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Operação Red Sparrow só funciona (e olhe lá) por causa de Jennifer Lawrence

Roberto Sadovski

01/03/2018 03h47

DF-32336_R3 – Jennifer Lawrence stars in Twentieth Century Fox's RED SPARROW. Photo Credit: Murray Close.

Aos 27 anos, e com um Oscar de melhor atriz na bagagem, é inegável que Jennifer Lawrence é um dos grandes talentos revelados por Hollywood neste novo século. Mas é preciso um certo prazer sádico para acompanhar sua jornada neste Operação Red Sparrow, thriller de espionagem que troca as muralhas bem definidas da Guerra Fria pelo cinza do jogo político contemporâneo. Mesmo que o embate nos bastidores entre Estados Unidos e Rússia soe anacrônico e irreal, este é o menor dos problemas do filme de Francis Lawrence, que dirigiu a estrela em três Jogos Vorazes. Ele constrói aqui uma trama de espiões confusa e sem ritmo, em que as reviravoltas do texto são menos importantes que a extrema violência experimentada não só por Jennifer, mas por boa parte do elenco. Red Sparrow é um filme proibido para menores que abraça sem pudor sua classificação.

Seu pedigree é o livro de Jason Matthews, ex-agente da CIA que trocou a espionagem real por uma bem sucedida carreira como novelista de ficção. Ele usa suas credenciais para emprestar autenticidade ao texto mas, como escritor, ele não passa do ponto de corte. Operação Red Sparrow pode flertar com certo talento com o jogo de lealdade no qual se equilibra sua protagonista, mas a certa altura a história descarta qualquer conexão com seu suposto realismo para abraçar o fetichismo quase pornográfico de sua protagonista ora desfilando em seu traje de Eva, ora sendo torturada por vilões tão sádicos que estão a um bigode retorcido da total caricatura. Veja bem, sexo e violência são ferramentas narrativas poderosas – esta aí Paul Verhoeven que não me deixa mentir. Mas Red Sparrow parece tão preocupado com o grafismo da coisa que esquece da história que teria para contar.

Hora da aula: Jennifer Lawrence entra na escola de espiões

Sim, história, vamos a ela. Jennifer Lawrence é Dominika Egorova, bailarina do Bolshoi que tem a perna arrebentada em um acidente e, para a Mãe Rússia, torna-se nada além de um peso a ser descartado. Com a mãe doente em casa (Joely Richardson, sem muito o que fazer), ela aceita uma oferta de trabalho do tio (Matthias Schoenaerts), que tem costas quentes com os poderosos do país, ficando a um passo da prostituição. O trampo se mostra, porém, um assassinato político, e como única testemunha Dominika tem duas opções: morrer ou ser treinada como "sparrow", agente soviética lapidada na arte da sedução, usada como peão nas movimentações políticas do Estado. A moça é enviada a uma escola para espiões (dirigida por uma Charlotte Rampling desconfortável) e logo envolve-se numa trama sobre venda de informações de políticos ianques, a busca por um informante russo passando segredos a um espião americano, e em seu envolvimento com o dito espião (Joel Edgerton, agindo como par romântico e sem muito espaço).

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Nada faz muito sentido em Red Sparrow. Da velocidade com que Dominika torna-se uma espiã com o que parecem ser alguns dias de "aula" às reviravoltas que miram na lealdade flutuante da moça e acertam em soluções inverossímeis – uma delas, claro, resulta na tortura cheia de detalhes à qual a personagem é submetida. O grande problema da condução de Francis Lawrence, ex-diretor de vídeos musicais (Green Day, Avril Lavigne, Britney Spears, Lady GaGa) que já fez ao menos dois grandes filmes com Constantine e Eu Sou a Lenda, é não fazer a menor ideia do rumo e do tom de seu filme. Operação Red Sparrow não funciona como thriller sério, aos moldes de O Espião Que Sabia Demais ou O Alfaiate do Panamá, e nem se assume como filme de ação ao estilo Jason Bourne ou Missão Impossível. Esse meio-termo faz com que ele não seja bom o bastante para ser levado a sério e nem ruim o suficiente para ser consumido como pipocão inofensivo.

Deu ruim: a tortura em Red Sparrow é brutal

Resta a Jennifer Lawrence, portanto, segurar a bucha e emprestar seu talento considerável a um filme menor – a série de Matthews, por sinal, já rendeu uma trilogia. Ela acerta na expressão impávida de uma mulher que, em vez de jogar com as cartas que lhe dão, prefere traçar sua própria estratégia. Apesar de o roteiro ser uma bagunça, ela lhe confere uma certa verdade, o que ajuda a plateia a comprar a transformação de Dominika de bailarina pacata a mulher fatal capaz de mentir, bater, seduzir, apanhar e matar para sobreviver. A intenção de Operação Red Sparrow em retratar uma protagonista forte e determinada em um mundo dominado por homens é nobre. Mas Francis Lawrence nunca consegue elevar o material além do torture porn, resultando em uma produção bonita, executada por um elenco talentoso, mas que se torna enfadonha quando o relógio ultrapassa as duas horas de projeção. Scarlett Johansson pode dormir sossegada: ela pode seguir tranquila com a produção de Viúva Negra sem nenhum receio em chegar atrasada ao jogo.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.