 3) calhou de chegar aos cinemas ianques a) no fim da temporada de verão mais insossa em pelo menos uma década e b) com praticamente zero concorrência. O resultado foram três semanas sólidas no topo das bilheterias, com 60 milhões de dólares em caixa, dobrando o orçamento enxuto (30 milhões para quem, como eu, é de Humanas) antes até de contabilizar um centavo do mercado internacional. Some isso ao carisma inegável da dupla de protagonistas, os explosivos (heh…) Ryan Reynolds e Samuel L. Jackson, e o resultado é uma aventura exagerada, acelerada, esquecível e muito, muito divertida.

Gary Oldman ganha o dinheiro mais fácil de sua carreira como o vilão

A trama é um primor. Reynolds é o guarda-costas mais eficiente do planeta (ah, superlativos…), que perde um cliente nos primeiros segundos do filme. Corta para dois anos depois e ele perdeu fama e fortuna, contentando-se em trabalhos de quinta com clientes levemente endinheirados. Já Jackson é o melhor assassino profissional do mundo (tô dizendo…), que encontra-se sob custódia da Interpol. Como manda o absurdo, ele também é o único sujeito capaz de incriminar e trancafiar de vez o ex-ditador da Bielorrússia, que enfrenta julgamento por crimes contra a humanidade em Haia. E você sabe que o sujeito é a maldade encarnada quando ele é interpretado por um Gary Oldman que sobreviveu até a um envenenamento. Existe um traidor a serviço do criminoso na Interpol (que você descobre em segundos porque Joaquim de Almeida está no elenco) e, para levar Jackson em segurança até a corte, Reynolds entra em cena praticamente coagido por sua ex (Elodie Yung). Bônus round: os dois já se conheciam e já se odiavam, mas precisam colocar as diferenças de lado e trabalhar juntos para chegar a Haia sem morrer.

Hughes faz milagre com o roteiro de Tom O'Connor (que tem currículo inexistente), mas Dupla Explosiva só funciona mesmo pelo carisma de seus protagonistas. É um pecado perceber que essa é a primeira vez que Reynolds e Jackson trabalham juntos (não estou contando a animação Turbo…), e é um barato ver como eles se completam. O grande segredo para uma comédia de ação é, afinal, a escolha de seus jogadores. Nick Nolte e Eddie Murphy (48 Horas, o "pai" das comédias de ação), Mel Gibson e Danny Glover (Máquina Mortífera), Robert DeNiro e Charles Grodin (Fuga à Meia-Noite), Will Smith e Martin Lawrence (Os Bad Boys) foram pares em filmes memoráveis. A lista dos fracassos, por outro lado, é maior que esse texto inteiro, o que prova que criar um filme bem sucedido desse gênero envolve uma alquimia delicada – eu vi Tiras em Apuros, com Bruce Willis e Tracy Morgan, pra você não se dar ao trabalho.

Elektra e Deadpool protegem Nick Fury do comissário Gordon…

O curioso é ver um produto tão genérico como Dupla Explosiva chegar aos cinemas praticamente como uma anomalia. O cinema de ação moderno – em particular as comédias de ação – existe em um mundo super estilizado, como se abraçar suas origens fosse um sentença de morte artística. Não há nada errado em observar um gênero à distância e/ou interpretá-lo de forma menos literal e mais irônica. Assim como não é nenhum pecado abraçar uma fórmula e segui-la à risca, de forma contemporânea, sem querer o recorte de uma época ou a moldura de um estilo. Busca Explosiva senta confortavelmente nessa segunda opção, e talvez por isso surja como entretenimento puro e despretensioso. Se você quiser arriscar um jogo de bebidas, virando um shot a cada vez que alguém em cena larga um "motherfucker", é embriaguez na certa. E se a dose for dupla quando sair dos lábios de Salma Hayek, é coma alcoólico garantido…

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.