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Terceiro Maze Runner é último suspiro da literatura adolescente no cinema

Roberto Sadovski

30/01/2018 04h29

Maze Runner: A Cura Mortal é uma aventura adolescente ok. Ok e também atrasada: o filme chega aos cinemas um ano depois da data original, seguindo a recuperação de seu protagonista, Dylan O'Brien, que sofreu um acidente severo durante as filmagens. Ninguém, além dos fãs hardcore, deu bola. Se há pouquíssimo tempo os filmes baseados em literatura adolescente – ou young adult, jovens adultos no original – causavam ondas sísmicas quando chegavam aos cinemas, hoje esse subgênero voltou ao nicho. A Cura Mortal, por exemplo, não faz o menor sentido para quem não acompanhou a) os livros de James Dashner e b) os dois filmes anteriores. Quem cai neste mundo de supetão encontra uma aventura pós-apocalíptica piegas e previsível, sem emoção ou momentos memoráveis. É a "jornada do herói" em sua forma mais aguada, empacotada para um público pouco exigente. Se a gente for além dessa linha, a coisa está morta e enterrada.

Não que os filmes young adult tenham sido fenomenais fora de Harry Potter, Crepúsculo e Jogos Vorazes. Mas é o modus operandi do cinemão: se algo dá muito certo (financeiramente), o negócio é espremer até onde puder. Em meio ao caos, uma ou outra coisa é pincelada, estúdios investem em novas "franquias" e a vida segue. Talvez a coisa toda seja questão de charme. Quando J.K. Rowling criou sua escola de magia e a populou com aprendizes de feiticeiro, houve identificação imediata com o "menino que sobreviveu", com o bruxo mirim que, um dia, salvaria a todos do grande vilão. A grande jogada foi não só criar personagens carismáticos, mas construir um universo e uma mitologia rica para que eles habitassem. Harry (ao lado de Hermione e Ron) era o protagonista óbvio, mas uma dúzia de outros personagens tiveram igual importância.

Harry Potter: fenômeno da literatura que dificilmente será superado

O mesmo pode ser dito de Crepúsculo. Mesmo com muita gente torcendo o nariz (e com razão) para os vampiros cintilantes de Stephenie Meyer, e com os filmes sendo aquela pasmaceira lá, é inegável a identificação de uma fatia enorme de fãs com o romance "impossível" dos livros: era Harry Potter para quem cresceu um pouquinho. Jogos Vorazes, por sua vez, deu uma plagiadinha básica no japonês Battle Royale, mas colocar adolescentes num futuro distópico dizimado por uma guerra abriu espaço para uma mitologia bacana e para o carisma imenso de Jennifer Lawrence. As caixas registradoras trabalharam extra, já que as três séries renderam, juntas, cerca de 14 bilhões de dólares. Óbvio que os estúdios foram atrás de explorar essa mina de ouro até o limite. Alguns filmes deram certo, como A Culpa É das Estrelas, ou mais ou menos certo, como a saga Divergente: com o resultado aquém do esperado do terceiro filme, a conclusão da série no cinema foi abortada, e os produtores ainda estudam como migrar a coisa toda, sem a estrela Shaylene Woodley, para a TV.

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A esmagadora maioria, porém, estacionou em um primeiro filme, com os fãs se contentando com uma pá de "pilotos" de séries que não foram para lugar nenhum. Em comum, todas traziam um protagonista que, num mundo fantástico (um futuro pós-apocalíptico, uma terra mágica), surgia como o "escolhido". Foi assim com Eragon (com Ed Peelers), As Crônicas de Spiderwick (com Freddie Highmore), O Jogo do Exterminador (com Asa Butterfield), Eu Sou o Número Quatro (com Alex Pettyfer), O Doador de Memórias (com Brenton Thwaites), A Quinta Onda (com Chloë Grace Moretz), Os Instrumentos Mortais (com Lily Collins), A Hospedeira (com Saorsei Ronan) e Dezesseis Luas (com Alice Englert e o novo Han Solo, Alden Ehrenreich). Uma lista que provoca uma mistura de indiferença e sono, com certeza. Ainda assim, mostrou quanto esforço os donos do dinheiro em Hollywood colocaram em adaptações de livros que miravam num público seleto, entusiasmado e, principalmente, apaixonado. Acredite: essa coleção de fracassos não vai impedir que atores jovens embarquem em aventurar literárias traduzidas para o cinema. Artemis Fowl, série de livros de Eoin Colfer, sobre um gênio do crime mirim, chega aos cinemas em 2019 sob direção de Kenneth Brannagh e com o novato Ferdia Shaw no papel título.

Maze Runner: final explosivo, definitivo e piegas

Dentro desse sub gênero, Maze Runner não é dos piores. Conduzida por Wes Ball, que migrou do desenho de produção e dos efeitos especiais para a direção, a trilogia tinha um ponto de partida intrigante. Um grupo de adolescentes, todos homens, acordavam numa clareira cercada por uma muralha impenetrável. A saída era escolher seus melhores corredores para tentar vencer o imenso labirinto que diariamente se abria em uma de suas paredes. Era o ponto de partida para uma trama que envolvia parte da humanidade dizimada por um vírus misterioso (que transformava os infectados em zumbis), um grupo de cientistas amorais em busca de uma cura e dois lados bem definidos para o conflito: os militares, bem armados e refugiados em fortalezas impenetráveis, e os "rebeldes", vestidos à moda Mad Max e lutando por uma liberdade tênue. A figura do "escolhido", interpretado por Dylan O'Brien, ressaltava a total falta de criatividade do estilo e, na falta de uma execução mais primorosa, restavam os fãs dos astros pós-adolescentes.

Mas a série pecou pela falta de timing, e o infeliz acidente com O'Brien fez com que o filme chegasse atrasado em sua própria festa. Neste 2018, adaptações de literatura young adult precisam ou ser realmente especiais, ou fazer parte de algum fenômeno global, para fazer algum barulho. A estreia só ok de A Cura Mortal no cinema reflete muito mais a época pré-Oscar, quando os grandes blockbusters do fim do ano passado (Star Wars, Jumanji) já perdem o fôlego e os candidatos ao prêmio da Academia ganham mais espaço nos cinemas, do que uma vontade de o público acompanhar esse sub-gênero. O cinema em particular, e o entretenimento em geral, vive de ciclos. Ao que parece, a salvação do mundo nas mãos de jovens quase adultos deixou de ser prioridade.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.