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Beirando a paródia, Kingsman: O Círculo Dourado é uma tremenda bobagem

Roberto Sadovski

28/09/2017 03h39

O segredo para uma boa continuação não está em aumentar o volume e repetir o que veio antes numa escala maior: o pulo do gato é evolução, é manter o foco na jornada de personagens já familiares, levando-os a caminhos inexplorados. Isso separa sequências apenas ok de filmes realmente grandiosos – o resto, como dizem, é perfumaria. Matthew Vaughn deve ter faltado a essa aula. Kingsman: O Círculo Dourado, segue exatamente o mesmo ritmo de seu antecessor, só que amplifica tudo pelo caminho e deixa seus protagonistas como parte da mobília. É divertido como o original, é bem produzido e bem filmado e traz uma ou outra ideia bacana. Mas sem o fator novidade para apimentar o conjunto, o que resta é uma aventura com sabor de pizza largada na geladeira.

Não que exista algo errado em fazer da pizza de ontem o almoço de hoje! O Círculo Dourado capricha na violência e no absurdo (a piada sobre sexo anal do filme anterior é café pequeno em comparação) para agarrar a atenção da plateia. A edição é mais frenética, as cenas de ação mais elaboradas e a trama é a melhor paródia de James Bond que o cinema moderno pode oferecer. Mas é uma bagunça, com Vaughn e a roteirista Jane Goldman jogando tudo na parede pra ver o que termina grudado. A resposta: não muito. Depois de deter o vilão interpretado por Samuel L. Jackson no filme original, os Kingsman enfrentam uma traficante que, para implementar seu plano de dominação mundial, precisa antes riscar da face da Terra toda a equipe inglesa. O ataque é fulminante, deixando apenas Eggsy (Taron Egerton) e Merlin Mark Strong) para juntar os caquinhos. Seu plano de contingência, eles logo percebem, é pedir ajuda aos "primos" americanos, os Statesman.

DF-09632_r - Channing Tatum stars in Twentieth Century Fox's

Channing Tatum à frente dos Statesman, os espiões ianques

Se no Reino Unido o texto brincava com os estereótipos britânicos, quando a dupla cruza o Atlântico o filme não poupa os exageros ianques – resumidos em clichês de caubóis e muita bebida. O que fica óbvio quando Eggsy e Merlin encontram o agente Tequila (Channing Tatum que, como Erik Stoltz em Anaconda, ganha aqui o cachê mais fácil de sua carreira), seguido de Ginger (Halle Berry), Whiskey (Pedro Pascal, o melhor cosplay de Burt Reynolds da época de Agarra-me Se Puderes! disponível) e seu líder, Champ (Jeff Bridges, devorando o cenário). As duas equipes precisam se unir para encontrar e deter Poppy, a tal traficante, refugiada em uma "base de supervilão" no meio da selva, que reproduz uma fatia da cidade americana média dos anos 50. Seu plano é misturar uma substância em meio às drogas que já distribui em todo o mundo, que causa paralisia e a subsequente morte dos usuários. Para liberar o antídoto, ela quer uma fortuna.

Aqui surgem os pontos mais brilhantes de O Círculo Dourado. No papel de Poppy, Julianne Moore surge à vontade, uma vilã sanguinária encoberta por um sorriso permanente e uma paixão por Elton John (que, sim, é parte do elenco e da trama!). Segundo, a reação do presidente americano vai fazer muito eleitor de um certo pré-candidato brasileiro aplaudir de pé: ele pretende cruzar os braços e deixar que todos os viciados morram mesmo. Bruce Greenwood, por sinal, já pode considerar o cargo, já que surge como presidente pela terceira vez, depois de interpretar um real (John Kennedy em Treze Dias Que Abalaram o Mundo) e um de mentirinha (ao lado de Nicolas Cage no segundo A Lenda do Tesouro Perdido). O plano de Poppy pode não ser original, mas Vaughn se diverte de montão ao mostrar um "campo de tratamento" que praticamente isola as vítimas em gaiolas esperando a hora da morte. Coisa fina.

Colin Firth: "Entregue-me meu dinheiro e eu atuarei como um robô!"

O que não funciona muito bem é justamente o que fez da aventura original tão brilhante: Colin Firth, que levou um tiro na cabeça no primeiro Kingsman, é trazido de volta com uma desculpa canhestra e nunca encontra o tom certo no novo filme. Sua participação surge como uma obrigação, e não como uma evolução do roteiro. Sem falar que o retorno de seu Harry Hart praticamente congela qualquer chance de Eggsy crescer como personagem. Como a dupla ainda é o centro de O Círculo Dourado, Vaughn e Goldman ficam num beco sem saída criativo criado por eles mesmos. Para compensar, o filme engata uma segunda em todo o resto, entregando seqüências mais opulentas, ameaças mais ridículas (no melhor sentido) e lutas mais violentas e estilizadas. O que, para o cinema de gênero de 2017 em diante, já não enche os olhos como antes. Evolução é, de verdade, a palavra-chave.

Kingsman: O Círculo Dourado coloca-se, finalmente, como parte do que está errado com o cinema de fantasia atual. Não existe nada exatamente errado com ele, mas também lhe falta propósito. Matthew Vaughn surgiu como uma nova força para a arquitetura do cinemão pop, entendendo que o novo século trazia uma proposta de renovar e desconstruir – o que ele fez de maneira brilhante com X-Men Primeira Classe, Kick-Ass e com o próprio Kingsman: O Serviço Secreto. Os filmes do gênero que conseguem se destacar da turba hoje são os que dão um passo além em sua visão e em sua execução. O Círculo Dourado não é um retrocesso, e sim uma pausa. Vaughn já anunciou que pretende fechar uma trilogia. Ele merece o benefício da dúvida e, quem sabe, consiga arrumar sua própria bagunça.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.