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Chega de tortura: 50 Tons de Liberdade finalmente encerra a saga erótica

Roberto Sadovski

08/02/2018 01h45

Cinquenta Tons de Liberdade, que encerra a trilogia soft porn nonsense com sabor de notícia de anteontem, abre com o casamento de Christian Grey e Anastasia Steele. Podia também terminar aí e evitar quase duas horas torturantes em que a plateia contempla, atônita, o nada. Não existe nenhuma trama a ser resolvida neste terceiro filme: basicamente o casamento encerra os conflitos e dilemas do casal central. Mas a autora E.L. James coçou o dedo e inventou uma história bizarra de vingança que termina no sequestro mais mal planejado deste lado da TV Globo. É uma vergonha de filme, uma experiência dolorosa em que absolutamente nada acontece – nada! Quer saber? É até melhor assim, já que não dá para se importar com personagens profundos como um pires, que resolvem suas questões numa revirada de olhos, num bater de ombros, numa DR piegas… ou na bala mesmo.

Mas eu tive de encarar para te poupar o trabalho, certo? Então vamos lá. O centro deste filme, que repete a direção de James Foley (contas a pagar e tal), está na vida de casados de Christian e Anastasia. Ela aos poucos se acostuma em ser mulher de um triliardário (não que os dois filmes anteriores não cobrissem isso), ao mesmo tempo em que não quer abrir mão de sua liberdade. Quer sair com as amigas longe do olhar do segurança bonitão, quer trabalhar e ter um mínimo de autonomia. Quer uma vida, enfim, longe da mão controladora, imatura e machista de Grey. O maridão, claro, finge que concorda com as exigências mas mantém a coleira (literal e figurativa) apertada. Em uma das cenas mais reveladoras, ele arma um feriadão em Aspen e convida os amigos da esposa – ou melhor, "a" amiga, já que os outros são da família dele. Ou seja: ele deixa Ana ter sua vida, contanto que ele esteja no controle. Me espanta boa parte dos fãs da "saga" achar que esse figura é um príncipe encantado, mas vai saber.

O amor é lindo…

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Para dar um tempero à coisa, Cinquenta Tons de Liberdade recupera o "vilão" do filme anterior, Jack Hyde (Eric Johnson), ex-chefe de Ana, demitido após atacá-la em uma cena que já não fazia o menor sentido um ano atrás. Sedento por vingança, talvez até demais da conta, ele invade a empresa de Grey (deve ter a pior segurança do planeta) e o apartamento do casal (segurança zero também), se dá mal mas, em uma reviravolta de doer, paga uma fiança de meio milhão de dólares para, depois, tentar extorquir um trocado de Anastasia. Ok, o roteiro não faz o menor sentido, mas ao menos é desculpa para uma perseguição automobilística em que a moça se torna o Steve McQueen ao volante e um ou outro momento de tensão. De resto, é a verborragia de sempre, entrecortada com cenas mais quentes de sexo com o casal apaixonado. E é isso: sexo na cama, sexo no barco, sexo no carro, sexo na mesa…. e sexo na infame sala vermelha, onde os "segredos" de Christian foram revelados. "Sexo" com muitas aspas, claro, já que a coisa toda poderia ser exibida sem traumas na Sessão da Tarde.

Por sinal, se é pimenta que o fã eventual busca, vai se decepcionar. No lugar da relação pseudo BDSM do primeiro filme, a coisa aqui é bem leve, com as algemas e o couro e os chicotes e os brinquedinhos abrindo espaço para amorzinho fofinho. Essa é, no fim das contas, a grande "virada" de Cinquenta Tons de Liberdade: privar seu protagonista de seu "trauma" e, por consequência, de qualquer tentativa de fazer do personagem algo além de um clichê bobão. O resultado é um thriller erótico de quinta que tenta assumir um tom tão ridículo que ele se torna, de alguma forma, mais divertido. Talvez por isso Dakota Johnson apareça menos travada e Jamie Dornan soe um pouco mais à vontade. Eles devem ter entendido a piada e até tentam, sem muito sucesso, fingir alguma química, fazer com que a gente acredite que existe alguma verdade ali.

O amor é…. ah, vá!

Não existe, claro. Se Cinquenta Tons de Liberdade funciona como comédia involuntária (já é desde o primeiro filme, mas aqui os realizadores sequer tentam esconder), como filme é um desastre completo. Falta ritmo narrativo, falta arco dramático, faltam personagens que não pudessem ser substituídos por um pedaço de cartolina. Não existe nenhum ponto de virada na trama, o que priva o filme de qualquer impacto emocional e mina suas chances de sugerir alguma conexão com o público. É um cartão postal de locações bonitas embalado por uma trilha pop contemporânea (alguém por favor nos livre de covers lentas e dramáticas de sucessos do passado!), com um ou outro ser humano pipocando em cena para dar alguma liga. Ao menos a série termina aqui – ao mens é minha esperança. Desafio algum produtor a adaptar Grey ou Mais Escuro, em que E. L. James teve a cara de pau de contar A MESMA HISTÓRIA, desta vez do ponto de vista do macho da relação. Melhor nem dar ideias….

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.