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O Globo de Ouro foi delas! Mas será que as coisas vão mesmo mudar?

Roberto Sadovski

08/01/2018 18h25

O Globo de Ouro foi previsível. O Globo de Ouro foi um tédio. O Globo de Ouro foi divertido. O Globo de Ouro foi importante. Todas as anteriores. Maior festa da firma de Hollywood, objeto de escárnio dos próprios indicados, o oba oba promovido pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (ou HFPA para os íntimos) teve a enorme vantagem de ser a primeira grande premiação do entretenimento depois que 2017 trouxe alguns dos maiores escândalos da história do cinema ianque à tona. Assédio sexual, falta de oportunidades para as mulheres, Trump passando vergonha na cadeira de presidente: nenhum assunto foi deixado de fora quando a elite do cinemão se juntou na premiação regada a álcool, bom humor e muitos ovos para ser pisados. Foi tudo muito certinho, muito politicamente correto, muito relevante…. e muito chato para quem não faz parte do clubinho.

A discussão, por outro lado, é ótima. As mulheres foram em peso trajando preto como forma de protesto – não só contra o absurdo assédio sexual que muitas delas enfrentaram (e ainda enfrentam) por anos, mas para chamar a atenção para grupos que lutam essa guerra silenciosa há anos. A hastag #TimesUp, apontando o fim da prática do assédio que marcou centenas (milhares?) de mulheres na indústria deu o tom. Claro que parte da claque tentou diminuir a coisa, dizendo que era meio que um traje básico para eventos assim. Mas a verdade é que houve, sim, um sentimento de união, uma tensão no ar que foi anabolizada não só pelo discurso de abertura, com o humorista e apresentador Seth Meyers disparando chumbo grosso contra Harvey Weinstein e Kevin Spacey, mas também com as palavras poderosas das mulheres que tomavam o palco. De Laura Dern (premiada pela série Big Little Lies) à onipresente Oprah Winfrey, recebendo um prêmio por sua contribuição no mundo do entretenimento e na vida de muita gente, em um discurso que não cairia mal se fosse sua posse como presidente dos Estados Unidos (vai vendo….), suas palavras reverberaram pelo globo (o nosso).

O apresentador Seth Meyers deixou a coisa rápida e furiosa

Os prêmios, por sinal, refletiram esse foco no trabalho de mulheres que não se calam mais. De Três Anúncios Para um Crime (grande vencedor da noite, surpreendendo como melhor filme/drama) às séries Big Little Lies (que parecia ter a platéia inteira em seu elenco) e The Handmaid's Tale, o holofote pareceu mais político que artístico. Os temas eram recorrentes: empoderamento, injustiça, misoginia, abuso, assédio. Mais uma vez, nada de surpreendente levando-se em conta que é o Globo de Ouro, e que a própria indústria não leva esse prêmio lá muito a sério. Acho muito difícil o Oscar, por exemplo, ignorar Dunkirk ou Corra! ou The Post. Ainda assim, os discursos, as piadas, o clima geral sinalizava uma mudança, um sentimento que Hollywood talvez não pudesse mais ser a mesma depois de tanta denúncia e tanta gente com seus pecados expostos. Imaginei, a certa altura, quanta gente ali era amigo de Harvey Weinstein ou de Kevin Spacey um ano atrás, que estariam ali aplaudindo seu trabalho… e quantos morriam de medo de ter seus próprios desvios revelados em redes sociais.

Nem demorou tanto assim, na verdade. James Franco, premiado por seu trabalho impecável no incrível Artista do Desastre, mal teve tempo de se acostumar com o Globo de Ouro na sacola, já que ainda de madrugada atrizes que trabalharam com ele, como Ally Sheedy e  Sarah Tither-Kaplan, sugeriram que o ator não tinha nenhuma moral para estar numa festa que supostamente celebrava a luta contra o assédio sexual. "James Franco ganhou", disse Sheedy, que foi dirigida pelo ator numa peça em Nova York. "Nunca me perguntem por que eu deixei a indústria do entretenimento." Uma história de 2014, quando ele convidou uma turista de 17 anos para um quarto de hotel, também ressurgiu – como lembrou o site Vulture. Casey Affleck, vencedor do Globo de melhor ator ano passado, e também carregando acusações de assédio nas costas, não deu as caras. Franco ainda não comentou sobre as novas acusações. Quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas.

75th ANNUAL GOLDEN GLOBE AWARDS -- Pictured: (l-r) Tommy Wiseau, James Franco, “The Disaster Artist”, winner Best Performance by an Actor in a Motion Picture – Musical or Comedy; Dave Franco at the 75th Annual Golden Globe Awards held at the Beverly Hilton Hotel on January 7, 2018 -- (Photo by: Paul Drinkwater/NBC)

James Franco: premiado na festa, já enfrenta acusações de assédio

O Globo de Ouro foi, afinal, a maneira de a elite hollywoodiana expiar seus próprios pecados. Foi um modo de dizer ao mundo o quanto todos estão de olho, todos estão preocupados e que certas práticas não podem mais acontecer. Ótimo. Mas falar, claro, é fácil. Como Natalie Portman, que lembrou que todos os indicados a melhor diretor eram homens – mas sem apontar que das 250 maiores bilheterias do ano passado, apenas 7 por cento foram feitas por mulheres, mostrando que ali tinha um sintoma, não um problema. Ou Debra Messing, que cobrou do canal E!, enquanto dava entrevista ao próprio canal E!, que seus apresentadores tivessem salários equiparados, não importa o gênero. O movimento não pode ficar apenas bonito na televisão. Afinal, Rose McGowan, uma das muitas atrizes violentadas por Harvey Weinstein, não deu as caras na festa. "Vejo todos de preto, e lembro que muitos sabiam de tudo e nunca se mexeram", disse no twitter. "Cansei da falsidade hollywoodiana." Próxima parada: o Oscar.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.